Aquecimento global preocupa agricultura e o setor de seguros, mas mudança do clima trará também oportunidades de ganho. Empresários já investem em estudos para compreender o novo cenário do clima, rever os seus negócios e lucrar com as mudanças em curso
No momento em que grandes empresas começam a planejar ações de mitigação para conter o aquecimento global, sobretudo as relacionadas à emissão dos gases-estufa, especialistas começam a levantar uma bandeira que deve ter importância crescente para o mundo corporativo nos próximos anos: o ajuste da economia e da sociedade para os eventos climáticos que já não podem ser evitados. É o que os cientistas chamam de "adaptação".
Secas fora de época, tempestades com elevado poder de destruição e ondas de calor alterando as correntes atmosféricas são alguns desses eventos, quase sempre com impactos econômicos e sociais significativos nas regiões afetadas. Como fogem de padrões históricos, são praticamente impossíveis de prever com precisão. E se tornaram uma verdadeira dor de cabeça para setores como a agricultura, as indústrias de seguros e de energia.
"Há uma tendência entre os cientistas de que os esforços hoje deveriam ser mais canalizados para a questão da adaptação do que da mitigação. É como concentrar esforços para tirar um paciente da UTI e depois ver o que é possível fazer em seu tratamento", explicou à Folha o pesquisador titular sênior do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) Enio Bueno Pereira.
Segundo proposta do grupo WWF para a Conferência do Clima de Copenhague, na Dinamarca, onde serão decididos os próximos passos do planeta na questão do aquecimento global, dos US$ 160 bilhões que deveriam ser canalizados pelos países industrializados para solucionar o problema, US$ 56 bilhões correspondem a atividades de adaptação. O investimento na mitigação e na difusão de tecnologias voltadas à mitigação, o segundo mais representativo da proposta, soma US$ 55 bilhões.
De acordo com o pesquisador do Inpe, o aumento na intensidade e na irregularidade dos eventos climáticos no Brasil gera visível interesse das companhias pelo assunto. A Petrobras, por exemplo, encomendou ao Inpe um estudo sobre o efeito das mudanças climáticas nas correntes de vento em todo o país. O objetivo: detectar o potencial de expansão da geração de energia eólica a partir da nova realidade do clima.
De olho nos crescentes gastos com indenizações relacionadas ao clima, a indústria de seguros é outro setor interessado no assunto. Os gastos anuais com indenizações no mundo saltaram de um patamar médio de US$ 5 bilhões na década de 80 para US$ 30 bilhões entre 2000 e 2006. Para a próxima década (2010-2019), estima-se que esse número suba para US$ 40 bilhões. O motivo? Catástrofes naturais, boa parte delas relacionada ao clima.
Em linha com esse interesse, o grupo segurador Allianz patrocina um dos mais importantes estudos sobre as mudanças climáticas, que acompanha a cada ano as ações dos países desenvolvidos e das cinco principais economias em desenvolvimento (entre elas o Brasil) para mitigar suas emissões, o G8 Climate Scorecards, feito em parceria com o WWF. Na mais recente edição do estudo, divulgada recentemente, Canadá e Rússia foram reprovados no teste por aumentarem continuamente suas emissões de gases. Coincidência ou não, os dois países são dos poucos a serem beneficiados com o aquecimento global, uma vez que a elevação da temperatura média do planeta ampliará de maneira importante suas áreas agricultáveis, hoje sob o gelo.
De todos os setores econômicos, no entanto, a agricultura é de longe o mais afetado pelas mudanças climáticas. No primeiro semestre deste ano, por exemplo, os produtores rurais brasileiros amargaram prejuízos de quase R$ 2 bilhões por causa de eventos climáticos como chuvas torrenciais no Piauí, estiagem no Paraná e seca em Santa Catarina.
"Ainda que não se saiba quais desses eventos são provocados diretamente pelo aquecimento global, não existe mais dúvida de que os eventos climáticos estão cada vez mais intensos e cada vez menos regulares, afetando diretamente a agricultura", diz o superintendente de Agronegócios da Allianz, Luiz Carlos Meleiro.
Segundo os especialistas, os setores da economia afetados pelas mudanças climáticas não se restringem, entretanto, àqueles nos quais esses efeitos são mais óbvios. É o caso, por exemplo, do segmento de turismo, que movimenta bilhões de dólares todos os anos, ou o de transportes, uma vez que a adaptação poderá exigir alterações profundas no modo como as pessoas se locomovem (a poluição dos carros, por exemplo, é hoje o principal problema climático da cidade de São Paulo).
"A crise climática pode ser pior do que a atual crise financeira em termos de prejuízos econômicos. E, infelizmente, não temos ainda no Brasil uma discussão que envolva os diferentes setores da sociedade sobre o aquecimento global", afirma a analista sênior do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF Brasil, Karen Suassuna.
(Por André Palhano, Folha de S. Paulo, 28/07/2009)