O Paraguai ganhará, de graça, uma linha de transmissão de 500 kV, para levar energia da hidrelétrica de Itaipu até a capital do país pelo acordo fechado, no sábado (25/07), entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Fernando Lugo, do Paraguai. No início das negociações sobre a energia de Itaipu, o Brasil ofereceu um financiamento do BNDES para o governo paraguaio construir esta linha de transmissão, mas agora a empresa Itaipu Binacional bancará o custo da obra, de US$ 450 milhões, e a repassará depois ao país, segundo decisão tomada já no fim das reuniões entre os governos brasileiro e paraguaio.
Este "presente" foi a novidade da negociação, na qual o governo brasileiro aceitou também que o Paraguai venda no mercado livre do Brasil a energia de Itaipu que hoje entrega a preço fixo à Eletrobrás e concordou em triplicar a compensação paga pelo uso da energia que os paraguaios seguirão vendendo à estatal brasileira. As duas decisões sobre venda de energia só valerão, porém, se forem aprovadas no Congresso. O governo, segundo um assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda discutirá como submeter o tema ao parlamento e não descarta o uso de medida provisória.
"Em 10 meses, graças à vontade deste governo e do presidente Lula conseguimos avançar numa reclamação de trinta anos", comemorou Lugo, no sábado, anunciando "uma nova era nas relações entre Paraguai e Brasil". Lula classificou de "histórico" o acordo firmado. O governo brasileiro decidirá, ainda, como evitar que as concessões ao Paraguai provoquem aumento no custo da energia elétrica vendida ao Brasil. Já se admite que uma parte poderá ser repassada às tarifas, e que o Tesouro Nacional deverá absorver a outra parte ou o total do aumento.
A decisão de submeter aos Congressos brasileiro e paraguaio duas das principais reivindicações paraguaias sobre a venda de energia descontentou os auxiliares de Lugo. Eles não viam necessidade de aprovação parlamentar para o aumento do custo da energia, já que, no passado, foram feitas correções nos valores dessas compensações sem consulta aos parlamentares.
Os paraguaios não fixaram data para oficializar a regularização dos chamados brasiguaios, brasileiros com terras no Paraguai. O documento do encontro fala apenas em tomar essa providência sobre os brasiguaios "com a brevidade possível" - os mesmos termos usados no texto pelos brasileiros ao falar do prazo para que o Paraguai comercialize no mercado livre do Brasil a energia de Itaipu a que tem direito. Lugo também ignorou o pedido de Lula para que a declaração final do encontro incluísse compromisso do Paraguai com o apoio à pretensão brasileira de ocupar uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A parcela do valor pago ao Paraguai que será triplicada caso haja aprovação do Congresso é uma pequena parte do que a Eletrobrás paga pela energia paraguaia. A tarifa de Itaipu, que não mudará, está em US$ 43,80 por megawatt hora. Até hoje, acrescentam-se a esse valor, US$ 3,17 megawatt hora, por "compensação" pelo uso da energia paraguaia de Itaipu, que no final representam uma transferência de US$ 120 milhões ao ano para o Paraguai. Pelo acordo, essa "compensação" subirá para US$ 9,51, que garantirão US$ 240 milhões a mais por ano no orçamento do governo Lugo.
O Paraguai tem direito a 50% da energia de Itaipu, e, como só usa um décimo disso, vende o restante à Eletrobrás. Pelo tratado de construção da hidrelétrica, o país só pode vender energia ao Brasil. Com o acordo, se aprovado pelo Congresso, poderá buscar mais vantagens nesse negócio vendendo diretamente no mercado livre brasileiro. Mas o prazo e as condições pelas quais o governo paraguaio venderá essa energia dependerão de discussões de um grupo de trabalho anunciado por Lugo e Lula, que voltarão a se encontrar em outubro para tratar do assunto. "Todos esses pontos do acordo, absolutamente todos, temos a firme ilusão e esperança de que serão cumpridos", comentou Lugo.
"A decisão do presidente é que o consumidor não seja penalizado, há limites do que a economia e o consumidor podem absorver", informou o subsecretário de América do Sul do Ministério de Relações Exteriores, Ênio Cordeiro, um dos principais negociadores do acordo. Ele admitiu que a decisão exigirá, "em alguma medida", recursos orçamentários do Tesouro, para evitar custos ao consumidor. "Se escapar como consumidor, talvez não escape como contribuinte, ou talvez não pague, isso terá de ser visto".
Cordeiro levantou uma possibilidade para evitar aumentos ao consumidor ou nas despesas do orçamento: uma revisão da parcela da dívida de Itaipu, que reduziria a parcela da tarifa destinada a pagar esse débito. O tema é polêmico, porém, e será discutido pelos ministérios da Fazenda, Minas e Energia, Planejamento e Relações Exteriores, nos próximos dias.
A construção da linha de transmissão entre Itaipu e Assunção, que será doada ao Paraguai, poderá ser feita pela hidrelétrica com recursos próprios ou com empréstimos à usina, de acordo com decisão ainda a ser tomada pelos dirigentes da binacional. Itaipu tem um fundo de reserva para investimentos e gastos excepcionais que já acumula mais de US$ 400 milhões. O governo brasileiro chegou a oferecer financiamento do BNDES ao Paraguai, para a construção da linha de transmissão, mas o governo paraguaio dispensou, alegando ter condições de obter financiamento mais barato do Banco Mundial (BIRD), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Europeu de Investimentos. Na negociação, porém, reivindicou que a construção ocorresse sem custos para o país, e fosse bancada pela binacional, com o que o Brasil concordou.
(Por Sergio Leo, Valor Econômico, 27/07/2009)