Pesquisadores do Rio de Janeiro desenvolvem uma técnica para combater a poluição dos rios brasileiros por hormônios e substâncias presentes em remédios e cosméticos que passam despercebidas, mas podem causar graves problemas de saúde. Elas são encontradas em material eliminado principalmente pelas mulheres após a ingestão de remédios (como antibióticos e anticoncepcionais) e também existentes em produtos de beleza e limpeza.
Ao passar inalterado pelos sistemas de tratamento, esse material pode causar alterações no organismo de homens e peixes, afetando os hormônios naturais. Alguns estudos internacionais já associaram esses compostos à feminização de peixes machos.
— Um antibiótico, por exemplo, é descartado pelo corpo quase como ele entrou — explica Márcia Dezotti, coordenadora do laboratório de Controle da Poluição das Águas da Coppe — Até pouco tempo, ninguém se importava com isso, mas agora sabemos que há muitos problemas associados a esses poluentes invisíveis.
Um risco para o sistema reprodutor
O método que promete eliminar totalmente essas substâncias, baseado numa solução de ozônio e cloro, começou a ser estudado pelos cientistas da Coppe/UFRJ depois que amostras colhidas no Rio Guandu indicaram a presença desses hormônios na água.
Embora não seja alarmante, não se sabe exatamente que tipo de risco essa contaminação pode provocar. No estudo, conduzido pela pesquisadora Amanda Cristina Vieira Dias, do Programa de Engenharia Química da Coppe, sob a coordenação de Márcia Dezotti, foram coletadas, entre 2007 e 2008, quinze duplas de amostras de água no Guandu: uma série não tratada e outra tratada.
Das amostras não tratadas, em oito foi detectada a presença de mais de um nanograma por litro do hormônio estradiol, além de outros micropoluentes. Nas amostras tratadas, só uma registrou índice semelhante.
— O estradiol é um hormônio produzido por mulheres, na maioria, e homens também, e é eliminado através da urina. É capaz de alterar o funcionamento do sistema reprodutor de peixes machos e ainda aumentar a possibilidade de câncer de próstata, entre outros efeitos no homem — explica Márcia. — A presença desse hormônio na água, mesmo em baixas concentrações, é um risco porque nosso corpo trabalha com pequenas quantidades de hormônios e qualquer valor a mais pode causar um desequilíbrio.
A presença dele em amostras de água tratada revela que os métodos tradicionais nem sempre impedem que essas pequenas quantidades cheguem à população.
Nos esgotos domésticos, esse hormônio ganha a companhia de outras substâncias químicas presentes em produtos de limpeza e desinfetantes, além de antibióticos, analgésicos e anti-inflamatórios, cujos componentes também são liberados pela urina depois de consumidos.
— Essas substâncias têm atividade biológica mesmo em baixa concentração — diz Márcia. — Muitas imitam, assim por dizer, o papel dos hormônios e também podem causar desequilíbrios no organismo humano.
Um método que não deixa resíduos
Segundo a pesquisadora, no exterior o descarte dessas substâncias nos rios é motivo de preocupação de governos. Um estudo feito pelo Chemichals, Health and Environment Trust (Chem Trust), ano passado, no Reino Unido, mostrou que mais de 75% das estações de tratamento de água britânicas deixam passar essas substâncias químicas.
— Quando você trata o esgoto, tem chances de reduzir isso, mas aqui muitas vezes sequer temos tratamento da água — conta Amanda. — No caso do Guandu, suas águas passam por várias cidades, por áreas densamente povoadas e industrializadas, muitas vezes sem o tratamento adequado. E isso vai parar na casa das pessoas.
As pesquisadoras criticam a forma, segundo elas antiquada, como a água é tratada não apenas no estado, mas em todo o país.
— Em geral, tratamos a água como nos anos 50, com muito cloro. O problema do excesso de cloro é que ele forma organoclorados, produtos tóxicos, que acabam sendo ingeridos pelo organismo — afirma Márcia. — A tendência mundial é de um maior equilíbrio no uso do cloro. O uso combinado com ozônio gera uma tecnologia limpa, que oxida e não deixa resíduos na água. Essa mistura pode e deve ser aplicada em larga escala porque a tendência é que esse tipo de poluição aumente cada vez mais.
(Por Carlos Albuquerque, O Globo / Jornal da Ciência, 22/07/2009)