Artigo publicado no Estado de São Paulo (texto de Adriano Pires, em 08/06/09) induz o leitor a acreditar que a descoberta de petróleo do pré-sal surgiu em decorrência da promulgação da Lei 9.478/97, no governo do ex-presidente FHC, que “flexibilizou” o monopólio estatal e criou a ANP (Agência Nacional do Petróleo). O autor divide a história do pré-sal em duas fases: antes e depois desta lei, mostrando completo desconhecimento de causa.
Logo no começo o artigo comete um erro grave, ao afirmar que a Lei 2004 data de 1952. Na verdade é de 3 de outubro de 1953. Depois, para quem se considera autoridade no assunto, comete outro grave deslize. Atribui a Petrobras - e não à União o monopólio estatal do petróleo. A Petrobrás, enquanto existiu a Lei 2004, foi simplesmente a executora, e como tal, o fez brilhantemente. Eis a verdadeira história do Pré-Sal:
Fase do Monopólio Estatal, de 1953 a 1997 (44 anos)
A Petrobrás só foi instalada em 9 de maio de 1954, quando já existia produção de petróleo na Bacia do Recôncavo (provinda do Campo de Candeias, descoberto em 1941 pelo CNP - Conselho Nacional do Petróleo - e, posteriormente dos campos de Aratu, Itaparica e D. João). Todos os campos do Recôncavo, por ironia do destino, já produziam em reservatórios da chamada fase rifte, sendo que esse óleo foi gerado em camadas lacustrinas próprias desta fase, situados abaixo da discordância pré-aptiana regional.
Como exemplo, nas bacias costeiras, Margem Leste, citamos o maior campo de petróleo até hoje descoberto em terra no Brasil, o Campo de Carmópolis, em Sergipe, o qual produz de reservatórios situados na seção do pré-sal. Ele foi descoberto em 1963, portanto durante a vigência do monopólio estatal. Recentemente, informação não oficial, dá conta que no aprofundamento de um poço deste campo, foi detectada a 700 metros de profundidade, a presença de microbiolitos, reservatório característico do pré-sal, presente na Bacia de Santos, em todos os poços perfurados no “cluster”, núcleo central da nova província.
O petróleo que ocorre nas bacias cretáceas costeiras da Margem Leste, tanto na parte emersa como na imersa, na seção pré-sal ou na pós-sal, tem gerador do Tipo I, i.e. são rochas depositadas em ambiente lacustrino, o que vem a indicar sua origem continental, portanto abaixo da espessa camada de sal que se formou durante a separação dos continentes africano e sul-americano.
Pode-se dizer que no Brasil não temos gerador(es) do Tipo II, i.e. de origem marinha. Apenas alguns traços deste tipo de gerador foram detectados nos campos de Cangoá e Peroá, na Bacia do Espirito Santo. Assim, pode-se inferir facilmente o caminhar da exploração mar adentro, na perspectiva de se encontrar campos cada vez mais promissores. Já se sabia que o gerador era bem mais profundo. A Petrobrás, através do seu corpo técnico, sempre demonstrou estar alerta para isso.
Durante mais de 30 anos, desde a descoberta do Campo de Garoupa, em 1976, na Bacia de Campos, em lâmina d’água de -100 metros, a Petrobrás buscou essa província do pré-sal. Um importante fator que concorreu para a demora na descoberta do pré-sal, está condicionado à evolução da sísmica de reflexão e, principalmente, das dificuldades tecnológicas advindas da perfuração tanto em lâminas d’água ultra-profundas como em função da espessa camada salífera a ser atravessada. Para exemplificar, o Campo de Roncador, na Bacia de Campos, cujo poço pioneiro situava-se em lâmina d’água de -1.854 m, só veio à ser perfurado em 1996.
O anuncio feito pelo governo FHC, em 1995, de que iria “flexibilizar” o monopólio estatal e criar a agência reguladora, levou o corpo técnico da Petrobrás a trabalhar intensamente na seleção das melhores áreas durante os dois anos seguintes, na premissa de requerer as melhores áreas para exploração, direta ou em parceria, com outras empresas. A ANP foi instalada em 19 de janeiro de 1998.
A Lei 9478 de 6 de agosto de 1997, determinou que a Petrobrás deveria submeter à ANP seu programa de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo, o qual foi entregue ao Ministério de Minas e Energia (MME) em 15 de outubro de 1997 na forma de 391 relatórios, sendo 133 para áreas de exploração, 52 para áreas em desenvolvimento e 206 relativos a áreas em produção.
