Lula enxuga o suor empoeirado da testa. Sol causticante faz com que o refugio da aldeia/maloca se transformasse num Oasis da caravana da Cidadania em Roraima. Década de oitenta. Lula, candidato à presidência da República, vai conhecendo o Brasil profundo e sofrido. O Brasil raiz. Os povos indígenas de Roraima, lutam pela terra e dignidade. A terra Yanomami e da Raposa Serra do Sol são os maiores desafios.
Lembro quando entreguei pessoalmente, em 2002, como secretário do Cimi, ao então candidato Lula, a proposta da entidade para uma nova política indigenista. Sorriu quando folhou o álbum de fotos em que recuperávamos a memória dos momentos dele com os povos indígenas, desde a década de oitenta. Talvez tenha sentido orgulho daqueles momentos estratégicos e combativos. Na proposta o Cimi colocava como urgentes quatro ações: Realização de uma grande Conferência Nacional dos Povos Indígenas, para definir coletivamente a política indigenista do governo.
Essa Assembléia aconteceu somente no ultimo ano do primeiro mandato. A homologação da Raposa Serra do Sol, que só aconteceu no segundo ano do segundo mandato. Logo em seguida, foi liminarmente suspensa e só neste ano o Supremo Tribunal Federal validou a homologação e demarcação em área contínua. A criação do Conselho Nacional do Política Indigenista. Continua na promessa, para ser criado antes do final do atual mandato. Estatuto do Povos Indígenas, que ainda está para ser aprovado.
Redescobrindo os povos indígenas
Século 21. Faltam menos de um ano e meio para o termino do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Está em primeiro lugar no ranking dos presidentes. Suas viagens pelo mundo são freqüentes. Porém as aldeias não mais estão em seu roteiro.. As dívidas para com os povos indígenas continuam. As dúvidas também. A proximidade do final do segundo mandato parece despertar a memória do compromisso assumido com os povos indígenas, de Roraima ao Rio Grande do Sul. E uma situação em especial soa constrangedora: o grande Povo Guarani. Das reduções à resistência, da infinda paciência à volta à terra, a violência e inúmeras mortes. Será isto razão para dor de consciência?
A presença de Renato Simões, secretário da Secretaria de Movimentos Populares do PT, no Mato Grosso do Sul, parece sintomática e emblemática. Não dá mais para adiar. Ou resolve de vez a questão das terras Guarani ou a situação de genocídio estará irremediavelmente inscrita na historia do partido e do governo Lula. Depois da solução de Raposa Serra do Sol, agora é a vez do Mato Grosso do Sul e das terras Guarani em especial. O tempo urge. Cada dia que passa diminuem as chances de resolver a questão. E disso parecem estar bem conscientes as altas instâncias do poder, que tem a ordem do presidente de resolver o problema. As presenças de autoridades no Estado, e os deslocamentos dos setores do agronegócio e representantes indígenas para Brasília fazem parte dessa decisão. Enquanto no Ministério da Justiça se discutia as alternativas para os títulos de propriedade incidentes nas terras indígenas, o PT promovia em Campo Grande um debate para definição de suas estratégias e compromissos com os povos indígenas no Estado.
Tudo indica que está em curso um efetivo processo de solucionar a questão das terras indígenas em caráter de urgência. Resta saber como superar a virulência anti indígena com a racionalidade de um diálogo eficaz e superação de preconceitos, racismo e dominação secular dos povos indígenas da região.
Renato Simões, em suas colocações iniciais reconheceu que houve um retrocesso no PT com relação aos povos indígenas, pois na década de oitenta havia no partido uma secretaria para tratar especialmente da questão indígena. Hoje apenas sobrevivem alguns setoriais indígenas em alguns estados, dentre os quais no Mato Grosso do Sul. Porém conforme seu coordenador, o indígena Sander, está no anonimato, quase sem condições de efetivamente funcionar. Simões também ressaltou que a virulência da ofensiva da direita e sua estratégia para impedir a demarcação das terras indígenas neste estado tem impedido a definição de uma estratégia do PT com relação ao tema. Porém isso está ocorrendo somente agora, com um esforço conjunto em todos os níveis, desde o diálogo com as comunidades, até os representantes no Legislativo e Executivo. Além disso está se buscando uma interlocução e diálogo com os movimentos da sociedade e com as Universidades.
O deputado Pedro Kemp falou do terror implantado pelos interesse do agronegócio juntamente com o governo do Estado, com o intuito de inviabilizar os direitos indígenas às suas terras tradicionais. Lembrou que após essa guerra mediática contra os índios, finalmente parece que está se caminhando para um espaço de negociação que permita a conclusão do processo de identificação e demarcação das terras indígenas. Lembrou uma passagem tétrica do governador, que ao se referir à duplicação da rodovia que corta a Terra Indígena Dourados, teria dito que agora vai ser resolvido o problema dos índios, pois muitos irão morrer, atropelados.
Diante da cobrança de vários dos presentes, como Sisa, a filha de Marta Guarani, que disse não entender porque o PT ficou tão omisso , ficou aprovado que se faria um documento que expressasse de forma clara o posicionamento do partido. Nito Nelson Guarani pediu a Renato Simões que levasse a dor de seu povo ao governo federal, e que acelerasse a demarcação das terras. Lembrou da violência a que estão submetidos, e total impunidade "os assassinos dos índios estão livres e muitas de nossas lideranças estão na cadeia"
Ficou decidido a realização de uma plenária estadual sobre a questão indígena, a publicação de um documento explicitando a posição do partido, além de assumir a agenda colocada para o mandato Lula de criar o Conselho Nacional da Política Indigenista, aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, demarcar as terras Kaiowá Guarani e organizar setoriais indígenas nos estados que ainda não tem e em nível nacional.
(Por Egon Dionísio Heck*, CIMI / Adital, 07/07/2009)
* Assessor do Conselho Indigenista (CIMI) no Mato Grosso do Sul