A tradicional casa de leilões inglesa Sotheby's, que há dois anos trouxe ao Brasil seu braço imobiliário, acaba de abrir uma divisão para negociar terras no país - a primeira do mundo com esse foco entre os 540 escritórios da companhia espalhados por 39 países. A multinacional quer vender terras produtivas ou com forte potencial agrícola de olho no crescente interesse de grupos estrangeiros em fazer investimentos em países voltados para a agricultura.
A Sotheby's escolheu a cidade de Campo Grande (MS) para sediar o seu primeiro escritório de agronegócios. "O Brasil tem um potencial enorme e as melhores condições de receber investimentos produtivos", diz Hélio Vasconcellos Netto, sócio-diretor do novo escritório ao Valor. A crise gerou boas oportunidades no segmento, avalia Netto. "Há grupos com dinheiro procurando negócios neste momento", afirma, acrescentando que há tanto margem para crescimento do negócio agrícola, quanto para a valorização imobiliária.
Nos últimos três meses, fase de prospecção antes da abertura do escritório no país, a Sotheby's fechou a venda de quatro fazendas, por R$ 40 milhões no total. A empresa espera encerrar o ano com um volume de negócios de R$ 100 milhões, o equivalente a 10% do faturamento estimado para a área imobiliária da casa de leilões no Brasil, que agora conta com cinco escritórios.
Estagnado nos últimos meses por causa da crise financeira global, o mercado de terras agrícolas começou a se recuperar recentemente no Brasil, segundo analistas ouvidos pelo Valor. "Os compradores voltaram a prospectar terras agrícolas, mas ainda são poucos os negócios fechados", afirma Jacqueline Bierhals, analista de mercado de commodities e terras da consultoria AgraFNP. Entre os atuais interessados, há investidores chineses e argentinos de olho no potencial agrícola do Brasil. "Por enquanto, apenas sondagem, não houve registro recente de negócios", afirma uma fonte de mercado.
A empresa de terras Radar, controlada pelo grupo Cosan, que ficou de fora do mercado durante a crise, está retomando seu apetite por aquisições. "Estamos olhando áreas na região do Mato Grosso", diz Ricardo Mussa, presidente da empresa, que durante a entrevista estava visitando fazendas na região do Centro-Oeste. "Achava que os preços estariam mais baixos, mas não mudaram muito se comparado com antes da crise."
De fato, os preços das terras no país não recuaram desde que a crise financeira global foi deflagrada, a partir do terceiro trimestre de 2008. "Todos apostavam em queda brutal dos preços das terras agrícolas a partir do último trimestre de 2008, quando a crise estourou", observa Jacqueline.
As cotações médias das terras registraram um leve recuo no fim do ano passado, de 2,2%, mas nos últimos meses as propriedades rurais mostraram-se resistentes a quedas mais acentuadas, segundo a AgraFNP. A recuperação das cotações internacionais das commodities agrícolas, sobretudo os grãos, e a retomada de investimentos estrangeiros no país, em regiões consideradas fronteiras agrícolas, ajudaram a sustentar os preços das propriedades.
O preço médio das terras brasileiras ficou em R$ 4.393 o hectare no bimestre março/abril, de acordo com último levantamento da consultoria, um ligeiro aumento 0,5% sobre janeiro/fevereiro. Um novo levantamento deverá ser divulgado no início de agosto. Em relação aos últimos 36 meses, a valorização média das terras foi de 42,9%. Já nos últimos 12 meses, a valorização média foi de 2,5%. A região Sul registrou maior alta média em 36 meses, de 49%, seguida pelo Centro-Oeste, de 48,7%. A região Sudeste teve aumento de 36% no mesmo período.
As terras brasileiras atraem tanto os investidores brasileiros quanto os estrangeiros. Na avaliação de Fábio Rossi, diretor e representante da Sotheby's no Brasil, a maioria dos compradores deve ser investidores nacionais, mas pelo menos 30% dos interessados devem ser estrangeiros. "Mais do que a busca pelo patrimônio em si, existe uma procura por terras produtivas e lucrativas, que garantam renda", afirma Rossi. "Eles querem aproveitar a tecnologia e fazer parceria com os produtores locais. Ninguém quer ir para o campo e comprar terra bruta", completa Netto.
Até o momento, os pecuaristas são mais representativos em quantidade de propriedades rurais disponíveis. Mas em termos de volume de negócios, as terras para cultivo de soja, cana-de-açúcar e reflorestamento saem na frente. Além das culturas tradicionais, surgem fazendas com plantio mais exóticos, como a lichia, por exemplo.
"O importante é avaliar o tamanho da propriedade, a vocação e a logística de transporte do produto", diz Rossi, que não recomenda, por exemplo, a compra de uma fazenda de cana que fique a mais de 30 quilômetros de distância de uma usina ou uma fazenda de gado que esteja a mais de 50 quilômetros de um abatedouro. Os Estados mais procurados, de acordo com Rossi, são São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.
A demanda atual é por terras que cultivam grãos, uma vez que as cotações das commodities estão mais atraentes, segundo a consultoria AgraFNP. "Não há, no momento, interesse por áreas para plantio de cana e reflorestamento, cujos setores estão em baixa", afirmou Jacqueline. Mussa, da Radar, acredita que há muitos agricultores endividados. "Daí saem os grandes negócios", afirma. Os últimos negócios da Radar foram voltados para o mercado de cana, principal foco da Cosan. No entanto, o grupo não descarta fazer investimentos nas fronteiras agrícolas da região do Mapito (Maranhão, Piauí e Tocantins) e também no oeste baiano. Essas áreas têm forte vocação para o plantio de grãos, que estão com preços valorizados.
No segundo semestre do ano passado, alguns fundos foram criados por investidores estrangeiros para adquirir terras agrícolas no Brasil. Com a crise, muitos recuaram ou mesmo mudaram o foco de negócios por conta da estagnação do mercado. "Estamos consolidando nossas recentes aquisições e não pretendemos, pelo menos, por enquanto realizar novos negócios", disse um executivo de um fundo criado para compras de terras.
(Por Daniela D'Ambrosio e Mônica Scaramuzzo, Valor Econômico, 16/07/2009)