O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, confirmou que o governo brasileiro aceita que o Paraguai venda no mercado livre do Brasil parte da energia a que tem direito de Itaipu. No encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, no fim desta semana, será discutida a proposta brasileira, que estabelece os critérios para aceitar a demanda paraguaia.
"Precisamos encontrar um modelo, há uma preocupação natural com a gradualidade, não pode ser de um dia para o outro", comentou Amorim. Hoje, o Paraguai, que tem direito ao uso de metade da energia de Itaipu, é obrigado a vender a parcela que não usa à Eletrobrás por um preço fixo. Uma das principais reivindicações do governo de Lugo é a possibilidade de vender no mercado livre, mais caro, a energia excedente - o que aumentaria o custo da energia fornecida no Brasil. Até a semana passada, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, descartava a possibilidade de autorizar a venda da energia de Itaipu no mercado livre, alegando que isso exigiria a revisão do tratado de constituição da usina binacional, algo considerado tabu pelo governo brasileiro.
O argumento era repetido pelo presidente brasileiro de Itaipu, Jorge Samek, e considerado uma interpretação "abusiva" pelos paraguaios. O Itamaraty não endossa essa interpretação, garante Amorim, que diz "conversar sempre" com o ministro Lobão. "Talvez seja necessário mudar a legislação brasileira, e é o que estamos vendo", comentou Amorim, que participou, na sexta-feira de manhã, com Lobão, de uma reunião com o presidente Lula, para discutir as negociações com os paraguaios em torno da usina binacional.
"Acho que (a venda da energia no mercado livre) não exige mudança no tratado, isso não está disciplinado no tratado", argumentou Amorim. Ele lembra que o tratado restringe a comercialização da energia de Itaipu aos "entes" dos dois país, as empresas energéticas do Brasil, Eletrobrás, e do Paraguai, a Ande. Mas não restringe o local de atuação das empresas ao país de origem, interpreta o ministro. "O tratado fala dos entes dos dois países, mas não diz que é cada um em seu país, forçosamente."
A transição do regime atual para o proposto ao Paraguai deve levar tempo e o Brasil dirá a Lugo que se dispõe a negociar essa mudança. "Podemos discutir quanto será, como será (a liberação da energia para venda no mercado livre). Há uma preocupação natural com a gradualidade, não pode ser de um dia para o outro", detalhou o ministro, alertando para a necessidade de evitar traumas nos setores dependentes da energia de Itaipu. A usina abastece cerca de 20% do mercado brasileiro e o Paraguai usa apenas 5% da energia gerada, o suficiente para abastecer mais de 90% das necessidades do país.
"A ideia é implementar de maneira gradual, compatível com a segurança energética do Brasil", disse Amorim. "Houve um diretor paraguaio de Itaipu que definiu isso: querem soberania energética, sem que o Brasil perca a segurança energética. Vamos avançando nisso."
Para Amorim, "o problema é que certos temas práticos, até numéricos, ganham conotação ideológica." Ele determinou ao embaixador do Brasil no Paraguai, Eduardo dos Santos, entregar a proposta brasileira, na semana passada, aos auxiliares de Lugo. "Vamos tentar resolver no lado prático, procurando dar certa satisfação do lado político", disse, definindo a posição brasileira como uma "abertura" para discussão de temas considerados importantes pelos paraguaios.
É a primeira vez que uma autoridade brasileira admite a possibilidade de venda da energia de Itaipu pelos paraguaios diretamente no mercado brasileiro. Até recentemente, a oferta brasileira se resumia à possibilidade de os paraguaios venderem no país a energia de outras usinas hidrelétricas do país. A ideia era descartada pelos paraguaios com o argumento de que essas outras usinas têm um custo de energia inferior ao de Itaipu, o que traria prejuízos para o abastecimento local.
O governo mantém, ainda, a oferta de financiamento para a construção de uma nova linha de transmissão de energia, da usina para a capital, Assunção, e propõe ampliar as compensações pagas pela usina ao país.
(Por Sergio Leo, Valor Econômico / IHUnisinos, 20/07/2009)