Às vésperas da reunião entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, o Itamaraty e o Ministério de Minas e Energia ainda não se entenderam sobre um acordo com o Paraguai para dar fim à disputa envolvendo a hidrelétrica de Itaipu. Para as autoridades do setor elétrico, a venda de energia excedente da cota paraguaia no mercado livre brasileiro exigirá mudanças no Tratado de Itaipu e encarecerá as tarifas residenciais. Por isso, foi vista com consternação a entrevista do chanceler Celso Amorim ao Valor, na qual adianta que o Brasil aceita o pedido paraguaio.
O assunto será levado para decisão de Lula, na quarta (22/07) ou quinta-feira, antes de seu embarque para Assunção, que sedia a cúpula semestral do Mercosul. Ao contrário de Amorim, a pasta de Minas e Energia acredita que não há como autorizar a operação sem alterar o tratado. "Não temos ainda uma decisão. Estamos estudando as hipóteses", afirmou ontem o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. Segundo ele, o único ponto consensual é que a sobra de energia do Paraguai não pode ser vendida a terceiros países. "A energia não sai do Brasil."
O Valor apurou que uma das hipóteses cogitadas pelo Ministério de Minas e Energia é levar a Lula a ideia de propor a Lugo a criação de um "grupo de trabalho bilateral" para avaliar tecnicamente o assunto. Na prática, seria uma forma de ganhar tempo nas negociações, embora outros observadores considerem pouco provável que Lugo aceite apenas um aceno brasileiro. Hoje, no governo, prevalece a posição conciliadora de Amorim.
Se um acordo geral for fechado com o Paraguai para a venda da energia excedente no mercado livre, faltará ainda definir o volume a ser liberado. O país vizinho, partindo de uma interpretação mais flexível do tratado, deseja vender no Brasil, sem passar pela Eletrobrás, tudo o que não consome internamente. De toda a eletricidade gerada por Itaipu, cada país tem direito a metade, mas o Paraguai só consome cerca de 5% da sua fatia. Quer, idealmente, vender quase 6 mil megawatts (MW) no mercado livre brasileiro - quase o equivalente às hidrelétricas do rio Madeira.
Outras hipóteses, bem mais restritivas, são de permitir ao Paraguai a venda no mercado livre da energia excedente de Itaipu (além do mínimo garantido por contrato e gerado apenas quando o reservatório da usina está cheio) ou da energia proveniente de outras usinas paraguaias.
O Ministério de Minas e Energia argumenta ainda que a liberação do excedente de Itaipu deve ser gradual, para não prejudicar a oferta do mercado regulado, que atende as distribuidoras de energia. O mercado livre é formado por grandes consumidores, como indústrias e shopping centers. Se houver migração de uma grande quantidade de energia do mercado regulado para o livre, as distribuidoras precisarão repor a eletricidade relativamente barata de Itaipu - elas pagam US$ 45 por MWh - com fontes mais caras. O ministério avalia que a situação ficará mais tranquila somente daqui a quatro ou cinco anos, quando entrarem em operação as usinas do rio Madeira - cujo valor do MWh fica abaixo de US$ 40 - e a hidrelétrica de Belo Monte, ainda não licitada, que garantirão mais folga no suprimento de energia.
(Por Daniel Rittner, Valor Econômico, 21/07/2009)