Barack Obama nomeou Michael R. Taylor para o cargo de Assessor Sênior de Margaret Hamburg, Presidente da Food and Drug Administration (FDA), órgão do governo americano que regulamenta alimentos e medicamentos. Taylor é um antigo conhecido daqueles que acompanham a novela dos transgênicos. Sua história está intimamente ligada à aprovação dos transgênicos nos EUA (e, em consquência, no mundo).
Fazendo uma retrospectiva. Em 1991, após os cientistas da FDA concluírem que não havia segurança suficiente para a liberação de alimentos transgênicos no país, o governo de Bill Clinton criou um posto no órgão especialmente para Taylor, que trabalhara por sete anos como advogado da Monsanto.
No cargo de “deputy commissioner for policy”, uma espécie de conselheiro para políticas, Taylor comandou a criação do famoso conceito da “equivalência substancial” para comparar plantas transgênicas e convencionais. Segundo o método, fazendo-se uma comparação química grosseira entre uma planta transgênica e sua similar convencional, pode-se concluir que a transgênica é “substancialmente equivalente” à convencional e portanto, por princípio, é segura. Mais ainda, se ela é quimicamente equivalente e portanto segura, não é necessária a realização de testes exaustivos para verificar sua segurança. Brilhante, não?
Importante notar ainda que, segundo este incrível conceito, além de se comparar uma lista bastante limitada de elementos (como as quantidades de proteínas, carboidratos, vitaminas e minerais, entre alguns outros), em nenhum lugar são estabelecidos os níveis de similaridade que uma planta transgênica deve ter em relação à sua contraparte convencional para ser considerada equivalente.
E como se não bastasse a precariedade científica do conceito, ele costuma ser aplicado da forma mais tosca possível. Vejamos, por exemplo, o caso da soja tolerante ao herbicida glifosato. Conforme descreveram três renomados cientistas na revista Nature em 1999, “Embora nós saibamos há cerca de dez anos que a aplicação de glifosato na soja altera significativamente sua composição química (por exemplo, o nível de componentes fenólicos como isoflavonas), a soja resistente ao glifosato usada nos testes de composição cresceu sem a aplicação de glifosato. Isto apesar do fato de que as lavouras comerciais de soja tolerante ao glifosato seriam sempre tratadas com o produto para eliminar plantas invasoras. Os grãos testados eram, portanto, de um tipo que jamais seria consumido, enquanto aqueles que seriam consumidos não foram avaliados.”
Já naquela época os cientistas alertavam: “A equivalência substancial é um conceito pseudo-científico porque é um julgamento comercial e político mascarado de científico. Ele é, além disso, inerentemente anti-científico, porque foi criado primeiramente para fornecer uma desculpa para não se requererem testes bioquímicos e toxicológicos.” Mas foi a partir deste princípio de Taylor que os transgênicos foram autorizados nos EUA, dispensando-se as análises de risco. O conceito foi difundido pelo mundo e possibilitou a liberação dos transgênicos em diversos países -- inclusive no Brasil.
Em sua passagem pela FDA, Taylor também foi responsável pela liberação nos EUA do hormônio de crescimento bovino transgênico (rBST ou rBGH, nas siglas usadas em inglês), da Monsanto. O produto é injetado em vacas para aumentar a produção de leite, mas diversos estudos apontam evidências de que ele produz efeitos colaterais nas vacas (como aumento da incidência de mastite) e que provoca no leite o aumento do nível de outro hormônio associado ao surgimento de câncer de mama, próstata e colo. Além disso, o uso de hormônio transgênico pode estar relacionado ao alto nível de nascimentos de gêmeos (Boletim 307).
Taylor não só conseguiu que o hormônio do leite fosse aprovado nos EUA, como impediu que a informação sobre o uso do produto aparecesse nos rótulos de embalagens de leite e derivados (a Monsanto chegou a processar os produtores que rotularam seu leite como “livre de rBST”; recentemente um grande movimento de consumidores conseguiu, em alguns estados americanos, impedir a aprovação de leis para proibir os rótulos “livre de hormônio de crescimento”) (Boletim 384).
Após cumprir estes serviços Taylor saiu da FDA, em 1994. Foi para o Serviço de Inspeção e Segurança de Alimentos (FSIS) do USDA (ministério de agricultura dos EUA) e, em 1998, tornou-se um dos vice-presidentes da Monsanto, atuando na área de “políticas públicas” (espécie de “lobista-chefe” da empresa). Taylor ocupou este cargo por dois anos.
Agora de volta à FDA, Taylor enterra qualquer esperança que se poderia ter de que o governo de Obama conseguiria manter independência das indústrias de biotecnologia e promover mudanças importantes na precária política para a segurança dos alimentos no país.
Muda-se o piloto, mas mantém-se o resto da tripulação, que se encarrega de não permitir alterações de rota. Aliás (e infelizmente) este fenômeno é também bastante comum por aqui, especialmente nesta área -- afinal, quem diria, há dez anos atrás, que o Brasil escancararia as portas aos transgênicos justamente sob o PT de Lula?
(ASPTA / EcoAgência / CarbonoBrasil, 21/07/2009)