Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura do governo Lula, e ex-presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), atualmente é presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp, coordenador do Centro do Agronegócio da FGV e continua professor do Departamento de Economia Rural da Unesp-Jaboticabal. Além disso, é agrônomo, há mais de 40 anos, e produtor rural. Portanto, uma figura com autoridade suficiente para se pronunciar a respeito de qualquer tema, em particular sobre os ligados à área rural. E é com o argumento da autoridade que ele se manifesta, em artigo (”Floresta plantada”) publicado na Folha de S. Paulo, do dia 20 de junho, na seção Dinheiro.
Roberto Rodrigues trata da revisão do Código Florestal nesse artigo, e, após comentar especificamente sobre ele, entra no que interessa: “O setor de florestas plantadas reivindica há tempos que seja reconhecido como atividade produtiva, e não ambiental: em vez de plantar café, milho ou tomate, o agricultor planta árvores como exploração econômica. Sendo assim, deveria estar na estrutura do Ministério da Agricultura, argumentam os florestadores.”
Não existem florestas plantadas. Existem plantios em larga escala de uma ou duas espécies de plantas, como há em culturas de soja e milho, ou de café e feijão, ou… Muito distante do que é uma floresta, com sua diversidade de plantas, não apenas árvores, e de animais. Floresta pressupõe antes de mais nada diversidade, vegetal e animal. Muita diversidade, por mais “pobre” que seja a floresta.
Essa não é uma diferença apenas conceitual. Quem utiliza o termo “floresta plantada” o faz de propósito, como enganação mesmo. Uma enganação ideológica, utilizada como base de argumentação para a propaganda do modelo de agricultura capitalista, no qual a floresta que foi dizimada, é agora “replantada”. A área devastada pode se tornar de novo produtiva, graças ao plantio de uma floresta empresarial.
Roberto Rodrigues, em seu lobby pelo setor, afirma ainda no artigo que “É um tema para refletir. O setor apresenta hoje números impressionantes. Há no Brasil 6,5 milhões de hectares de florestas plantadas, dos quais 3,6 milhões são certificados. É um dado expressivo. Daquele total, 4,26 milhões de hectares são plantados com eucalipto e 1,87 milhão com pinus. Os demais estão com plantações de seringueiras, araucárias, acácias, tecas e outras espécies.”
Vejam a desfaçatez: do total de “florestas plantadas”, quase 66% são com uma única espécie (eucalipto)! É uma monocultura florestal! Essa lógica pode valer para a Natureza, quando há predominância de uma espécie em uma determinada região (araucária, no Sul do Brasil, por exemplo), é um fenômeno natural encontrado em muitos países. Mas daí a dizer que a atividade desse setor de “florestas plantadas” é de “reflorestamento” é um absurdo, até porque o eucalipto não é natural do Brasil, ele é o que se denomina tecnicamente uma “planta exótica” – se não havia antes florestas de eucalipto, como então “reflorestam” com eucalipto?
Mas a questão central não é o eucalipto, é a idéia que se passa para a maioria da população de que há “(re)plantio de florestas”. Essa idéia induz a uma outra (caso típico de propaganda subliminar) de que as florestas são passíveis de reposição, se acabarem as atuais, pode-se plantar novas. Afinal, existe até um “setor de florestas plantadas”…
O eucalipto é uma planta importante, do ponto de vista econômico, sempre será necessária. Precisamos produzir muito eucalipto, até mesmo para tornar antieconômico devastar florestas para obter madeira. Da mesma forma o pinus, a acácia negra, araucária etc. Essas espécies precisam ser cultivadas, como também o café, a seringueira, e todas as árvores frutíferas, as palmeiras produtoras de óleo hoje utilizado como biocombustível (dendê, carnaúba, babaçu) etc.
Voltando a Roberto Rodrigues e seu artigo, após argumentar sobre a importância econômica, social e ambiental do “setor de florestas plantadas”, ele assegura: “É um setor relevante e organizado, e pode crescer muito mais. No mundo todo, os ministérios ligados à atividade rural se chamam Ministério de Agricultura, Floresta e Pesca. Aqui temos dois ministérios de Agricultura, mais um para a Pesca, e a floresta plantada está no Meio Ambiente.”
Bom, primeiro não é totalmente verdade que no mundo todo os ministérios ligados à atividade rural são um só para as três atividades. Não é verdade na Argentina, nos EUA, Brasil, China… Segundo, não é verdade também que no Brasil haja dois ministérios de Agricultura. E por último, ele revela a contradição de seu argumento, quando informa, em tom de queixa, que a “floresta plantada” está no Meio Ambiente – e sendo floresta, não era pra estar?
Finaliza o artigo dizendo a que veio: “Talvez seja tempo de avaliar a proposta recorrente de criar, no âmbito do Ministério da Agricultura, uma Secretaria de Floresta e Pesca. É uma ideia para ser discutida com os candidatos a presidente, nas eleições de 2010.” Ou seja, retirar do Meio Ambiente o controle sobre essa atividade de “florestas plantadas”, levando-a para um ministério mais ligado à atividade econômica, talvez “mais sensível ao setor produtivo” e menos às questões da preservação ambiental.
Nosso ex-ministro do governo Lula, profundo conhecedor do Agronegócio, só não citou, em seu artigo, uma questão fundamental: a maior parte dos 6,5 milhões de ha plantados com eucalipto, pinus etc, foram plantados com dinheiro público, generosamente doado às grandes empresas que, na década de 70, tomaram para essa atividade extensas áreas em Minas Gerais e outros estados. Através de uma legislação criada na época que Alysson Paulinelli era ministro da Agricultura do governo Geisel (1974/78), o equivalente hoje a bilhões de reais foi transferido como subsídios a essas empresas, para que “investissem” na atividade. Os dados estão aí, para quem quiser saber. Foi uma verdadeira festa com dinheiro público, a exemplo do que ocorreu também com outros segmentos do Agronegócio. Mas disso o doutor Roberto Rodrigues não acha importante falar.
(Por Milton Pomar*, Ecocidadania Ativa / EcoDebate, 15/07/2009)
* É técnico agropecuário desde 1979, jornalista agrícola desde 1982 e geógrafo