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queimadas na amazônia política ambiental do mt licenciamento municipalizado
2009-07-24

Uma cena perturbadora me mostrou, certa vez, que algo de muito errado se passa no relacionamento entre governo federal, estados e municípios na gestão ambiental neste país. Em Brasnorte, cidadezinha que acabou de ver asfalto no arco do desmatamento mato-grossense, a cada cinco minutos batia à porta do escritório desativado do Ibama alguém angustiado por ajuda para apagar incêndios, nas áreas urbanas e rurais. As pessoas pediam também boletins de ocorrência, na esperança de que o documento as livrasse da possibilidade de receber multas por queimada ilegal. Era uma oportunidade preciosa. A cidade já sabia que durante aqueles dois dias do mês de outubro de 2008 havia uma brigada indígena com 17 integrantes recém treinada pelo Ibama na região, pronta para ajudar o município em casos como este, mesmo sem contarem com equipamentos de proteção individual.

Tudo que a prefeitura fazia era fornecer marmitas para os combatentes. O município, de 16 mil km2 e localizado a 600 quilômetros de Cuiabá, não tinha representação alguma da Secretaria Estadual de Meio Ambiente. O corpo de bombeiros mais próximo ficava a cerca de 300 quilômetros e, ao final de três dias intensos de trabalho, os analistas do Ibama destacados para dar assistência à brigada tiveram que retornar aos seus postos porque estavam desfalcando seus locais de lotação, notadamente carentes de pessoal na Amazônia.

Este ano, cenas semelhantes continuam ocorrendo em diversos outros pontos do país e intrigam os cidadãos que recorrem às mais altas esferas de governo porque local ou regionalmente não podem contar com estrutura adequada para lidar com problemas ambientais. “Os municípios não existem legalmente na área ambiental”, atesta o secretário de meio ambiente de Sinop (MT), Rogério Rodrigues.

Ele se refere à quantidade mínima de prefeituras que já elaboraram a legislação ambiental municipal. Cinco em Mato Grosso, segundo suas contas. “Pelo meu 0800 atendemos 15 chamadas de incêndio por dia, mas não podemos autuar porque não temos ainda código municipal de meio ambiente, que vai ficar pronto nos próximos meses com regras duras”, assegura o secretário, que não poupa críticas à máscara verde que o governador Blairo Maggi tem vestido. “Não são só os encontros internacionais que devem acontecer. É preciso fiscalizar, mas com a secretaria estadual de meio ambiente chegando uma vez a cada dois anos não dá”, desabafa.

Por outro lado, não raro os municípios se vêem pressionados a dar a assistência no lugar dos próprios órgãos federais. “Nós estamos fazendo a gestão ambiental dos assentamentos do Incra, que foram criados e largados no nosso município porque ele [Incra] não tem capacidade física nem moral para fazer isso”, critica Rodrigues, de Sinop.

A confusão de atribuições se agrava a cada ano, enquanto a regulamentação do artigo 23 da Constituição tramita no Congresso desde 2003. O projeto de lei, de autoria do deputado Sarney Filho (PV/MA), pretende detalhar as competências ambientais de União, estados e municípios. Mas enquanto ele não vira lei, é importante que se lembre que mudanças sensíveis quanto à gestão ambiental já ocorreram, especialmente na Amazônia, mas ao que parece ainda não estão claras para a população.

Cidadãos confusos

“As pessoas procuram aqui autorização para queimadas, desmatamento, licenciamento. Isso não é mais atribuição do Ibama e sim dos estados”, explica o analista ambiental Cícero Irisvam Furtado, do escritório do Ibama de Humaitá, no sul do Amazonas.

Lá, em função da imensa jurisdição geográfica do órgão federal, muitas outras demandas acabam parando nas mãos do Ibama. “Se cortam uma árvore na cidade, ainda vêm aqui no escritório pedindo para autuar ou tomar alguma providência”, diz o analista. Assim, a função supletiva caba se tornando efetiva. “Quando existe ausência do estado, o Ibama passa realmente a ter que agir, e isso acontece sempre”, constata.

Nos serviços de ouvidoria estaduais, essa falta de articulação entre os órgãos é sintomática e confunde a população. “Veja bem, o que eu posso fazer ao receber em Cuiabá uma denúncia de queimada dentro do perímetro urbano de Alta Floresta? Ligo para a prefeitura municipal e encaminho a demanda, mais nada”, relata o ouvidor-adjunto setorial da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema), José Luiz Calhado Figueiredo.

Hoje, aliás, a Sema tem recebido de oito a dez chamadas por dia, só para tratar de queimadas. “Muita gente liga para cá não para fazer denúncia, mas para perguntar se é aqui que se apaga fogo”, lembra. Por lei sancionada em junho deste ano, as chamadas precisam ter atendimento em no máximo 15 dias. “Você imagina atender em Vila Rica [a 1.300 quilômetros de Cuiabá]. Só para ir e voltar o malote com o processo demora oito dias”, diz o ouvidor. Segundo ele, embora os atendimentos possam ser feitos a partir das unidades regionais da Sema, em plena era da internet os processos administrativos devem ser encaminhados por malote a partir de Cuiabá porque precisam estar acompanhados de dados comprobatórios, registros fotográficos, termos de embargo etc.

A necessidade de descentralização estadual é patente. Mas para o Ministério Público estadual de Mato Grosso, não adianta cobrar de um lado só. “A Sema precisa crescer para o interior sim, e isso é uma questão política. Mas fazer os licenciamentos de baixo impacto compete às prefeituras, que precisam se estruturar. Enquanto o município não se equipar, não vai haver descentralização”, considera a procuradora de meio ambiente Ana Luiza Peterlini.

Para José Carlos Rassier, diretor executivo da Associação Brasileira de Municípios (ABM), o fato de a grande maioria das prefeituras sequer contar com secretarias de meio ambiente evidentemente compromete o funcionamento do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama). O preceito de que os órgãos das três esferas de governo deveriam trabalhar em conjunto para garantir qualidade ambiental aos cidadãos se torna, portanto, peça de ficção. “O Estado brasileiro é centralizador de recursos e aí se aprofundam desigualdades sociais e regionais, com penalização de todas as políticas, inclusive de meio ambiente; ora por escassez de recurso ou falha de qualificação dos quadros técnicos”, considera Rassier.

Como alternativa para essa situação, ele defende que os municípios devem ser tratados de forma desigual para conseguirem, através de programas específicos para pequenas, médias e grandes cidades, assegurar os direitos dos cidadãos. “Veja o problema dos resíduos sólidos. Sobram recursos no Ministério do Meio Ambiente porque os municípios não conseguem atender o número de exigências, como elaboração de projetos para o Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA)”, comenta. Para que essas diferenças sejam reduzidas, a ABM está começando a assessorar os municípios por meio de programas de capacitação e assistência técnica, fornecidos pela Escola de Gestão Pública, da ABM.

Na dúvida, uma das maneiras mais recorrentes que o cidadão utiliza para buscar soluções para suas demandas é o Linha Verde, principal instrumento de ouvidoria do Ibama. Segundo Ednei Vilas Boas Benevides, coordenadora do setor, as principais ocorrências são denúncias de desmatamento, tráfico de animais silvestres, queimadas e crimes ambientais em geral. E mesmo quando o atendimento não cabe ao governo federal, ela garante que a demanda é repassada para os estados ou municípios competentes imediatamente. Uma norma interna estabelece que as chamadas devem ser atendidas em até 30 dias. 

(Por Andreia Fanzeres, O Eco, 20/07/2009)


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