Nos domínios da Mata Atlântica estão concentradas as maiores cidades e as principais atividades econômicas do país. Isso, no entanto, não significa que uma empresa pensando em investir nesta gigantesca área encontre com facilidade informações para planejar o empreendimento. Buscando preencher lacunas de informação, foi lançado na sexta (10/07) o GeoAtlântica, uma das mais completas bases de dados já feitas sobre a ameaçada floresta.
A ferramenta foi elaborada pelo Instituto Bioatlântica, organização não-governamental que tem entre seus fundadores companhias do setor papel e celulose, como a Aracruz e Suzano, além da Petrobras. O GeoAtlântica foi organizado como um mapa interativo na internet que congrega inventários mais recentes sobre a cobertura por unidades de conservação, remanescentes florestais e dados sócio-econômicos do bioma. As informações estão divididas entre quatro corredores de ações de conservação: Serra do Mar, Central da Mata Atlântica, do Vale do rio Doce e Costeiro Marinho.
“Imaginamos que os dados vão funcionar como suporte à tomada de decisão”, diz o diretor do Intituto Bioatlântica, Beto Mesquita. Sua expectativa é que a ferramenta seja usada por empresas, ONGs e administradores públicos. Para ilustrar, ele dá o exemplo de um empreendedor que gostaria de investir em uma cidade no interior do Rio de Janeiro e precisa saber a situação que encontrará durante o licenciamento ambiental . “No GeoAtlântica, ele conseguirá de forma rápida uma série de informações sobre a existência ou não de unidades de conservação municipais naquela área e as condições das prefeituras de analisarem estudos de impacto ambiental”, explicou.
A Petrobras está entre as empresas que adotarão o sistema em seu planejamento. Segundo o gerente de Desempenho em Segurança e Meio Ambiente, Luis Cesar Stano, a estatal sempre viu a ferramenta com bastante interesse, pois boa parte de suas operações está nas áreas de mata e costa atlântica. “O fato de reunir informações de várias fontes torna a ferramenta muito útil. Se nossos técnicos fossem coletar todas estas informações, haveria perda de tempo e também um custo”, pondera Stano.
O gerente da estatal diz que, além da aplicação direta em negócios da empresa, como no planejamento de dutos, o GeoAtlântica ajudará no desenho dos patrocínios a projetos ambientais. Com isso poderia-se evitar a sobreposição de projetos já existentes ou priorizar a escolha de regiões mais carentes de recursos. Perguntado se a nova ferramenta vai ter papel estratégico nos investimentos da Petrobras na camada do pré-sal, Stano afirma que ainda é cedo para dizer. “Não há ainda muitos dados sobre o corredor marinho e eles são os mais difíceis de se obter”, explica.
De olho nas atualizações
Com o lançamento nesta sexta, as bases de dados mais completas do GeoAtlântica são as do Corredor Central da Mata Atlântica e o da Serra do Mar. Nelas, além das relações de áreas protegidas nos níveis federal, estadual e municipal, as fisionomias vegetais e os dados sócio-econômicos, há informações primárias, coletadas em campo. No caso do Corredor Central, há os resultados de pesquisa feito pelo Bioatlântica sobre rede de viveiros florestais e pontos de captação de água.
De acordo com Beto Mesquita, o próximo passo da ferramenta será chegar a este mesmo nível de detalhes para os outros corredores da Mata Atlântica. Para tornar o sistema mais robusto haverá uma atualização constante. Neste ponto, os parceiros do Instituto Bioatlântica vão desempenhar papel-chave, pois serão eles os responsáveis por inserir mais informações na mapa acessível pela internet. O benefício desta política será uma maior transparência e diálogo na relação empresas e sociedade civil. Mesquita cita o caso das empresas de papel e celulose: elas poderão constantemente prover dados sobre a manutenção das reservas legais ou a expansão dos plantios comerciais.
“No GeoAtlântica já há dados que não se encontram nem mesmo no site das empresas”, conta. Portanto, é possível que a ferramenta ganhe as feições de um sistema de monitoramento de fácil acesso ao grande público.
Os criadores da base de dados esperam também que as organizações não governamentais usem o sistema para planejarem suas ações de restauração florestal. Uma visão geral dos corredores com seus remanescentes e áreas prioritárias para conservação facilitaria uma ação para conectar os fragmentos. Um dos parceiros do projeto, a não-governamental The Nature Conservancy (TNC) espera, por exemplo, que o GeoAtlântica ajude a desenhar projetos de recuperação florestal ligados ao mercado de carbono.
Segundo Miguel Calmon, da TNC, tornar-se-á mais fácil mostrar a um potencial comprador de créditos as informações sobre o projeto e, principalmente, os resultados. “Acho que vai se tornar um instrumento de divulgação também, para engajar atores de todos os níveis: poder público, proprietários e outras organizações que, às vezes, estão fazendo trabalhos semelhantes no mesmo território”, ressalta.
Trabalho de três anos
A montagem do GeoAtlântica levou três anos, nos quais o primeiro passo foi o árduo trabalho de coletar os dados. Depois veio a dificuldade de criar parâmetros para que eles pudessem se tornar acessíveis na base hoje vista na internet. Para o coordenador técnico do projeto, Edson Santiami. O desafio foi criar um sistema que possa ser usado de forma simples tanto por tomadores de decisão como pelo público em geral. “Quando começamos a pensar a ferramenta, achávamos que iríamos disponibilizar informações apenas para os parceiros, mas logo vimos que seria importante ser uma fonte aberta a todos”, conta.
Nesta primeira etapa, o GeoAtlântica teve um investimento de 150 mil dólares. O apoio saiu da Petrobras e das ongs The Nature Conservancy e Conservação Internacional. Na próxima semana, um grupo de técnicos da Petrobras terá o primeiro seminário sobre o sistema. Santiami explica que também o Instituto Bioatlântica, que será o gestor do sistema, está criando cadastro de responsáveis nas empresas para que elas passem já a inserir novos dados no mapa.
Calmon, da TNC, acha que quando o sistema estiver de fato ativo, ou seja quando as atualizações estiverem a todo vapor, o diálogo entre poder público, sociedade civil e empresas vai se fortalecer. “Na verdade o diálogo já existe, porque para ter um sistema tão aberto, com tantas informações de todas as partes, houve uma processo de construção de confiança”, diz.
(Por Gustavo Faleiros, O Eco, 10/07/2009)