Em meio a mais grave crise que afeta a siderurgia mundial em décadas, o setor no Brasil elabora um estudo que visa apontar diretrizes para nortear seus rumos nas próximas décadas. O horizonte é de longo prazo, 2025. A proposta envolve desde formação de recursos humanos a novas tecnologias na cadeia produtiva, uso de novas fontes de energia nos processos, como a biomassa, e até como alavancar o consumo de aço no país. O Brasil, como se sabe, tem ainda um dos mais baixos índices per capita de consumo do mundo - pouco acima de 100 quilos.
A iniciativa, lançada em 2007, quando o setor ainda vivia a bonança global da demanda, é um sinal de preocupação com o que se defrontará no futuro e como isso pode afetar a competição das usinas brasileiras. Siderúrgicas de países europeus e do Japão buscam se proteger, com programas já avançados, enquanto a China entra agressivamente nos mercados mundiais, exibindo, em certos casos, elevados padrões tecnológicos: vai de simples equipamentos a altos-fornos e até automóveis.
O estudo reúne desde representantes das siderúrgicas, por meio do IBS e da Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração (ABM) até órgãos de governo, como os ministérios do Desenvolvimento (MDIC) e da Ciência e Tecnologia (MCT), via contrato com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). E acadêmicos da PUC-RJ. Cerca de 50 pessoas já estão envolvidas com o trabalho.
O Estudo Prospectivo do Setor Siderúrgico, como foi nomeado, engloba várias etapas e até o fim do ano prevê delinear suas linhas gerais. "A meta é olhar cenários possíveis e escolher para onde quer ir o setor, ou seja, traçar o futuro desejado", afirma Fernando Cosme Rizzo Assunção, diretor do CGEE. Em outros países, observa ele, trata-se de uma prática rotineira esses estudos. Japão e países da União Europeia, informa José Carlos D´Abreu, professor da Puc-Rio, já estão com desenvolvimentos em estágio de experiências-piloto e até em escalas industriais.
A siderurgia brasileira, com 33,7 milhões de toneladas produzidas no ano passado ocupa o nono lugar no ranking mundial, porém representa menos de 7% do que fabricou a China. Dispõe de um dos parques industriais mais modernos do mundo, por conta de pesados investimentos pós-privatização e faz de aços planos e longos comuns a especiais em inox e para o setor automotivo. Tem um dos menores custos mundiais de produção.
Foram selecionados 30 temas, em três pilares: competitividade, sustentabilidade e responsabilidade social. As abordagens passam por avanço tecnológico, eficiência energética, "siderurgia verde" com uso de novos tipos de carvão vegetal até estratégias para elevar o consumo de aço no país. "No futuro, a siderurgia tem de ser sustentável, competitiva e se pautar na norma 26.000, de responsabilidade social. Não será mais possível comprar carvão de quem usa mão de obra infantil ou madeira de mata nativa", diz Marcelo de Matos, consultor da CGEE.
O principal objetivo do estudo, explicam todos, é que o setor se prepare para não ser pego de surpresa. De uma hora para a outra, poderão surgir tecnologias de última geração que tornarão obsoletas as atuais e levarão empresas locais à perda de competição no mercado mundial. "Temos de ficar vigilantes", afirma o professor D'Abreu. "Esse estudo é fundamental para não sermos ultrapassados pelas grandes nações da Europa, pelos EUA, pela China e Japão" acrescentou Karlheiz Pohlmann, presidente da ABM.
Para se obter êxito, observa D´Abreu, é preciso uma ação coordenada de governo, empresas e academia. "A crise surge como uma oportunidade." Ele aponta dois problemas cruciais a serem vencidos: consumo energético (elevado no setor, que utiliza matriz energética grande) e as emissões de CO2. Revela que Japão e outros países da Ásia já tem ações avançadas para superar essas questões: onze instituições de pesquisas e cinco grupos empresariais criaram um projeto há nove anos.
Em 2004, na mesma trilha, a Europa criou o ULCOS, que visa gerar 50% menos de CO2 até 2020. São 48 instituições envolvidas, incluindo um Comitê de Siderurgia. Os gastos iniciais foram orçados em € 65 milhões. "Isso significa que querem manter liderança e competitividade internacional", afirmou. Para o professor, o Brasil tem a oportunidade de construir um grande projeto, usando suas vocações. Uma delas está no início da cadeia do aço: as ricas jazidas de minério de ferro, que propiciam desenvolver novas formas de matérias-primas. Europeus e americanos dominam a tecnologia (engenharia de equipamentos) e a fase final, onde se destacam os produtos de consumo (automóveis, bens eletrodomésticos e máquinas).
Com o tema "Desafio e Propostas para o Futuro da Siderurgia", as linhas gerais do estudo - o que foi feito e próximos passos - serão apresentadas nesta quinta (16/07) no último dia do 64º Congresso da ABM, em Belo Horizonte.
(Por Ivo Ribeiro, Valor Econômico, 16/07/2009)