O processo de trabalho na GM de Gravataí, RS, é o que a diferencia da GM que faliu em Detroit, EUA. Segundo Paulo Fernando Ely, superintendente do Instituto Gaúcho de Estudos Automotivos - IGEA, “podemos falar, sem sombra de dúvida, que a fábrica da GM em Gravataí é a mais rentável do mundo”, disse ele, nesta entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. “A GM de Gravataí, por exemplo, antes da crise, produzia, em média, 800 veículos por dia. Hoje ela produz 10% a mais, com o mesmo número de pessoas, porque ela qualificou melhor seus funcionários”, afirmou.
Confira a entrevista.
IHUnisinos – Quais as principais diferenças entre a GM do Brasil e a GM que entrou em processo de falência, nos EUA?
Paulo Fernando Ely – A principal diferença é o sistema que foi implantado na fábrica. Nós temos que falar do just in time, ou seja, a produção colocada aqui em Gravataí não tem estoques, é diferente da estadunidense, que os tem. Aqui, os fornecedores estão ao lado da fábrica e isso é conhecido como produção enxuta. Esse é um nome genérico, não é a GM que dá, mas que permite uma rentabilidade de 20% a 30% a mais no produto. As fábricas que estão sendo fechadas nos Estados Unidos são antigas, têm o sistema de produção em linhas. Então, além disso, têm um custo imenso e os defeitos vão se acumulando durante a linha. Aqui em Gravataí os defeitos são suprimidos antes de o carro chegar ao final da linha, porque cada fornecedor de um subproduto testa-o exaustivamente antes de entregar para a GM, que o receberá já com uma garantia de qualidade. Isso também gera maior rentabilidade e, tanto é verdade, que o chefe que implantou essa fábrica há nove anos foi escolhido pelo presidente dos EUA, Barack Obama, para ser o novo presidente da GM. Isso demonstra claramente a intenção da GM em adotar este processo mundialmente. Podemos falar, sem sombra de dúvida, que a fábrica da GM em Gravataí é a mais rentável do mundo. Essa é a diferença básica, mas há outras, como ter um projeto adequado à realidade atual, isto é, um carro econômico que atende as reais necessidades do mercado.
E o que essa nova GM representa para o setor automotivo do RS?
Ely – Ela representa um avanço, uma realização. O processo de produção da GM foi uma proposta tecnicamente vencedora. Outras montadoras também utilizam essa proposta, ainda que com variações. Por exemplo, a Toyota. Ela também conseguiu superar a crise graças a essa tecnologia que, na verdade, é uma filosofia de trabalho, que tem uma série de ferramentas. Ou seja, o pessoal é treinado, existe uma capacitação técnica dos processos e das pessoas, assim como dos equipamentos, para que os produtos sejam montados.
Qual é o papel da indústria automobilística brasileira para o setor automotivo do mundo, hoje?
Ely – O Brasil fez a lição de casa e hoje é exemplo. O grupo BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – é formado pelos grandes players da fabricação automobilística e automotiva no mundo. O setor automobilístico engloba máquinas agrícolas e outros equipamentos, como caminhões, e tem como líder o Brasil, pois demonstrou capacidade tecnológica para produzir carros.
Como a atual crise financeira afeta o futuro do automóvel?
Ely – O transporte individual ainda não foi superado. No entanto, o transporte de massa é necessário, principalmente nas grandes cidades, que precisam de um metrô e outros tipos de locomoção. Só que o transporte individual continuará sendo importante no Brasil e no mundo. Mas temos que produzir cada vez mais veículos que sejam economicamente viáveis e sustentáveis. Falamos hoje em projetos de veículos verdes, mas o automóvel, do jeito que está aí, continuará sendo importante por um longo tempo.
A GM do RS é bastante avançada no que diz respeito à tecnologia, com presença dos robôs...
Ely – O robô é usado em muitas fábricas do mundo, mas a coisa mais importante dessa fábrica da GM é a filosofia do trabalho do just in time, pois foi isso que mudou a mentalidade da fábrica. Essa tecnologia toda não teria o mesmo desempenho não fosse o processo do just in time.
Como o senhor vê as doenças que os trabalhadores adquirem ao operar com essas tecnologias?
Ely – Existem possíveis problemas como em qualquer atividade física. O que conheço, e vi, é que existem medidas preventivas e paliativas. Os trabalhadores são acompanhados pelo sistema de assistência física e aspectos curativos. Técnicos da área de fisioterapia atuam no local de trabalho, tanto na prevenção, quanto na cura de problemas causados. Mas isso é algo normal, não é mais nem menos do que em outras atividades.
O setor automotivo e automobilístico foi bastante atingido pela crise. Como ele está aqui no Brasil hoje, em comparação com o panorama mundial?
Ely – O Brasil, diferente do mundo, tomou uma posição diferente do resto do mundo. As empresas do segmento reduziram seu efetivo e diminuíram alguns custos. Mas houve uma qualificação de mão-de-obra. A GM de Gravataí, por exemplo, antes da crise, produzia, em média, 800 veículos por dia e hoje ela produz 10% a mais com o mesmo número de pessoas, porque ela qualificou melhor seus funcionários. A crise obrigou-a a procurar novas soluções e obter nova rentabilidade.
A GM está fechando fábricas em todo o mundo, porém irá ampliar a planta industrial e a produção na unidade de Gravataí. A que o senhor atribui esse movimento na contramão do que acontece com a montadora no mundo?
Ely – Ao tipo de produção, ao tipo de fábrica e ao tipo de desenvolvimento produtivo que a GM Gravataí tem hoje. Esse é o caminho correto. No entanto, as fábricas da GM no mundo são antigas e com sistema de produção que tem um custo muito elevado e isso não dá rentabilidade.
Na avaliação do senhor qual é, ainda, o espaço de crescimento possível para a indústria automotiva no país?
Ely – Acredito que o país ainda tenha alguns nichos de mercado, mas vejo o Rio Grande do Sul com uma grande capacidade de fornecer autopeças. E isso ainda pode aumentar.
Qual é o perfil do operário que as montadoras desejam?
Ely – O operário capacitado com formação, que tenha conhecimentos em informática e saiba ler alguma coisa em inglês. O perfil do operário é bem mais qualificado do que há dez anos. Antigamente, era suficiente ter apenas o ensino fundamental. Hoje, exige-se, no mínimo, o ensino médio e a escola técnica.
Acerca das relações entre o capital e o trabalho, qual é a avaliação do senhor sobre os sindicatos dos trabalhadores que atuam na base da indústria automotiva no Estado?
Ely – Percebo que a relação dos sindicatos com a indústria automotiva do RS é mais inteligente e mais produtiva do que a existente em São Paulo, por exemplo. Lá há uma grande disputa e sem bom senso. Aqui tem prevalecido um bom senso de troca de informações e negociações. A relação no RS é muito mais sadia do que lá.
(IHUnisinos, 17/07/2009)