A cena atípica aconteceu num final de tarde em Oceanside, praia de San Diego, na Califórnia. Banhistas saíram amedrontados do mar. Mergulhadores profissionais nadaram fortemente para alcançar a areia - e estampavam no rosto assombro e preocupação. Surfistas recuaram de um momento para outro. “Estava sobre a prancha quando percebi a movimentação das pessoas. Mergulhei e vi uma criatura marinha de quase dois metros de comprimento”, diz o americano John Guilmette. Ele se deparou, naquela abafada tarde, com uma lula gigante que pesa cerca de 45 quilos, pertence à espécie Humboldt e ataca o que encontra pela frente.
Segundo biólogos dos EUA, mais de duas mil Humboldt foram vistas na costa da Califórnia na semana passada, e a surpresa está no fato de que elas viviam, até então, nas profundezas do oceano Pacífico. Também nas Ilhas Balneares e em diversos pontos do litoral da Catalunha a cena se repetiu: a medusa caravela-portuguesa, cujo veneno é um dos mais letais que se conhece, apavorou os banhistas. Na costa norte da Austrália, os “monstros” também se fizeram presentes sob a forma da água-viva “vespa do mar”. Mas há mais: no Japão uma quantidade incalculável de águas-vivas gigantes se espalhou pela água. Cabe a questão: por que esse fenômeno? Biólogos marinhos são unânimes: ele é fruto do desequilíbrio ambiental.
“Estamos sendo invadidos por um número gigantesco de águas-vivas. São mais de 300 milhões delas e esse movimento migratório prova que o oceano está doente. Elas estão à procura de alimento”, diz o biólogo e oceanógrafo japonês Shinichi Eu, da Universidade de Hiroshima. A água-viva gigante que está atacando os pescadores no Estreito de Tsushima chega a medir dois metros de diâmetro e pesa cerca de 200 quilos. A indústria pesqueira japonesa estima que o ataque causará um prejuízo de US$ 320 milhões.
Na mesma situação, e com alto risco de morte, estão os australianos que habitam áreas costeiras. Lá há o avanço da água-viva vespa do mar. Ela é linda. E agressiva. A ação de seu veneno é tão rápida e potente que a vítima não tem tempo de nadar para a praia, morre no mar. Quem mergulha na Grande Barreira de Corais australiana, um dos cartões-postais do país, sabe da existência de um pequenino “monstro” de 12 centímetros de comprimento chamado polvo de anéis azuis. Inversamente proporcional ao seu tamanho é a potência de seu veneno: aniquila 20 homens.
O fato é que a morte de muitos corais, devido à acidez do mar, quebrou a cadeia alimentar - desapareceram caranguejos e camarões e, com isso, o polvo de anéis azuis aproxima-se cada vez mais da costa para suprir suas necessidades. O governo da Austrália acaba de montar um plano de emergência tentando proteger os banhistas.
Na paradisíaca Península Ibérica o ataque em massa da caravela-portuguesa atraiu pesquisadores de toda a comunidade científica europeia. “O aquecimento global é a esfera maior. Em uma de suas camadas está o desequilíbrio ambiental”, diz o analista geográfico da Universidade de Alicante Jorge Olcina. “Fizemos diversos estudos e comprovamos que há uma série de desequilíbrios no ecossistema do mar. Isso se traduz na proliferação de medusas que estão invadindo praias da Catalunha.” Foi o mesmo fenômeno que se deu na Califórnia. Milhares de lulas com mais de um metro de comprimento, dotadas de cortantes tentáculos, invadiram as águas de San Diego. “Todos ficaram assustados por nadar lado a lado com um monstro das profundezas.
Nossas máscaras foram envolvidas por tentáculos”, diz o biólogo marinho americano John Hyde. Ele acrescenta que essa espécie de lula é conhecida como “diabo vermelho” e que seu comportamento se alterou: “Sempre viveram em águas profundas da América Central, mas agora passaram a invadir o sul da Califórnia. Temos de prestar atenção a esses sinais da natureza.” Em outras palavras, o sinal dado por esse movimento migratório é o da falta de alimentos e do declínio no número de predadores naturais.
(Isto É / ANDA, 25/07/2009)