As 133 áreas (ou blocos) de exploração requisitadas pela Petrobrás estavam distribuídas em 21 das 29 bacias sedimentares terrestres e marítimas brasileiras e consistiam, entre outros, na perfuração de 246 poços em prospectos já definidos pela sísmica. A Lei 9478 estipulou o prazo de um ano para que a ANP avaliasse esse programa e outorgasse contratos de concessão para as áreas em que a empresa tivesse satisfeito os requisitos legais.
Na Bacia de Santos, a Petrobrás requisitou 8 blocos, sendo que no Bloco BS-300, para exploração direta, já havia um prospecto definido na sua parte sudoeste, que visava testar um proeminente alto estrutural, com mais de 1.000 km2 de fechamento estrutural, interpretado como seção rifte (pré-sal). Ressalte-se que, nesta época (1997), a equipe técnica da Petrobrás já vislumbrava o alto potencial exploratório da área, inclusive a análise
econômica do prospecto indicava a possibilidade de se encontrar expressivos volumes de hidrocarbonetos. A perfuração permitiria também obter informações sobre a(s) rocha(s) geradora(s) ainda não amostradas na bacia.
A exploração do Bloco BS-300 era uma proposta ousada, tanto em termos de lâmina d’água (mais de 2.000 m) como pela oportunidade de se conhecer convenientemente a seção rifte da bacia, após atravessar quase 2.000 m de seção evaporítica. Era uma nova fronteira exploratória e um grande desafio tecnológico. A análise técnico – econômica do Bloco ANP BS-300, que possibilitou as referências acima descritas, foi entregue ao MME em 15 de outubro de 1997, constituindo o processo No. 48000.003575/97, portanto antes da criação da ANP.
Na chamada “Rodada Zero” da ANP, consolidada em agosto de 1998, ficou definida a participação da Petrobrás no novo cenário criado após a promulgação da Lei 9478/97. A partir dos relatórios de análise dos blocos feitos pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), com a participação de consultores contratados, foram assinados os Contratos de Concessão entre a ANP e a Petrobrás, sobre 115 blocos dos 133 originalmente requeridos. A área da Bacia de Santos que ficou posteriormente conhecida como “cluster”, abrangia o Bloco BS-300 e não fora incluída na “Rodada Zero” pela ANP, desconhecendo-se as razões para justificar esse procedimento. Já na 2ª Rodada de Licitações, no ano 2000, no entanto, a ANP oferecia em leilão os blocos BM-S-7, 8, 9, 10 e 11, sendo que, com exceção do BM-S-7, os demais constituíam o antigo Bloco BS-300
Conhecedora do potencial da área, a Petrobrás, em parceria com outras empresas, arrematou todos os blocos oferecidos naquela licitação, sendo que apenas no Bloco BM-S-7 a Petrobrás não era a operadora. No Bloco BM-S-10 se situava a locação que a empresa havia proposto quando requereu o antigo Bloco BS-300, em 1997. Portanto, antes da criação da ANP. A perfuração desta locação redundou na descoberta do pré-sal, no prospecto que foi denominada Paraty.
A Petrobrás levou cinco anos estudando a tecnologia necessária para essa descoberta, ocorrida em 2006. A perfuração durou um ano, ao custo total de US$ 260 milhões. Que outra companhia teria a coragem de efetuar tal proeza? Se não aquela que tinha conhecimento de causa? E sabia o que queria?
Alguém ainda acha que foi a criação da ANP que resultou na descoberta do pré-sal??? E os outros 245 prospectos requeridos pela Petrobrás? Que fim levaram?
Só se for o FHC, que teve a petulância de escrever um artigo no dia 7 de setembro de 2008, publicado no Jornal O Globo, outorgando a si este mérito, com a criação por ele, da ANP. Esqueceu de dizer no artigo, de seus compromissos assumidos com o Diálogo Interamericano, em diversas reuniões que compareceu desde 1982 e na última em março deste ano, na qualidade de Diretor.Estes compromissos com o “Diálogo”, que usava o FMI – Fundo Monetário Internacional – como executor, o levaram a quebrar o Monopólio Estatal do Petróleo, vender 36% das ações da Petrobrás na Bolsa de Nova York por menos de 10% do seu valor real e tentar desnacionalizar a empresa, visando a sua privatização.
(Por João Victor Campos*, Agência Petroleira de Notícias, 07/07/2009)
* João Victor Campos é diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)