Indústrias do setor interrompem três grandes empreendimentos e investimentos caem pela metade
Em meados do ano passado, a indústria de papel e celulose preparava o início de um novo ciclo de investimentos no País, concentrando em quatro anos, de 2009 a 2012, projetos que somavam R$ 23 bilhões. Atropelado pela crise, o setor interrompeu três grandes empreendimentos que estavam saindo das maquetes, e viu minguar praticamente à metade o plano de expansão que, num cenário otimista, ficará em R$ 12 bilhões.
Pelos cálculos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a retomada dos projetos não deve ocorrer em menos de dois anos. Das três fábricas devolvidas às pranchetas, duas eram investimento da Aracruz Celulose: a nova unidade de Guaíba, no Rio Grande do Sul, de construção de uma planta ao lado da primeira; e Veracel II, em Eunápolis, na Bahia, uma parceria com a finlandesa Stora Enso. A terceira, Losango, no Rio Grande do Sul, era um investimento projetado pela Votorantim Papel e Celulose (VCP).
O caso mais emblemático é o da duplicação da fábrica de Guaíba. O projeto, de R$ 5 bilhões, estava com pedido de financiamento em fase final de tramitação no BNDES quando foi abortado pela empresa atingida em cheio por uma superexposição em derivativos cambiais quando a crise global explodiu. No ano passado, a empresa amargou prejuízo de R$ 4,2 bilhões por causa da operação. Na semana passada, anunciou seu primeiro lucro trimestral, depois de três períodos de prejuízos consecutivos. A direção da empresa não quis falar ao Estado sobre as novas perspectivas, mas não há apostas no mercado sobre retomada de investimentos.
"Depois da crise, o único grande projeto do setor que se manteve foi o de Três Lagoas. Mas, nesse, a VCP não podia retroceder, porque 80% da obra já estavam concluídos", diz André Biazus, chefe do departamento de Papel e Celulose, da área de Insumos Básicos do BNDES. A obra começou a operar em março deste ano, em Mato Grosso do Sul. O governo do Estado abriu mão da arrecadação de 90% do ICMS para garantir o investimento, planejado há mais de dez anos.
O pior da crise parece ter passado. Nos meses que marcaram o fim de 2008 e o início de 2009, os estoques de celulose nas fábricas, que em períodos de normalidade passam, em média, 30 dias, chegaram a 50, segundo dados da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa). "Hoje, esses estoques já estão praticamente nos níveis médios. Mas é preciso avaliar todo o contexto internacional: fábricas foram fechadas e há um movimento de reorganização do mercado. Acreditamos que o Brasil terá um importante papel nesse novo contexto", diz Elizabeth de Carvalhaes, presidente da entidade.
Bastante intensiva em capital, a indústria de celulose e papel cresce aos saltos, com grandes projetos e intervalos para essas fábricas chegarem ao nível máximo de ocupação da capacidade. A decisão de investir começa em média seis anos antes da construção da unidade propriamente dita, com a plantação da floresta de eucaliptos que vai abastecer a usina.
No último dia 14, a Suzano Papel e Celulose, uma das gigantes do setor, anunciou parceria com a Vale que inclui a compra de 84,7 mil hectares de terras da mineradora no Maranhão, parte da área já com eucaliptos plantados, por R$ 235 milhões. O presidente da Suzano, Antonio Maciel Neto, anunciou o início de uma unidade de celulose no sul maranhense em 2013 e outra fábrica no Piauí em 2014. "Vamos mais do que dobrar nossa produção anual", disse.
A presidente da Bracelpa acredita que, de certa forma, o Brasil poderá sair ganhando com a crise. No auge dos efeitos negativos, a VCP aumentou sua participação na Aracruz, formando um grupo que já é chamado, no BNDES, de "A Vale da celulose". Outras mudanças ainda podem ocorrer. "Está claro que um dos efeitos da crise será a mudança geopolítica no fluxo da produção, do emprego e do capital do setor. O fechamento de fábricas no hemisfério Norte poderá beneficiar as indústrias do Brasil, a vinda de capital estrangeiro ou outros tipos de operações. Há várias possibilidades de negócios."
Com baixo custo de produção, a celulose brasileira é competitiva no mercado internacional. Um dos grandes diferenciais do produto é a qualidade e o tempo de maturação das florestas de eucalipto. "No Brasil, em seis anos, o eucalipto está pronto para ser usado na produção. Em alguns países, esse processo chega a demorar 80 anos. O custo de produção da celulose americana é de US$ 450 a tonelada. O nosso fica entre US$ 220 e US$ 230", explica o técnico Andre da Hora, também do departamento de Indústria e Papel do BNDES.
A indústria exporta mais de 80% da produção. Com a retração global, caíram preços e demanda. No período pré-crise, a celulose alcançava US$ 840 a tonelada no mercado europeu, o principal destino das vendas brasileiras. Entre março e abril, esse valor havia caído para US$ 482 a tonelada.
A China e sua demanda na contramão do mundo, surgiu em meio à crise como uma plataforma salvadora. Enquanto, no primeiro trimestre as exportações para a Europa caíram 28% e para a Ásia e Oceania despencaram 53,5%, para a China, as vendas subiram 31,4%. Metade da produção brasileira já se destina ao mercado chinês.
(Por Irany Tereza, O Estado de S. Paulo, 26/07/2009)