Após notificação do Ministério Público Federal do Pará, os membros da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) haviam se comprometido a suspender compras de carne bovina do Estado. Agora, parte dos supermercados voltaram a comprar de frigoríficos que foram acusados de fomentar o desmatamento e parte mantém a posição de embargo.
Com base em um rastreamento de cadeias produtivas realizado em parceria com o Ibama, o MPF iniciou duas dezenas de processos judiciais contra fazendas e frigoríficos, pedindo o pagamento de R$ 2,1 bilhões em indenizações por danos ambientais, no final de maio. Dezenas de empresas que compraram subprodutos desses frigoríficos receberam notificações em que foram informadas que haviam adquirido insumos obtidos através do desmatamento ilegal da Amazônia. A partir da notificação, deveriam parar de comprar desses fazendeiros e frigoríficos ou passariam à condição de co-responsáveis pelos danos ambientais.
Os associados da Abras organizaram um plano de ação em que o fim do embargo dependeria de uma auditoria externa realizada pelos frigoríficos para que fosse verificada a ausência de problemas ambientais e trabalhistas nas fazendas fornecedoras. O diálogo com a indústria da carne no estado foi posto em marcha na busca de uma solução.
No início de julho, frigoríficos e o governo do Pará assinaram termos de ajustamento de conduta com o Ministério Público Federal (MPF). Entre as indústrias que aderiram ao acordo estão dois grandes frigoríficos que atuam no estado, Bertin e Minerva. Os TACs com os frigoríficos prevêem que estes passarão a exigir dos fornecedores a moratória total do desmatamento, o reflorestamento de áreas degradadas e o licenciamento ambiental. Também irão informar a origem da carne aos consumidores e ao MPF-PA, que vai verificar a existência de trabalho escravo, crimes ambientais e grilagem entre os fornecedores. As empresas que receberam recomendações para suspender contratos de comercialização com os frigoríficos, como os varejistas, poderiam retomar os negócios com a carne do Pará após esses TACs.
Fazendo consultas com empresas do setor, percebemos que havia uma disposição entre alguns associados de, mesmo com o TAC, apenas levantar o embargo após os frigoríficos realizarem a auditoria independente exigida. Até porque, sem isso, seria impossível garantir, neste momento, que a origem da carne vendida ao consumidor estaria livre de desmatamento ilegal. Contudo, o Grupo Pão de Açúcar voltou a comprar do Grupo Bertin no Pará, após a assinatura do TAC e a notificação do MPF/PA ter sido suspensa. A Repórter Brasil solicitou a posição da empresa sobre isso e não obteve resposta até o momento.
Em entrevista ao blog da Miriam Leitão, o presidente da Abras, Sussumu Honda, afirmou que seria injusto não retomar a compra da carne após o fim do embargo pelo MPF, como também não seria correto não atender à recomendação anterior do MPF de suspender a compra: “A maioria dos frigoríficos assinou o termo de ajuste de conduta. E o governo do Estado do Pará liberou recursos para a certificação da origem da carne. Com a liberação do MPF do Pará, voltamos a comprar. São fornecedores importantes do mercado”.
Mas pelo visto o presidente da Abras se precipitou ao falar em “voltamos”.
O Wal-Mart veio a público, hoje, dizer que mantém o embargo. “Só voltaremos a fazer negócios com a região após acordo e alinhamento do plano de auditoria proposto inicialmente pelo setor. Entendemos que isso é o mais correto a fazer no momento e está em linha com as expectativas dos nossos clientes”, afirmou Héctor Núñez, presidente da empresa Brasil, em nota pública divulgada hoje.
A Repórter Brasil também solicitou esclarecimentos sobre essa posição da Abras que, ao que parece, falou apenas por parte dos associados. Porque tenho uma dúvida: esse posicionamento de empresas como o Pão de Açúcar e mesmo do presidente da Abras não irá gerar problemas para efetivar o plano de auditoria externa de curto prazo que havia sido anunciado pela associação?
É importante que se diga que redes varejistas não estão cometendo ilegalidade ao voltar a comprar carne do Pará, mas a moralidade da ação pode ser sim questionada. Quando a bomba estourou, foi muito útil dizer aos quatro cantos que atitudes seriam tomadas para aprimorar o setor - no caso, o desenvolvimento de instrumentos de controle da cadeia produtiva. Dessa forma, blindou-se a imagem institucional de varejistas e o problema foi limitado ao produtor rural e ao frigorífico, quando ele é, na verdade, de toda a cadeia. Agora, que não há mais risco de ser processado por co-responsabilidade, retorna-se às compras antes de ter esses instrumento garantidos.
A assinatura do TAC foi um grande avanço, como já noticiei neste blog, que se deve a procuradores da República que não tiveram medo de cumprir seu dever - e que foram pesadamente ameaçados por produtores rurais e por sua truculenta tropa de choque, a bancada ruralista. Contudo, o setor empresarial pode ir além da legislação e de decisões judiciais e atuar na vanguarda do desenvolvimento sustentável. Ou seja, fazendo mais do que lhe é imposto.
Quem ganha com isso? Eles mesmos, que agregam valor à sua marca. O consumidor, que se sente respeitado e pode comprar um produto de qualidade. E, neste caso, o meio ambiente e as futuras gerações.
PS: Estamos falando das grandes redes e do que elas fazem ou deixam de fazer. Mas há outros grupos, expressivos também, que, até onde sei, não se mexeram para adotar políticas de restrição a produtos oriundos do desmatamento na Amazônia. Exemplos? A rede Makro. Notificado pelo MPF/PA por estar vendendo produtos oriundos do desmatamento, a rede atacadista disse que confiava nas garantias dadas pelos frigoríficos. E provavelmente também em Papai Noel, no Coelho da Páscoa e no lucro fácil.
(Por Leonardo Sakamoto, com colaboração de Carlos Juliano Barros, Blog do Sakamoto, 20/07/2009)