Proposta ao presidente Fernando Lugo prevê a liberação gradual, para o mercado livre brasileiro, da energia excedente paraguaia. Liberação começaria com a menor parte possível, um décimo do excedente; preço do que for vendido só para a Eletrobrás triplicaria
O governo brasileiro apresentou nesta quarta (22/07) ao presidente do Paraguai, Fernando Lugo, uma proposta chamada em Brasília de "step by step" (degrau por degrau) para Itaipu: a liberação gradual da energia excedente do Paraguai para o mercado livre brasileiro, começando com a menor parte possível, e a triplicação do preço do que continuar sendo vendido exclusivamente para a Eletrobrás.
Os dois países dividem meio a meio a energia de Itaipu, mas o Paraguai só consome 5% da sua parte e cede o restante ao Brasil por US$ 2,86 o megawatt, o que soma cerca de US$ 120 milhões por ano. O valor pode subir para US$ 8,58, caso o acordo chegue a bom termo, mas só somaria US$ 360 milhões ao ano se parte da cessão não fosse aberta ao mercado privado. Na oferta brasileira, US$ 50 milhões da diferença a mais, em vez de pagos diretamente, poderiam, por exemplo, fazer parte de um fundo para a construção de dois projetos considerados fundamentais pelo governo Lugo: a linha de transmissão Itaipu-Assunção e uma subestação que está prevista desde o contrato de criação da binacional e nunca foi construída.
A estimativa é que a linha de transmissão fique em US$ 400 milhões, parte financiada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e parte pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), com o qual o Paraguai tenta obter condições mais camaradas.
Mercado livre
Na expectativa de Brasília, a maior dificuldade nas negociações com o Paraguai será justamente para estabelecer a cota inicial de energia a ser vendida ao mercado privado. Pela oferta preliminar, seria bem pequena -um décimo do excedente. Para isso, o Brasil sugere que a venda comece com a irrisória produção de duas miniusinas paraguaias, a de Acaray e a de Iguazu, mais a pequena cota inicial da própria Itaipu, até chegar a 100% do excedente em 2023, época da renegociação do Tratado.
Na negociação, o Brasil vai apresentar estudos da Eletrobrás mostrando que a venda direta ao mercado privado pode não ser um bom negócio para o próprio Paraguai, porque, com a crise econômica, a demanda de energia diminuiu e os preços de mercado caíram. Segundo o estudo, a diferença entre o preço regulado (da Eletrobrás) e o de mercado livre (de grandes empresas, como a Vale do Rio Doce) pode chegar a 70%. "Será que eles querem?", perguntou, com ironia, um técnico brasileiro.
A intenção do governo é não repassar a diferença para as tarifas, ou seja, para o consumidor brasileiro, deixando o ônus para o Tesouro Nacional. Há precedentes, contudo, de que esse tipo de intenção não se confirmou na prática.
Ceder até certo ponto
Os representantes do Brasil na reunião de ontem com Lugo, em Assunção, foram o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, e o embaixador Ênio Cordeiro, subsecretário-geral do Itamaraty para a América do Sul. Foi uma preparação do encontro do presidente paraguaio com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no próximo sábado. A orientação de Lula é que o Brasil negocie buscando o seguinte equilíbrio: ceda no que for possível para garantir o desenvolvimento econômico e a estabilidade política do governo Lugo, mas sem causar prejuízos que possam gerar críticas em ano pré-eleitoral.
Uma das reivindicações do Paraguai, por exemplo, foi descartada consensualmente pelo governo brasileiro: a de mudança do Tratado de Itaipu para permitir que parte do excedente da energia fosse vendida a terceiros, especialmente Argentina e Chile. O Brasil não aceita. De qualquer forma, a perspectiva é que todo o pacote acabe parando no Congresso Nacional, abrindo uma nova frente de embate político entre governo e oposição -que tem reclamado do "excesso de generosidade" do governo Lula com países pobres como Bolívia, Equador e agora Paraguai.
(Por Eliane Cantanhêde, Folha de S. Paulo, 23/07/2009)