Conta oficial da produção de carbono no Brasil ainda não exibirá queda recente. Governo corre para finalizar antes de conferência do clima um levantamento que revele como a redução do desmate diminuiu o CO2
O Brasil entrega neste ano à Convenção do Clima das Nações Unidas seu inventário de gases de efeito estufa, com quase uma década de defasagem e uma má notícia: as emissões por desmatamento da Amazônia a serem relatadas são as maiores da história - maiores, inclusive, que as atuais.Apesar de o desmatamento ter caído 60% entre 2005 e 2008, o inventário se referirá às emissões de 2002 em relação às de 1994. Naquele período, as derrubadas na Amazônia tiveram um crescimento de 40%.
Como as emissões pela queima de combustíveis fósseis também cresceram entre 1995 e 2002, o novo inventário criará uma situação esdrúxula: mostrará um Brasil muito mais poluidor do que o do primeiro inventário, de 1994, mas também provavelmente mais poluidor do que o Brasil de hoje.
Por isso, o MMA (Ministério do Meio Ambiente) quer fechar em breve um conjunto de dados gerais de emissão do país. Segundo a secretária nacional de Mudanças Climáticas, Suzana Kahn Ribeiro, mesmo que eles não tenham a precisão do inventário "oficial", esses dados dariam uma ideia mais atual de quanto o Brasil emite. O inventário é uma espécie de prestação de contas que os países precisam entregar de tempos em tempos à Convenção do Clima. Ele traz os dados oficiais de emissão por setor da economia em cada nação, e com base nesses dados são, em tese, elaboradas as políticas de controle de emissões.
O próximo inventário será apresentado na conferência do clima de Copenhague, em dezembro. O encontro deve produzir um acordo global para combater o efeito estufa que substitua e amplie o Protocolo de Kyoto (que expira em 2012). "Vamos ficar mal na fita", disse à Folha Thelma Krug, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que coordena o capítulo de desmatamento do inventário. De 1995 a 2002, o desmatamento médio anual na Amazônia - principal fonte de emissões do Brasil - foi de 19.109 km2 ao ano, contra 15.308 km2 ao ano entre 1988 e 1994.
Isso representa uma emissão líquida anual de 535 milhões de toneladas de CO2. O dado mais favorável ao Brasil é o dos últimos quatro anos (2005 a 2008), quando a derrubada média anual foi de 14.113 km2. Uma fonte ouvida diz que o governo espera ver a cifra de 2009 ainda mais baixa: em torno de 9.000 km2.
Segundo Ribeiro, a defasagem é normal. "Os países têm um prazo longo mesmo pela convenção, nisso o Brasil está OK." O país, porém, está atrasado na produção de inventários até mesmo em relação a outras nações emergentes. O México está elaborando o seu quarto documento do gênero."O cenário ideal seria ter estimativas anuais de emissão e inventários completos bienais ou trienais", diz Tasso Azevedo, consultor do MMA.
Nova metodologia permitirá atualização anual, diz cientista
Uma possível boa notícia sobre o novo inventário de emissões do Brasil talvez seja que o atraso é o preço da qualidade. Segundo Thelma Krug, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a demora do inventário se deve, entre outras coisas, ao fato de que o país resolveu adotar a mesma metodologia recomendada pelo IPCC (o painel do clima das Nações Unidas, do qual ela é uma das vice-presidentes) para os países industrializados.
O primeiro inventário nacional usava uma série de aproximações e suposições para dados que não existiam. Ninguém sabe ainda, por exemplo, qual é a taxa de emissão anual do cerrado, bioma que, acredita-se, emita o equivalente a metade do que emite a Amazônia. O novo, diz Krug, já sai na frente porque partirá dos mapas de uso do solo elaborados pelo programa Probio, do Ministério do Meio Ambiente. Isso permitirá dividir o país em milhares de células, cada uma com várias "camadas" de informação: o teor de carbono do solo, a vegetação original e o uso da terra. Este, por sua vez, será subdividido em seis categorias: floresta, agricultura, campo (inclui cerrado), área urbana, área alagada e outros.
Cada célula será inserida numa "matriz de conversão", que mostra cada categoria de uso da terra em 1994 e como ela variou em 2002. "Mesmo que uma célula seja fragmentada ao longo dos anos eu vou poder contar a história dela", diz Krug. Depois de pronta a matriz, o Brasil poderá gerar inventários anuais de emissão, se quiser. "Outros países em desenvolvimento vão levar dez anos para implementar essa matriz", afirma a pesquisadora.
Sem desespero
De resto, afirma Krug, não deve haver "desespero de gerar inventários amiúde quando os problemas e as soluções não mudam tão amiúde". O uso da terra, em 1994, em 2002 e em 2008, continua sendo responsável por cerca de 70% das emissões do Brasil. "A proporção pode variar, mas é pouco", diz. "Dizer que eu preciso de um inventário para tomar providências é desculpa. Ninguém precisa de inventário para saber que tem de reduzir o desmatamento."
(Por Claudio Angelo, Folha de S. Paulo / Jornal da Ciência, 27/07/2009)