Cerca de 900 moradores da Floresta Nacional (Flona) do Bom Futuro se reuniram, no começo desta semana, na zona de acesso às obras da usina de Jirau, para reivindicar o fim das multas que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) vêm impondo a eles pelo desmatamento causado na área de conservação onde vivem ilegalmente. Se, por um lado, as manifestações que duraram três dias levaram à paralisação das obras de Jirau- hidrelétrica questionada por ambientalistas pelos impactos ambientais que causará - por outro, os motivos para os protestos estão alinhados a interesses não menos nocivos ao meio ambiente: a regularização de terras griladas e o não pagamento de multas por desmatamento da floresta amazônica.
"Aquelas pessoas que estão fazendo protestos são grileiros. Se o governo faz acordo e aceita isso está dando uma declaração irresponsável de que se podem invadir unidades de conservação no Brasil", disse Ivaneide Bandeira, diretora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé. Com afirmação, Ivaneide se refere à resposta dada pelas autoridades ao protesto. Na última quarta-feira (15/07), os manifestantes atingiram seus objetivos: o governador de Rondônia, Ivo Cassol, e o superintendente do Ibama no Estado, César Guimarães, prometeram ações para que a atual situação da Flona seja regularizada, de acordo com o que previa uma negociação sobre a reserva, feita entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e governo estadual.
Assim, os governos federal e estadual pretendem unir forças para cumprir acordo feito em junho deste ano, que promove a regularização de terras griladas. Para isso, é prevista a criação de um Grupo de Trabalho (GT), que terá 14 dias para definir as áreas que serão estadualizadas. A ideia é que, a partir de então, sejam criadas uma lei federal e outra estadual para alterar os limites da Flona Bom Futuro, oficializando os acordos firmados no mês passado. Segundo a assessoria de imprensa do MMA, o GT já foi criado.
O compromisso firmado em junho pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, com governo de Ivo Cassol consistiu numa troca, em que o governo de Rondônia assumiria a Floresta Nacional Bom Futuro, repassando, em contrapartida, as unidades de conservação (UC) Rio Vermelho A e B, bem como as estações ecológicas Serra dos Três Irmãos e a Mujica Nava, à responsabilidade do MMA. Esse acordo foi fundamental para que o governo de Rondônia desse o aval para a construção de Jirau, permitindo a concessão da licença de instalação para a obra pelo Ibama.
Para a diretora da Kanindé, o compromisso contraria a legislação nacional e sua assinatura deu margem para que os grileiros que hoje vivem na Flona Bom Futuro se sentissem no direito de continuar desmatando. "O acordo, além de ilegal, foi feito para enganar as pessoas de que elas poderiam continuar lá desmatando e desrespeitando a lei. Passaram por cima da legislação brasileira", disse Ivaneide.
Segundo a ambientalista, a intenção do acordo é, na verdade, reduzir o tamanho da Flona Bom Futuro, para permitir que os invasores da reserva continuem desmatando. Ela lembra, porém, que a redução de uma UC deve obrigatoriamente passar pelo Congresso Nacional e só pode ser feita por lei.
De acordo com Brent Millikan, da ONG Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, e Telma Monteiro, da Kanindé, o acordo possui outros problemas. "Foram desconsideradas, nesse novo acordo, as determinações do TAC [Termo de Ajustamento de Conduta de maio de 2005] para solucionar os conflitos na Flona, como a retirada de grandes pecuaristas, especuladores e madeireiros ilegais; o reassentamento de clientes da reforma agrária ou a implantação da Flona com plano de manejo e recuperação de áreas degradadas", dizem, no artigo Troca Indecente, elaborado pelos ambientalistas após o acordo entre Minc e Cassol ter sido firmado.
Ivaneide acredita que o anúncio dos governos nacional e estadual de que agora serão feitos esforços para a criação de leis que legitimem o acordo é outra forma de enganar a população e os habitantes de Bom Futuro. Isso porque, segundo ela, a constituição do GT e a alteração dos limites da Flona continuarão contendo vícios de ilegalidade. "O acordo é ilegal de qualquer forma, porque as áreas estaduais dadas em troca pela Flona Bom Futuro já eram da União. Não estão trocando nada, nem fazendo favor nenhum. Muito pelo contrário, estão diminuindo unidade de conservação, sem passar pelo Congresso, nem seguir trâmites técnicos", destacou.
Multas
Segundo informações da Agência Estado, no dia em que começaram as manifestações, o governador Cassol solicitou ao ministro de Meio Ambiente, Carlos Minc, que as multas aplicadas pelo Ibama, que superam a casa dos R$ 34 milhões, fossem suspensas. No entanto, o MMA informou que o órgão federal seguirá cumprindo a tarefa de fiscalizar a reserva, exigindo o cumprimento da lei ambiental que proíbe o desmatamento em unidades de conservação.
Para Ivaneide, o pedido do governador é mais um absurdo das negociações ilegais sobre Bom Futuro. "Quem é responsável pela Flona é o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICM-Bio). É um erro achar que o acordo deve ser feito com o Ibama. O Ibama tem mais é que multar mesmo quem causou dano ambiental e invadiu UC. As pessoas têm que aprender que a lei é igual a todos e deve ser cumprida", disse.
Para a diretora da Kanindé, caso o MMA concorde em suspender as multas aos grileiros de Bom Futuro, ministro, governador e superintendente deverão ser presos por desrespeitarem a lei e enganarem o povo que hoje vive na Flona. Ela também duvida da recente promessa do MMA de que dará incentivos ao desenvolvimento de atividades agrícolas sustentáveis dentro de Bom Futuro como alternativa de renda aos atuais criadores de gado da Flona. "Qual é a UC desse país que tem apoio do governo federal? É mais uma enganação ao povo", afirmou.
(Por Fabíola Munhoz, Amazonia.org.br / IHUnisinos, 17/07/2009)