Organizações ambientalistas e sociais do Chile rechaçam os planos de regulamentar por lei a questionada indústria do salmão, pois consideram que um artigo do projeto privatiza o mar costeiro. O governo responde que a iniciativa pretende precisamente o contrário. O projeto que modifica a lei de pesca em matéria de aquicultura “constitui um retrocesso brutal do ponto de vista da soberania nacional, da conservação dos recursos naturais e dos direitos das comunidades costeiras, da pesca artesanal e dos cidadãos”, disse à IPS Juan Carlos Cárdenas, secretário-executivo do não-governamental Centro Ecoceanos.
A controvertida iniciativa foi enviada ao parlamento em janeiro pelo governo de Michelle Bachelet produto da crise sanitária e econômica que vive desde 2007 o setor devido à propagação da anemia infecciosa do salmão, doença dos peixes conhecida como “virs Isa”. O Chile é o segundo produtor de salmão cultivado do mundo, atrás da Noruega. Este país exportaou em 2007 mais de US$ 2 bilhões desde os centros de cultivo, a maioria nas regiões de Los Lagos, Aysén e Magallanes, mais de mil quilômetros ao sul de Santiago.
O projeto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e na segunda-feira (27/07) vence o prazo para os senadores apresentarem emendas. Se o Senado modificar substancialmente o projeto, deverá passar a uma comissão mista das duas casas. Para pressionar os legisladores, um grupo de organizações não-governamentais, entre elas Ecocéanos, Centro de Conservação Cetácea e Observatório Latino-americano de Conflitos Ambientais, lançaram na terça-feira uma campanha para evitar a aprovação do projeto. Os ativistas questionam principalmente dois artigos, que autorizam as empresas a hipotecar suas concessões a bancos credores para renegociar suas altas dívidas.
As organizações enviaram na quarta-feira uma carta à presidente Bachelet pedindo que retire o projeto, atividade que teve apoio dos senadores Guido Girardi, do cogovernante Partido Pela Democracia, e Alejandro Navarro, candidato presidencial do partido Movimento Amplo Social e ex-militante do Partido Socialista. À campanha somaram-se instituições com Associação Nacional de Mulheres rurais e Indígenas (Anamuri), Associação de Miticultores de Quellón e Liga Cidadã de Consumidores, disse Cárdenas.
Entre outras coisas, o projeto propõe a definição de áreas apropriadas para a salmonicultura, o fortalecimento da fiscalização, exigência de normas sanitárias e ambientais à indústria e o aumento do custo das patentes pagas para obter as concessões, bem com a incorporação de motivos para caducidade. Segundo Cárdenas, o projeto “é inconstitucional e ilegal porque pretende hipotecar um bem nacional de uso público”.
A “adoção dos chamados bairros salmoneiros também viola a Constituição porque estabelece um monopólio do salmão, eliminando a pesca artesanal, a mitilicultura (cultivo dos moluscos conhecidos como choros) e a operação turística”, disse o representante da Ecocéanos.
Mas, o governo afirma que o zoneamento não vai interferir em outras atividades produtivas. Consultado pela IPS, o vice-presidente da república, Edmundo Pérez Yoma, negou ontem, em reunião com correspondentes estrangeiros, que o projeto vá privatizar o mar chileno. “É justamente o contrário”, disse Yoma, que atribuiu a versão à falta de conhecimento. “Em nosso país há muito tempo, pelo menos nos últimos dois anos, o que se discute é a manchete do jornal, não o comentário. Há uma fortíssima falta de rigor no debate”, disse.
Uma alta fonte do Ministério da Economia disse à IPS que o projeto de lei “não é uma privatização domar porque o mar é um bem de uso público e o que o Estado faz é dar em concessão o direito de uso sobre uma porção do mar. Isto é, o Estado nunca deixa de ser dono. As empresas sempre hipotecaram o direito de uso nos bancos. O que agora se está fazendo é tornar isso transparente e mais efetivo”; com o projeto se passa de “uma regulamentação quase inexistente à introdução de numerosas faculdades que antes o Estado não tinha. O que se está fazendo é estatizar o mar, mais do que privatizá-lo”, ressaltou o funcionário.
Mas o senador Carlos Ominami, que renunciou há poucas semanas ao cogovernante Partido Scoialista, votou contra a idéia de legislar precisamente pelas consequências que pode ter o fato de constituir hipoteca sobre um bem de uso público com são as águas costeias. Por exemplo, a especulação financeira. No Senado também se debate a possibilidade de estabelecer limites às concessões, de 20 ou 30 anos, pois hoje são indefinidas, outro aspecto questionado pelos ativistas.
“Pedimos que se retire o projeto e que haja um processo de discussão real entre todos os atores envolvidos, não apenas a associação de bancos, indústria e governo. Aqui tem de entrar as comunidades costeiras, os pescadores artesanais, os operadores de turismo e os cidadãos”, disse Cárdenas. “Queremos que se discuta sobre quais opções de desenvolvimento queremos para Chiloé, Aysén e Magallanes que não seja continuar insistindo em uma indústria altamente contaminante e com maior concentração econômica do que antes, basicamente em poder de empresas e bancos estrangeiros”, argumentou.
Segundo os registros da Ecocéanos, nos últimos 60 meses morreram 64 trabalhadores dessa indústria e cerca de 17 mil perderam seus empregos desde que começou a crise. “Pedimos a aprovação do projeto sem os artigos 81 e 81ª e a resposta foi não, esse é o artigo central”, disse Cárdenas, convencido de que “as regulamentações ambientais e sanitárias foram colocadas como uma espécie de recheio para permitir a privatização da faixa costeira e dos canais interiores”.
(Por Daniela Estrada, IPS / Envolverde, 24/07/2009)