Para Gilberto Câmara, créditos comercializáveis por desmatamento evitado são "dinheiro sujo" que "premia ilegais". Para cientista, problema da Amazônia é de governança, não de dinheiro, e Brasil conseguiu reduzir ritmo da derrubada sem verba extra
Gilberto Câmara, diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e principal responsável pelo monitoramento da Amazônia, chamou de "dinheiro sujo" os recursos que poderão vir a ser trocados entre os países por meio do REDD, um dos mecanismos em discussão no âmbito internacional para reduzir o desmate.
A definição sobre se e como o mundo vai usar ou não esse esquema no combate ao aquecimento global pode sair da conferência do clima de Copenhague, em dezembro. O desmatamento e a posterior queima da floresta desmatada emitem grandes quantidades de gás carbônico para a atmosfera. Isso ajuda a esquentar ainda mais o planeta. Daí a proposta, aprovada na conferência de Bali, em 2007, de usar o desmatamento evitado para ajudar a solucionar a crise do clima. Só não há acordo sobre como isso será feito.
O governo brasileiro é contra mecanismos de mercado no REDD (sigla em inglês para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal), pelos quais países que reduzissem seu desmatamento poderiam vender créditos de carbono para países com metas de redução a cumprir. Prefere que o REDD seja abastecido por doações, como os US$ 110 milhões que a Noruega já empenhou no Fundo Amazônia. Mas governadores de Estados da Amazônia Legal, como Blairo Maggi (MT) e Eduardo Braga (AM), se mostraram favoráveis à medida. "É quase como se o Brasil vendesse o seu ar", disse Câmara ontem, em Manaus (AM), durante o último dia da 61ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). "Com essas negociações, os países desenvolvidos deixarão de fazer sua lição de casa", disse Câmara.
Para ele, se o Brasil conseguiu reduzir o desmatamento da Amazônia de 27 mil quilômetros quadrados por ano para uma média de 12 mil quilômetros quadrados sem esse dinheiro, é sinal que o país não precisa dele. "O problema do desmatamento da Amazônia é de governança", afirmou.
Números
Câmara questiona até mesmo o tamanho da contribuição do desmatamento nas emissões mundiais de carbono. Hoje estima-se que as mudanças no uso da terra, principalmente o desmatamento tropical, respondam por 20% das emissões. Segundo Câmara, esses números poderiam até ser válidos para os anos 1990. Hoje, diz, tanto o Brasil quanto a Indonésia, os maiores desmatadores do planeta, reduziram de forma considerável suas emissões. "Estamos refazendo esses dados. Mas, hoje, com certeza, o número deve ser de pelo menos 10%", disse Câmara. Deste total, metade é a contribuição exclusiva do Brasil. "Desse total, 0,5% é referente ao desmatamento legal. Vamos receber dinheiro do REDD para pagar os ilegais?"
(Por Eduardo Geraque, Folha de S. Paulo, 18/07/2009)