Os biocombustíveis e, principalmente, os produzidos pela cana-de-açúcar no Brasil, emitem uma quantidade consideravelmente menor de gases de efeito estufa na atmosfera do que os combustíveis fósseis e por isso estão sendo aclamados como uma boa solução para o combate às mudanças climáticas.
Nos últimos anos, o consumo do etanol cresceu, impulsionado principalmente pela tecnologia flex fuel, que permite que carros possam se abastecer tanto de álcool como de gasolina, mas também promovido pela propagando de seus ganhos para o meio ambiente. Entretanto, pelo menos duas questões surgiram com a rápida expansão da cultura de cana-de-açúcar: será que a monocultura não coloca em risco a segurança alimentar? A pecuária praticada nas regiões de expansão não estaria sendo expulsa para regiões de fronteira agrícola, como a Amazônia?
Os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, se não podemos dizer que a cana-de-açúcar está expulsando o gado do Sudeste para a Amazônia, ao menos existe uma relação entre essas duas atividades econômicas. Enquanto a área plantada de cana cresceu de forma muito significativa em áreas de expansão da cultura, como o noroeste de São Paulo e o Triângulo Mineiro, o efetivo bovino nessas regiões diminuiu.
Se compararmos a evolução da cana nos anos de 2003 a 2006, veremos que a quantidade de cana-de-açúcar produzida aumentou 48% em São José do Rio Preto e 37% em Araçatuba, dados do último Censo Agropecuário. No Triângulo Mineiro, Uberlândia teve 13% de aumento e Uberaba, 99%. No mesmo período, essas duas regiões sofreram redução de seus rebanhos: São José do Rio Preto perdeu 13%, Araçatuba, 14%, Uberaba, 18% e Uberlândia, 6%. O IBGE também aponta que, na média nacional, o rebanho bovino cresceu. Esses números indicam que o gado que era criado nessas regiões pode estar migrando para outras localidades do país.
"Se o rebanho caiu no Sudeste e aumentou no âmbito nacional, alguma região passou a ter mais gado. Quando cruzamos os números da expansão da cana e da criação de gado, temos um indício de que a Amazônia pode estar recebendo parte significativa desse rebanho. A Amazônia estaria 'importando' gado", explica Mario Menezes, diretor-adjunto da organização Amigos da Terra - Amazônia Brasileira.
O rebanho bovino na região Sudeste está diminuindo cerca de 400 mil cabeças por ano, além dos abates normais, em um processo chamado de "vazamento". Só em São Paulo são cerca de 250 mil cabeças de gado deixando o Estado, por ano. Por outro lado, na Amazônia, o rebanho tem um crescimento de 400 mil cabeças de gado além do crescimento vegetativo, isto é, além dos animais que nascem na região. Ou seja, parece existir uma ligação entre o gado que sai do Sudeste e o crescimento do rebanho bovino na Amazônia.
Recentes estudos, como "A Hora da Conta", da Amigos da Terra, e "A farra do boi na Amazônia", do Greenpeace, mostram que a pecuária é hoje a grande responsável pelo desmatamento da floresta amazônica. Segundo os relatórios, é para abrir novas pastagens que a floresta é derrubada.
Defesa da expansão da cana
Menezes lembra que não é apenas a cana-de-açúcar que estaria provocando o vazamento do rebanho do Sudeste. "No sul do estado a soja também desloca o gado, porque ocupa áreas de pastagem". Essa visão, no entanto, não é uma unanimidade. A União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), associação que representa o setor sucroalcooleiro, não concorda com o argumento de que a expansão da cana esteja expulsando o gado para a Amazônia. "Não há fundamento na ideia de que a cana possa, de algum modo, ameaçar um patrimônio fundamental para os brasileiros e toda a humanidade como a Amazônia", explica, em nota.
Segundo a Unica, "a expansão da cana se dá principalmente em pastos degradados, nem sempre em substituição a outras culturas e sem necessariamente gerar demanda por mais terras para a pecuária de corte e leite". A associação explica que a pecuária já ocupa 220 milhões de hectares no Brasil, uma área trinta vezes maior do que a ocupada pela cana-de-açúcar, e mesmo com a expansão da cana ainda existe muita terra para se produzir gado sem entrar na floresta.
Alimentos
Outro problema gerado pela grande expansão dos biocombustíveis e da lavoura de cana-de-açúcar é o risco que o monocultivo pode trazer para a segurança alimentar. As mesmas regiões que estão vivendo grande expansão da cana estão tendo grandes quedas na produção de alimentos. A produção de feijão, por exemplo, caiu 68% em Uberlândia e 60% em São José do Rio Preto. O feijão consumido nas regiões de grande crescimento da cana está vindo de outras regiões. "Isso tem duas implicações. Uma é que é possível que o custo desses produtos esteja aumentando, e segundo, é que o transporte implica em emissões de gases de efeito estufa, que de alguma forma, ainda que indireta, ocorrem pela expansão da cana", explica Menezes. "Essa emissão deveria ser contabilizada na conta do etanol".
Para o ambientalista, a solução seria "flexibilizar" o monocultivo da cana. "Nos diálogos da Cana, que participamos com a Unica, nós estamos propondo que a cana abra espaço para alimento básico, como se fazia na época do café. Na época da expansão do café, os colonos plantavam milho, feijão e outras culturas no meio do café, e o município não ficava dependendo do abastecimento externo. Com a cana, o desafio de produzir alimentos é maior, por ser uma cultura densa. Mas ela pode abrir espaços específicos para esse fim", diz Menezes.
Já a solução para o problema da pecuária na Amazônia seria um pouco mais complicada e dependeria de políticas governamentais para condicionar a produção de gado na região. "O governo tem como adotar políticas - de crédito, de assistência técnica, etc. - para estimular e concentrar o desenvolvimento da pecuária nas áreas já desmatadas, verticalizando a atividade pelo aumento da produtividade por hectare e liberando grandes extensões de terras para mitigação do passivo ambiental gerado pela própria pecuária. Não é preciso avançar mais sobre a floresta para criar gado".
(Por Bruno Calixto, Amazonia.org.br, 23/07/2009)