Poucos dias após a morte de seu pai, o presidente sírio, Bashar Assad, citou numa entrevista os temas disputados entre Síria e Israel por ordem de relevância. "Israel hierarquiza suas prioridades na seguinte ordem: segurança, terra e água", disse ele. "Mas a verdade é diferente. Eles consideram a água a questão mais importante."
Ele acrescentou: "Debater esse assunto é prematuro no momento, e a sua vez só chegará após a questão territorial ser discutida." Nove anos mais tarde, a disputa territorial segue congelada. Mas a questão da água sofreu uma reviravolta dramática. Depois de cinco anos de seca, a região está se encaminhando para uma calamidade no fornecimento de água que poderia sobrepujar todas as iniciativas de paz. O Rio Jordão tem agora grandes trechos reduzidos a um mero fio d?água. O Mar da Galileia (Lago Tibiríades) está no seu nível mais baixo. A área da superfície do Mar Morto sofreu redução de um terço. Os ancestrais pântanos do Iraque são agora marcados por grandes trechos de vegetação esturricada e lama seca.
No norte da Síria, mais de 160 vilas ficaram sem água nos últimos dois anos e foram abandonadas por seus moradores. Na Faixa de Gaza, 150 mil palestinos não têm acesso a poços d?água. Em Israel, as bombas no Mar da Galileia, seu maior reservatório, ficaram expostas acima do nível da água, impossibilitando o bombeamento. No Líbano, 70% da água dos esgotos é depositada em fossas sanitárias, poluindo os lençóis freáticos; a Jordânia enfrenta dificuldades por causa da falta de chuva, que está em 10% da média anual.
Não surpreende que muitos alertem para a possibilidade de as guerras futuras serem travadas por causa da água e não do território. Mas será que uma crise pode ser transformada em oportunidade? Será que a água, em vez do território, poderia ser o caminho para a paz e a cooperação no Oriente Médio?
"Acreditamos muito na questão da água enquanto catalisadora da paz regional", diz Gilead Sher, principal negociador israelense na reunião de cúpula de Camp David e nas conversações de paz de Taba em 1999-2001. "Nas rodadas anteriores de negociações entre israelenses e palestinos, a questão da água esteve muito próxima de uma solução para ambos os lados dentro da estrutura de um acordo." Outros, como o jordaniano Munqeth Mehyar, o palestino Nader Al-Khateeb, e o israelense Gidon Bromberg, acreditam que a água proporciona novas avenidas para o diálogo. Juntos, os três administram a EcoPeace, uma organização que aproxima ambientalistas jordanianos, palestinos e israelenses para a promoção do desenvolvimento sustentável e a construção de uma relação de "boa vizinhança no fornecimento e consumo da água" no Oriente Médio. O premiê sírio, Mohammed Naji Otri, encontrou-se recentemente com o ministro iraquiano da Eletricidade, Wahid Kareem, para debater a questão dos recursos hídricos.
É hora de estabelecermos a paz em nome da água. Primeiro, os EUA devem trabalhar com Turquia, Israel, Líbano e Síria para realizar uma conferência, em Istambul. "A melhor maneira de resolver o problema da falta de água seria trazer água das fontes abundantes do norte - ou seja, da Turquia", diz o professor israelense Bernard Avishai. O transporte passaria pela Síria e talvez pelo Líbano. A Turquia já se ofereceu para liderar iniciativas do tipo - mais recentemente por meio da proposta de um "plano de paz pelo fornecimento de água".
Segundo, os EUA precisam convencer Israel a partilhar com seus vizinhos árabes sua tecnologia no fornecimento de água. Em vez do território, a água poderia ser a base de um acordo entre Israel e Síria, que giraria parcialmente em torno das disputadas Colinas do Golan, que são fonte de mais de 55% da água potável de Israel.
Os EUA devem também promover um novo acordo entre Israel e a Autoridade Palestina para substituir o fracassado Comitê Conjunto para a Água. O acordo deve fazer de ambos os lados parceiros tanto no fornecimento quanto na administração. Na ausência de tal acordo, Gaza ficará seca, e a poluição do território continuará ameaçando as reservas de água israelenses.
Terceiro, a ONU deve mobilizar uma iniciativa global para descobrir meios mais baratos e menos poluentes de converter a água do mar em água potável. Apesar de ser prática comum em Israel e nos países do Golfo, a dessalinização custa três vezes mais do que a água obtida a partir de fontes naturais, e pode consumir dez vezes mais energia. Na conferência sobre mudança climática que será realizada em dezembro em Copenhague, a ONU deve lançar uma campanha para estabelecer parcerias para transformar a promessa da dessalinização numa solução mais prática. Já foi dito que se Israel estivesse em chamas, seus vizinhos árabes não forneceriam a água para apagar as labaredas - e vice-versa. Mas em se tratando da água, todos estão no mesmo barco.
(Por Stanley A. Weiss *, O Estado de S. Paulo, 19/07/2009)
* Stanley A. Weiss é presidente da organização Executivos Corporativos pela Segurança Nacional