Era a primavera de 2003 quando Silvino Villasboa morreu, com apenas 11 anos, por envenenamento causado por exalações tóxicas provocadas por produtos agroquímicos utilizados nas plantações de soja próximas da comunidade paraguaia de Pirapey, departamento de Itapúa. É o único dos quais conhecemos o nome, mas, segundo uma nota da agência latino-americana Adital, as crianças em terra guarani continuam morrendo, e muito nascem com mal-formações por causa dos 24 milhões de litros de produtos agrotóxicos utilizados anualmente no Paraguai.
Um país onde 77% das terras – de um total de 406.752 quilômetros quadrados – estão nas mãos de 1% da população, e, a cada ano, 1.250 hectares dessas terras são utilizados para cultivar soja, particularmente a variedade Roundup Ready (da Monsanto), geneticamente modificada para resistir ao herbicida Roundup (este também produzido pela Monsanto, que mantém a liderança de vendas apesar de a suas patente ter caído – em 1994 na Europa e no ano 2000 nos EUA – e de a sua produção ter sido aberta a outras empresas), com o qual ela é abundantemente pulverizada: é um herbicida a base de glifosato misturado com uma substância tensoativa denominada polioxietileno-amina (Poea).
Porém, a mesma tolerância das sementes ao glifosato não é dada aos humanos. A seis anos da morte de Silvino, sua mãe, Petrona Villasboa, se tornou uma dirigente da Coordenação das Organizações de Mulheres Rurais e Indígenas (Conamuri), presentes sobretudo em Itapúa, Canindeyú, Caaguazú e em Alto Paraná, principais departamentos paraguaios produtores de soja.
O seu compromisso social fez sim com que o presidente de centro-esquerda, Fernando Lugo, desde abril (a um ano exato da sua posse), assinasse o decreto nº 1937/09, que ordena medidas para um uso adequado de pesticidas na produção agropecuária. Mas já no mês seguinte, em maio, o senado paraguaio aprovou a lei sobre o "Controle dos produtos fitossanitários para uso agrícola", em clara oposição ao decreto presidencial – isso foi possível porque Lugo, no parlamento, não tem a maioria.
De fato, se de uma parte o decreto presidencial prevê – sobre o controle das plantações a serem fumigadas – a participação do Serviço Nacional pela Qualidade dos Vegetais (Senave) e a dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, a lei votada no Senado dispõe, pelo contrário, que cabe ao Senave apenas a tarefa de registrar e controlar a utilização dos produtos agroquímicos. Um outro dispositivo do decreto de Lugo estabelece a criação de uma faixa florestal a pelo menos 100 metros dos cursos de água e que sirva como barreira que divida os cultivos pulverizados com pesticidas das zonas de aglomerações urbanas.
Isso se deve a uma pesquisa da Sociedade Paraguaia de Pediatria, realizada entre março de 2006 e fevereiro de 2007 em Itapúa, que descobriu que 40% das crianças nascidas de mães que entraram em contato direto ou indireto com agrotóxicos nasceram com mal-formações, mulheres que, durante a gravidez, viviam a menos de um quilômetro dos cultivos de soja. A lei do Senado, ao invés, reduz para 50 metros de distância a faixa protetora de bosques e torna flexível a normativa com relação à utilização de produtos químicos tóxicos.
Enfim, uma lei totalmente a favor dos grandes produtores de soja que tornará ainda mais difícil as condições de vida dos agricultores e dos índios guaranis. O choque entre os dois poderes do Estado gera expectativas, e muitos se questionam o que Lugo fará no fim, se assinará ou rejeitará essa norma legislativa a favor do seu decreto, desafiando a ameaça de greve dos latifundiários.
(Por Marina Zenobio, com tradução de Moisés Sbardelotto, Il Manifesto / IHUnisinos, 10/07/2009)