Obra da usina, que ficou parada 23 anos, deve atrasar se tribunal exigir nova licitação. Plenário do TCU pode votar hoje proposta de acordo de valores da renovação de contrato de 1983 entre estatal e Andrade Gutierrez
Por divergências de preços entre a Construtora Andrade Gutierrez e o TCU (Tribunal de Contas da União), a retomada das obras da usina nuclear de Angra 3 poderá exigir uma nova licitação. Acórdão do tribunal identificou irregularidades graves no contrato, como o sobrepreço de R$ 227 milhões. A construção da terceira usina nuclear brasileira está suspensa há cerca de 23 anos e, para recomeçar, depende agora de um pronunciamento final do tribunal sobre as condições do contrato, previsto para esta quarta (22/07).
O relator do processo, ministro José Jorge, disse à Folha que a possibilidade de uma nova licitação "existe", embora não a considere "provável". Uma nova licitação para as obras civis é prevista em acórdão do TCU de setembro do ano passado, para o caso de as condições de renovação do contrato entre a estatal Eletronuclear e a Andrade Gutierrez não serem consideradas "satisfatórias" para a administração pública. Esse acórdão identificou o sobrepreço de R$ 227 milhões, sem considerar os bônus e custos indiretos da obra.
Segundo o último balanço do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), divulgado pela Casa Civil no mês passado, a retomada das obras estava prevista para o final de junho. O atraso será ainda maior caso o reinício das obras tenha de passar por nova licitação. Ao decidir concluir a construção de Angra 3, depois de um longo debate sobre a conveniência de levar adiante o programa nuclear brasileiro, o governo optou por não promover uma nova licitação e manter -com revisão de preços- o contrato assinado em 1983 com a empreiteira Andrade Gutierrez. A decisão foi avalizada pelo TCU, mas está condicionada a um aval do tribunal às condições do contrato.
A votação final do TCU entrou na pauta do tribunal em 17 de junho. O então relator do caso, ministro Marcos Vilaça, propôs nova redução de R$ 78 milhões no valor do contrato para as obras civis, já depois de revisão de preços feita entre a empreiteira e a Eletronuclear. O voto de Vilaça representa um corte de 5,7% no valor total do contrato, de R$ 1,368 bilhão, segundo o tribunal. O custo da obra será bancado com dinheiro do Orçamento da União. A votação foi interrompida a pedido do ministro José Jorge, encarregado de levar ao plenário do tribunal hoje uma nova proposta de acordo. Ontem, ele disse que ainda não havia concluído seu relatório e poderia adiar a votação em mais uma semana. "A discussão é em cima dos preços", afirmou.
Parte do debate trata dos custos indiretos da obra, chamados de BDI (Bônus e Despesas Indiretas). A Eletronuclear e a Andrade Gutierrez já concordaram em reduzir de 37% para 30,37% o percentual de BDI sobre o custo direto da obra, mas os auditores do TCU insistem em um percentual ainda menor: 16,9%. Quando concluída, Angra 3 vai gerar menos da metade da energia prevista para cada uma das hidrelétricas do rio Madeira (RO). O custo para sua conclusão está estimado em mais de R$ 7 bilhões, além do dinheiro já gasto na compra dos equipamentos e na manutenção do canteiro de obras.
A usina passou por um polêmico processo de licenciamento ambiental, e o início das operações -previsto para 2014- está condicionado à definição de depósitos de longo prazo para o combustível usado, à base de urânio. Esse depósito segue sem local definido.
Estatal diz que está negociando valor de contrato
A Eletronuclear informou que seguirá a determinação do TCU, seja ela para rever preços ou promover uma nova licitação das obras da usina de Angra 3. Por meio da assessoria de imprensa, a estatal informou que negocia há meses o valor do contrato com a Andrade Gutierrez. A primeira versão da revisão do contrato, na qual o TCU detectou "irregularidades graves" no ano passado, foi modificada e submetida novamente ao tribunal. Essa segunda versão ainda contém preços R$ 78 milhões acima dos praticados no mercado, segundo o voto do ministro Marcos Vilaça, anunciado antes de a votação ser interrompida, no mês passado.
Por ora, a Eletronuclear avalia que a obra ainda pode ser concluída até outubro de 2014, conforme prazo previsto no PAC. Procurada pela Folha, a Andrade Gutierrez não respondeu às perguntas sobre o sobrepreço calculado pelo TCU nem sobre a possibilidade de uma nova licitação. Em nota, informou que só se manifestará depois de uma decisão final do tribunal.
Empreiteira é uma das maiores doadoras eleitorais do PT
A Andrade Gutierrez foi a maior doadora eleitoral do PT em 2006: destinou R$ 6,4 milhões ao partido e R$ 1,5 milhão para a campanha de Lula. Em 2008, o braço de telefonia do grupo, a AG Telecom, foi beneficiado por um decreto de Lula que permitiu a fusão de Brasil Telecom e Oi/ Telemar. A Andrade Gutierrez também doou R$ 3,1 milhões ao PSDB em 2006 e R$ 1,5 milhão à campanha de Alckmin.
(Por Marta Salomon, Folha de S. Paulo, 22/07/2009)