A sobra de energia elétrica provocada pela retração da economia nacional já equivale a quase um Complexo do Rio Madeira (que inclui as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio). Antes do agravamento da crise, no ano passado, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) previa uma carga de demanda de energia da ordem de 55.504 megawatts (MW) médios para 2009. Com o recuo do consumo, esse número foi revisado para 52.422 MW médios - uma queda de 3.082 MW médios (quando prontas, as usinas do Madeira terão 4.115 MW médios).
Os dados constam do último Plano Anual de Operação Energética (PEN) 2009, referente ao primeiro quadrimestre. Os cálculos do ONS são baseados na premissa de que o Produto Interno Bruto (PIB) do País crescerá 2% em 2009 e 4,1% ao ano no período de 2010-2013. A próxima revisão deverá ser concluída em setembro e não será surpresa se o ONS fizer novos ajustes.
Ao contrário da recuperação que houve nos meses de fevereiro e março, a partir de maio a demanda de energia ficou abaixo dos 50 mil MW médios. Em seu relatório mensal, o operador do sistema afirma que "os sinais de recuperação do setor industrial ainda não foram observados no total da carga de energia."
"O consumo da indústria sofreu muito com a crise mundial. Só em junho, a demanda de energia do setor ficou 12% menor comparada a igual período do ano passado", afirma o presidente da Comerc Energia, Marcelo Parodi. Um exemplo disso, diz ele, é o preço da eletricidade no mercado spot, que está em torno de R$ 30 o MW/hora. Esse preço reflete os níveis de oferta e demanda de energia no mercado. Qualquer risco de desabastecimento de eletricidade joga esse preço nas alturas.
Ele destaca que a sobra de energia verificada neste início de ano elimina o risco de um novo racionamento no País. Antes da crise mundial, havia um grande temor de que o País pudesse ter graves problemas de abastecimento nos anos de 2011 e 2012. Agora esse risco desapareceu. De acordo com o relatório do ONS, nesses dois anos, a sobra de eletricidade será de 2.332 MW médios e 2.253 MW médios, respectivamente. Em 2013, a sobra poderá atingir 5.200 MW médios, já que espera-se que as usinas do Madeira comecem a entrar em operação.
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Nivalde Castro, vê o lado bom dessa redução dos níveis de demanda. Na avaliação dele, isso evitará que uma série de usinas movidas a óleo diesel e óleo combustível entrem em operação e impactem as tarifas de energia. Nos últimos anos, com a escassez de hidrelétricas para leiloar e uma expectativa de aumento constante do consumo, o governo leiloou uma série de usinas térmicas. Normalmente essas unidades ficam paradas e apenas entram em operação em casos extremos. Quando acionadas, algumas cobram quase R$ 1.000,00 por MWh.
Na opinião do presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Ricardo Lima, mais uma vez o País é salvo do risco de desabastecimento por causa da queda na demanda. Esse alívio deve ser visto como uma oportunidade para planejar a expansão do setor elétrico. "Se o País voltar a crescer forte, em pouco tempo toda essa sobra vai embora", diz Lima, destacando que as hidrelétricas demoram anos para sair do papel.
(Por Renée Pereira, O Estado de S. Paulo, 13/07/2009)