À custa de três anos de negociação, regularização fundiária do Parque Estadual do Pico do Itambé está prestes a ser concluída e pode se tornar exemplo para outras unidades
Até a criação do Parque Estadual do Pico do Itambé, o lavrador José Maria Ribeiro, mais conhecido como Caxinguelê, vivia a rotina de cuidar de seus bois e de plantar. Quando precisava de carne, caçava alguma ave ou um tatu; quando precisava de madeira, tirava uns paus perto de casa; quando precisava de dinheiro, abatia árvores para vender. “Hoje, minha ideia virou. Eu olho para os bichos e fico com dó. Fui tomando consciência”, explica o atual guarda-parque, de 48 anos. Como a dele, outras 26 famílias da região foram incluídas em um projeto pioneiro de regularização fundiária e reassentamento, que deve ser concluído em 2010, depois de três anos de negociação, e pode se transformar em exemplo para tornar efetivas outras áreas oficiais de proteção, hoje incrustadas de lavouras e pastos e que só existem no papel.
O Parque Estadual do Pico do Itambé fica em uma área de 6.520 hectares nos municípios de Santo Antônio do Itambé, Serro e Serra Azul de Minas, na Região Central do estado, a pouco mais de 300 quilômetros da capital. Foi criado por decreto em 21 de janeiro de 1998. A ideia de ver a terra onde nasceu e sempre viveu fazendo parte de um parque, de início, assustou Caxinguelê. “Fiquei muito preocupado, com medo de tirarem a gente e eu não ter onde ficar”, conta o ex-morador, hoje defensor entusiasmado da preservação ambiental.
Para a implantação do parque, 27 famílias tinham de ser remanejadas e os problemas apareceram logo. “São famílias tradicionais, que não tinham o título. Fizemos um projeto pioneiro de reconhecimento da propriedade e do direito sobre a terra”, explica o gerente de Regularização Fundiária do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Charles Alessandro. Além das questões legais, houve a natural resistência das famílias em deixar a terra em que nasceram e de onde extraíam o sustento.
Na negociação, parte das famílias foi indenizada. Em uma ação inédita nesse tipo de processo, os demais antigos moradores estão sendo reassentados em uma fazenda adquirida pelo IEF nas redondezas. Atualmente, restam oito famílias na área do parque. Charles Alessandro garante que até fevereiro de 2010 todas estarão morando em casas de alvenaria que o IEF vai construir. Segundo o gerente, foram três anos de negociação com os moradores, visando desimpedir a área de preservação, condição fundamental para a implantação do parque. Ele afirma que em outras situações não era comum essa negociação com os antigos moradores. “Criavam o parque e não indenizavam. Eram parques de papel. Quando se cria a área de preservação, ela tem que ser de posse e domínio públicos”, informa Alessandro.
Caxinguelê, por exemplo, tinha 25,6 hectares no parque. Recebeu 10 hectares nas proximidades da sede de Santo Antônio do Itambé, onde vivem 4,5 mil pessoas. Perdeu na área total, mas vai continuar com o mesmo espaço agricultável que tinha antes. Ele vê como vantagem, também, morar mais perto da cidade e aguarda a construção da casa de alvenaria prometida pelo IEF.
Na casa original, Caxinguelê tinha água perto, mas ela não era encanada. Ele nunca foi à escola, pelas dificuldades de acesso à cidade quando era criança. Agora, comemora o fato de seus netos poderem estudar com facilidade e defende o parque com palavras e obras. “O parque é importante para a água, para termos ar puro e parar com o fogo. Vira uma vida nova”, ensina o guardião da área, que vê “ignorância” nos moradores da região que ainda se manifestam contra a novidade. Para vencer a resistência, a unidade conta com um trabalho de educação ambiental junto a estudantes e à comunidade.
Paisagem
O parque ainda não está aberto à visitação, porque a estrutura só deverá estar construída no próximo ano, mas já recebe turistas. A principal atração é o Pico do Itambé, de 2.002 metros de altitude e a subida, atualmente, é feita com acompanhamento de um guia. Segundo o gerente de Áreas Protegidas do IEF, Roberto Alvarenga, a reserva tem abundância de cachoeiras e lagos.
Ele explica que, depois da criação, da regularização fundiária e do plano de manejo, é hora da implantação da estrutura, que inclui a análise dos impactos e intervenções nas trilhas que permitirão percorrer os cinco trajetos já estabelecidos. Próximo ao cume do Pico do Itambé, haverá uma área de camping. Outra novidade será uma trilha que ligará a unidade de conservação ao vizinho Parque do Rio Preto.
(Por Maurício Lara, Estado de Minas, 19/07/2009)