Antes tarde do que nunca. A Folha de S. Paulo trouxe neste sábado (25/07) uma matéria mostrando que a gripe comum foi responsável por 6.324 mortes no ano passado, ou seja, 17 por dia. O jornal tabulou dados públicos do município de São Paulo, que inclui também as complicações da gripe – como pneumonias, bronquites e outras doenças do trato respiratório. No mesmo período, os óbitos por gripe comum – aquela que pegamos todos os anos – em todo o país foram de 70.142.
Quando os casos de mortes causados pelo vírus influenza A (H1N1) começaram as ser noticiadas no México, escrevi que um dos maiores riscos de uma possível pandemia era mais o pânico coletivo do que os problemas causados pela doença. Não quero, é claro, menosprezar a dor de quem perdeu um parente ou amigo por conta da gripe suína, ou dizer que os infectados não sofreram. Apenas reafirmar que o alarde da população ainda é desproporcional ao problema.
Vale lembrar que a malária mata entre 2 a 4 milhões de pessoas por ano no mundo, todos os anos. Contudo, como os seus defuntos moram em cafundós pobres, onde chegam sinais de TV e de internet, mas que não contam com saneamento básico e atendimento de saúde, ela não ganha o status de prioridade como esta epidemia por trazer riscos menores aos mais ricos.
Em 2009, o Estado do Mato Grosso registrou 33 mortes por dengue até o dia 22 de julho. A Bahia apontava em 29 de junho para 55 óbitos pela mesma causa. No Espírito Santo, eram 42 mortos até 17 de julho. Os dados são do poder público dos próprios estados. Para efeito de comparação, o Brasil registra pouco mais de 30 mortes pela gripe suína até agora. Outra doença mais “popular”, a tuberculose afeta 90 mil pessoas todos os anos no Brasil. De acordo com a Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia, apenas São Paulo tem 18 mil casos por ano.
É fato que o contágio por gripe suína é mais “democrática”, por assim dizer. Mas o acesso a tratamento decente, sem filas e esperas não. Muitos vão dizer: “ah, mas a minha tia foi passar uma semana em Buenos Aires e pegou” ou “eu fui para os Estados Unidos estudar e voltei com gripe”. O que torna a história mais interessante ainda. De certa forma, os mais abonados da sociedade tornaram-se vetor de propagação da doença, mas não serão eles a passar pelas filas dos hospitais públicos. Então isso é responsabilidade dos mais ricos que viajam e dos caminhoneiros que fazem a rota para além do rio Uruguai? Não, de maneira alguma, a doença iria se espalhar por aqui de um jeito ou de outro. Apenas uma constatação de como as coisas funcionam.
Como já disse aqui antes, a virtude de ter uma mídia global, em que as notícias se espalham mais rapidamente que um vírus, é que isso pode ser usado para alertar a população e cobrar (e acompanhar) do poder público medidas preventivas e paliativas. Mesmo desconsiderando os avanços da medicina, é de se supor que com informação chegando à população, teriam ocorrido menos mortes durante a gripe espanhola no século passado, que matou dezenas de milhões.
Mas, ao mesmo tempo, sabemos o que acontece quando um tema com potencial explosivo cai nas graças da mídia. Não é raro ver a imprensa deixar o fato de lado e ir na direção da conjectura e mesmo do sensacionalismo, ganhando com o pânico ou a comoção, em busca de audiência. O mesmo ocorre entre internautas, que muitas vezes circulam fofocas e achismos, lendas urbanas, que morreriam diante da primeira checadela telefônica, mas que correm soltas em blogs e twitter.
Nesta semana, vi na TV uma mulher dando uma entrevista em uma porta de hospital. Reclamava estar com gripe suína e, por isso, foi a um dos centros de referência informados pelo governo. O exame deu negativo, mas mesmo assim ela disse que iria a outro para que a doença fosse constatada. Afinal de contas, ela tinha visto na TV que febre alta, dor no peito, dor de cabeça eram sintomas da suína e que ela poderia morrer se não fosse medicada para isso. Diagnósticos erram? Claro, médicos são humanos, máquinas falham, enfim. Mas a paranóia coletiva também deve ser levada em conta, porque machuca tanto quanto.
Como o cidadão pode, diante disso, filtrar o que é fato e o que não é se suas fontes de informação podem estar “contaminadas”, por assim dizer? Além disso, é ingenuidade achar que esse mesmo processo midiático também não influencia a tomada de decisões por parte de governos, que estão aumentando estoques de remédios anti-virais (como tem gente lucrando com isso, diga-se de passagem) para enfrentar a crise. Qual a quantidade realmente necessária e quanto vai ser excesso para lucro de indústrias farmacêuticas? O quanto esse processo não afeta as prioridades públicas como dengue, malária, tuberculose?
A prevenção e o combate à gripe suína devem continuar ser prioridade pública e o Ministério da Saúde, ao meu ver, vem desenvolvendo um bom trabalho até agora (noves fora a desgraça que é a falta de atendimento de qualidade na maior parte dos hospitais públicos do país, mas aí já é outra história). Mas a mídia tem que fazer sua parte. Muitos veículos trazem especialistas para dizer que a taxa de óbito desse vírus é igual ao da gripe comum, para acalmar a população. Mas, na sequência preenchem o noticiário com imagens e depoimentos sem ter o devido cuidado, quase caindo para o mundo cão.
(Por Leonardo Sakamoto, Blog do Sakamoto, 25/07/2009)