Para defender a manutenção do Decreto nº 4887, que estabelece procedimentos para a titulação de terras às comunidades remanescentes de quilombos, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) entrou na última sexta-feira (17/07) com pedido de amicus curiae no Supremo Tribunal Federal (STF). Amicus curiae é uma expressão em latim que significa amigo da Corte, ou seja, não é amigo das partes que disputam uma questão na Justiça. A função do amicus curiae é chamar a atenção da Corte para fatos ou circunstâncias que poderiam não ser notados.
O Decreto nº 4887 regulamenta o Artigo 68 da Constituição e é contestado em ação direta de inconstitucionalidade (Adin) protocolada pelo Democratas há cinco anos. O partido quer que a regulamentação do artigo passe pelo Congresso Nacional. O processo tem como relator o ministro Cezar Peluso e pode ser julgado este ano.
Com o amicus curiae, a assessora da Procuradoria do Incra, Renata Cedraz, acredita que os ministros poderão conhecer os procedimentos de reconhecimento e titulação aplicados pelo órgão, assim como as implicações sociais da derrubada do documento. O Incra alerta que, com a queda do decreto, as titulações baseadas nele podem ser questionadas e o processo de regularização poderá ficar sem regras.
Segundo o movimento quilombola, existem cerca de 5 mil comunidades no país, mas até hoje cerca de 80 conseguiram o título de propriedade – que é coletivo, expedido em nome da comunidade – com base no decreto. O documento de propriedade assegura soberania dos quilombolas sobre seu território, garantindo-lhes condições de existência. A assessora do Incra explica também que, no encontro com os ministros do STF, o órgão pretende alertar que o Decreto 4887 é o principal instrumento de defesa do governo brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, onde tramita ação por violação de direitos dos quilombolas. “A defesa do Estado se sustenta no decreto. Sem ele, a situação internacional do Brasil pode ficar comprometida”, completou Renata Cedraz.
Pressionada por movimentos sociais e ativistas de direitos humanos, no início do mês, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou um pedido de audiência pública na Corte Suprema, com objetivo de aprofundar a discussão sobre a questão e apresentar aos ministros o ponto de vista das comunidades. Com a petição da AGU, são 15 os pedidos de audiência pública desde 2004, sem que nenhuma tenha sido realizada até hoje.
“O decreto é o coração da política pública do governo federal para quilombolas”, defende o consultor-geral da AGU, Ronaldo Jorge Araújo. “Elenca princípios básicos como o da auto-identificação, assegura que a terra ocupada não é o espaço meramente destinado à habitação, preserva o espaço para o desenvolvimento econômico, cultural e social das comunidades, além de caracterizar a propriedade como coletiva e não alienável”.
(Por Isabela Vieira, Agência Brasil / EcoDebate, 22/07/2009)