O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, garante que a Terra Indígena Raposa Serra do Sol não será um imenso vazio demográfico sem utilidade, conforme manifestado por algumas autoridades políticas e militares durante a discussão na Justiça que resultou na confirmação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da área de 1,7 milhão de hectares em Roraima, como de usufruto exclusivo dos índios.
O Estado pretende estimular na reserva o chamado etnodesenvolvimento, um modelo pelo qual a população indígena participa como protagonista na definição do destino dos recursos investidos. "No caso da Raposa Serra do Sol, isso significa que os índios podem até desenvolver dentro de suas terras atividades como agricultura mecanizada. Os indígenas de lá já têm uma atividade pecuária, com cerca de 40 mil cabeças de gado, que poderá ser aperfeiçoada e melhorada, se assim desejarem”, explicou Meira.
Em entrevista à Agência Brasil, Meira ressaltou que as terras indígenas são uma “grande contribuição” para a regularização fundiária, a proteção ambiental e a segurança jurídica na Amazônia. Para ele, a tese do suposto vazio demográfico é equivocada já em sua origem “Hoje a Amazônia tem mais de 20 milhões de habitantes e nunca foi um vazio demográfico. Na Raposa Serra do Sol, a população de 20 mil índios está lá há séculos. Os primeiros documentos históricos escritos pelos colonizadores naquela região já se referiam aos índios Macuxi e Wapichana. Essa ideia de vazio demográfico é uma falsa questão para justificar uma colonização muitas vezes abusiva da floresta e dos povos indígenas”, argumentou o presidente da Funai.
O governo federal vai investir ao longo do ano, em parcerias com órgãos estaduais e municipais de Roraima, R$ 24,1 milhões em ações de apoio a atividades produtivas, de cidadania, desenvolvimento social e qualificação da infraestrutura nas terras indígenas Raposa Serra do Sol e São Marcos, por meio do programa Território Indígena da Cidadania, gerido pelo Ministério da Justiça.
“Temos que pensar cada vez mais, no futuro, em como desenvolver programas de etnodesenvolvimento, com a população indígena participando como protagonista. Se muito fizemos nos últimos 20 anos em termos de reconhecimento de direitos, com cerca de 100 milhões de hectares demarcados no Brasil, não é suficiente”, acrescentou.
A continuidade da produção de arroz irrigado, que era explorada pelos fazendeiros que ocuparam por décadas áreas da Raposa Serra do Sol, não deve se viabilizar, ao menos inicialmente. Os produtores receberam, antes de deixar suas posses, multas milionárias por degradação ambiental e essas áreas terão que passar por processos de regeneração. Outra preocupação da Funai na Amazônia é garantir proteção aos grupos indígenas isolados, de maneira a evitar as consequências danosas que um contato com a civilização traria à cultura e à própria sobrevivência destes índios.
Meira também ressaltou a importância de a sociedade brasileira ter mais informações sobre a realidade dos índios e a necessidade da aprovação de um novo Estatuto dos Povos Indígenas. A proposta tramita no Congresso há quase 15 anos sem ter tido a força política necessária para avançar com celeridade. Uma situação que, segundo ele, a ausência de parlamentares indígenas ajuda a explicar.
“Eu espero que nas eleições de 2010 nós possamos ter novamente um deputado federal indígena. É importante a aprovação do novo Estatuto, porque o atual, que é de 1973, precisa se atualizar, até porque a situação da população indígena no Brasil naquela época era radicalmente diferente da de 2009”, defendeu Meira. Entre outro temas, o novo estatuto trataria da proteção ao direito autoral e à propriedade intelectual dos índios.
(Por Marco Antonio Soalheiro e Ivanir José Bortot, com edição de Nádia Franco, Agência Brasil, 12/07/2009)