Analistas do mercado financeiro e alguns especialistas da área de petróleo e gás já começam a identificar algumas linhas mestras do papel reservado à Petrobras na nova regulamentação do setor que está sendo construída em Brasília. Apesar da criação de uma nova estatal que vai representar a União, as declarações mais recentes feitas por ministros (Edison Lobão, de Minas e Energia, e Dilma Rousseff, da Casa Civil e candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à sua sucessão em 2010) apontam claramente a intenção de fortalecer a Petrobras. Ela teria um percentual pré-definido em todas as áreas do pré-sal, sendo sempre o operador, mas com o direito de recusar uma operação. Esse novo privilégio, contudo, é visto com ressalvas. Para alguns analistas, tornar a estatal a única operadora do pré-sal pode afastar investidores; para outros, ela pode ser positiva.
O "operador" na indústria do petróleo é a empresa responsável pela contratação de equipamentos e serviços, encomendas e contratação de pessoal. É o "gerente" do projeto que aplica os recursos de todos os sócios com a anuência dos demais no caso de um consórcio. Para o analista Sergio Torres, do J.P. Morgan, o tratamento preferencial para a Petrobras pode ser positivo. Entre os benefícios da medida para o governo está o fato de a estatal, como operadora de todos os campos, poder controlar uma das questões mais controversas do sistema de partilha da produção, que é justamente a recuperação de custos que serão deduzidos antes da divisão com o governo.
É onde o sistema é mais vulnerável a sobrepreços e corrupção. Para Torres, impor a Petrobras como operadora seria um meio "eficiente" de auditar os custos. Isso porque cabe ao operador as principais decisões do consórcio, sem contar o enorme aprendizado que a área vai proporcionar ao operador. Mas o próprio analista acha difícil que qualquer companhia de petróleo aceite como operador um sócio com apenas 5% de participação em um projeto.
Paula Kovarsky, analista de petróleo e gás do Itaú Securities, acha que a decisão de repassar para a Petrobras o "privilégio" de explorar todas as áreas do pré-sal, como parece ter sido decidido pela comissão interministerial, pode ter como objetivo proteger a Petrobras ou, ainda, evitar a potencial competição advinda de outras grandes empresas de petróleo. Mas vê a medida com ressalvas. "Ter o direito garantido de explorar áreas com um potencial deste tamanho pode ser um privilégio sim, mas qualquer conclusão é preliminar enquanto não se sabe quais são as condições econômicas desse acordo", pondera a analista , lembrando que a estatal tem acionistas privados e nesse caso uma condição econômica privilegiada seria questionável juridicamente.
"Partindo do princípio de que as condições econômicas serão iguais, na melhor das hipóteses, vemos aqui dois riscos importantes: o governo federal terá grande interesse em acelerar a produção das novas áreas de pré-sal sob o novo regime de partilha. Se a quantidade de dinheiro disponível é finita, esses projetos poderão concorrer com áreas de pré-sal já concedidas que provavelmente tem um retorno melhor", aponta Kovarsky.
O advogado Giovani Loss, consultor do escritório americano Fulbright & Jaworski LLP, um dos maiores dos Estados Unidos, acha que a ajuda do governo à Petrobras vai apenas criar distorções no mercado e aponta várias razões para ser contra um favorecimento da estatal. A primeira é de fundo constitucional. "A Lei do Petróleo, no artigo 61, parágrafo 1º, coloca a Petrobras em regime de livre competição. Entretanto, ainda que a lei mude, na minha opinião essa medida seria inconstitucional, já que o artigo 173 da Constituição diz que as sociedades de economia mista estão sujeitas a regime privado. Portanto, essa medida requer alteração da Constituição. Ela significaria, ainda, favorecimento indevido aos detentores privados de ações da Petrobras, o que seria enriquecimento sem justa causa", afirma Loss.
Ele aponta ainda como problemáticas a falta de transparência e, indiretamente, o favorecimento à corrupção, já que dificilmente os termos dos contratos celebrados sem licitação entre a nova empresa e a Petrobras serão divulgados. "Nesse caso, teríamos poucas pessoas com livre arbítrio de decisão e controlando a exploração dos recursos naturais e a aplicação dos recursos financeiros relacionados a essa exploração sem o devido controle externo". E vê ainda a possibilidade de favorecimento da Petrobras até nos casos em que o governo propor licitação, já que a Petrobras e a nova estatal terão relacionamento muito próximo.
Loss acha incoerente a afirmação da ministra Dilma Rousseff de que o favorecimento da Petrobras não implicaria fuga de investimento estrangeiro. "A própria ministra fala que o que atrai os investidores são as reservas. Se as melhores reservas estarão sujeitas à exploração por parte da Petrobras por regime de contratação direta, como isso não afetaria o interesse dos investidores?", questiona Loss.
A analista do Itaú também vê menor transparência no processo de escolha dos sócios caso a Petrobras seja operadora "oficial" do pré-sal. Acha que eventualmente isso poderá tirar da Petrobras a possibilidade de estabelecer as parcerias necessárias, se não para diluir o risco, para diluir os vultuosos investimentos. "E na minha visão este é uma tarefa que a Petrobras tem exercido magistralmente desde a abertura do monopólio, agregando parceiros que trazem capital e tecnologia sem perder a dominância do mercado", diz.
O economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) acha que toda a discussão em torno do marco regulatório está convergindo para a concentração das receitas futuras do pré-sal nas mãos do governo federal, deixando de lado o sistema atual onde as receitas de royalties e a Participação Especial (PE) são divididas entre União, Estados e municípios produtores. "O governo parece estar tentando cada vez mais modelos heterodoxos para ficar com o dinheiro do petróleo. Mas a grande barreira não deve ser a empresa estrangeira, mas os Estados e municípios", afirma Pires.
(Por Cláudia Schüffner, Valor Econômico, 22/07/2009)