O Brasil conseguiu melhorar o alcance da prestação dos serviços de coleta e de tratamento de esgoto com a retomada dos investimentos no setor, desde a criação do Ministério das Cidades, em 2003, mas não avançará sem o engajamento das prefeituras. Essa é a constatação do Instituto Trata Brasil que avaliou os serviços prestados em 79 cidades brasileiras, com mais de 300 mil habitantes. “São as cidades que apresentam os maiores problemas sociais decorrentes da falta dos serviços e que concentram cerca de 70 milhões de pessoas no País”, afirmou o Raul Pinho, presidente do Instituto Trata Brasil.
O estudo revelou que entre os anos de 2003 e 2007 houve um avanço de 14% no atendimento de esgoto nas cidades observadas e de 5% no tratamento. Ainda assim são despejados no meio ambiente todos os dias 5,4 bilhões de litros de esgoto sem tratamento algum, gerados nessas localidades, contaminando solo, rios, mananciais e praias do País, com impactos diretos à saúde da população. A base de dados consultada para apontar esse avanço foi extraída do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS), divulgado pelo Ministério das Cidades, e que reúne informações dos serviços de água e esgoto fornecidas espontaneamente pelas empresas prestadores dos serviços nessas cidades. A série se encerra em 2007, sendo a última e mais atualizada informação oficial que o País dispõe, divulgada pelo Ministério das Cidades, dia 23 de abril deste ano.
Para Raul Pinho, esse avanço é um reflexo não só da retomada dos investimentos com a criação do Ministério das Cidades, mas também da prioridade dada ao saneamento, especialmente com relação ao esgoto, como política de Estado, a partir de 2007,” afirma o especialista.
Segundo ele, o primeiro passo do levantamento, iniciado em 2003, foi detectar o nível de cobertura de água e o volume de esgoto gerado pela população em cada uma dessas cidades. Depois dessa análise, foram avaliados indicadores relacionados à oferta dos serviços, à eficiência dos operadores – municipais, estaduais e privados -, a política tarifária praticada e os investimentos feitos no período. Para cada indicador, o estudo estabeleceu um ranking, ano a ano, de evolução dos serviços nessas 79 localidades.
O estudo considerou população total atendida com água tratada e com rede de esgoto; tratamento de esgoto por água consumida; índice total de perda de água tratada, o que demonstra a eficiência do operador, calculado com base nos volumes totais de água produzida e de água faturada, tarifa média praticada nos serviços, que corresponde a relação entre a receita operacional direta do prestador do serviço e o volumes faturados de água e de esgoto na cidade, além do volume de investimentos em relação à geração de caixa dos sistemas, compreendendo a arrecadação sem despesas operacionais.
O resultado final de cada ano foi calculado somando-se a posição de cada cidade em cada indicador. “Em coleta de esgoto e esgoto tratado por água consumida foi adotado peso 2 por serem os indicadores que geram os maiores impactos negativos tanto sociais quanto ambientais”, afirmou Pinho. O mesmo critério foi adotado para os exercícios seguintes com o objetivo de comparação dos avanços e retrocessos de cada cidade durante os cinco anos de observação.
Melhores x piores no saneamento
Tanto entre as dez cidades brasileiras que apresentam os melhores indicadores quanto entre as piores, estão operadores municipais, estaduais e privados. “Com esse quadro, podemos concluir que não é o modelo de gestão que determina a prestação eficiente, pois existem bons e maus operadores nas três situações observadas.O que faz a diferença é a prioridade política e a importância que tanto os gestores públicos quanto a própria população dedica ao saneamento cobrando uma prestação de serviços eficiente e de qualidade, afirma Pinho.
O ranking mostra que no conjunto dos indicadores avaliados, estão entre as melhores cidades do País:
- Franca (SP), primeira colocada, com operação estadual e população de 319 mil de habitantes;
- Uberlândia (MG), em segundo, com operação municipal e população de 608 mil de habitantes;
- Sorocaba (SP), em terceiro, também com operação municipal e população de 559 mil de habitantes;
- Santos, litoral paulista, na quarta posição, com operação estadual e população de 418 mil de pessoas;
- Jundiaí (SP), em quinta no ranking, com operação municipal e população de 342 mi de habitantes;
- Niterói (RJ), em sexta posição, com operação privada e população de 474 mil de pessoas;
- Maringá (PR), com operação estadual e população de 325 mil pessoas;
- Santo André (SP), com operação municipal e uma população de cerca de 667 mil pessoas;
- Mogi das Cruzes (SP) com população de 362 mil de pessoas e operação municipal;
- e Piracicaba (SP), com aproximadamente 358 mil habitantes e também com operação municipal na prestação dos serviços.
Entre as melhores cidades estão três com operações estaduais, seis com operações municipais e uma com operação privada.
Para se ter uma idéia do que fez com que essas cidades ocupassem os primeiros lugares no ranking, todas realizaram investimentos contínuos nos serviços de coleta e de tratamento de esgoto, no período avaliado. A cidade de Uberlândia é um dos exemplos: em 2003 foi a 51ª colocada - penalizada pelo fato de não ter fornecido as informações para o SNIS - tendo saltado para a segunda posição em 2007 como resultado da adoção de uma política contínua de investimentos anuais da ordem de 50% do caixa gerado pela operação do sistema. O mesmo aconteceu com Franca, que ocupava a 25ª posição, em 2003, e investiu 203% no primeiro ano da série, mantendo regularidade de investimentos da ordem de 115% em 2004, 335% em 2005, 334% em 2006 e 290% em 2007.
O estudo observou que a tarifa média praticada nessas cidades está entre as mais baixas quando comparada com a praticada nas 10 piores cidades relacionadas no ranking. “Há uma sinalização clara que o nível tarifário praticado não significa, necessariamente, priorização de investimentos em serviços de esgoto. Identificamos que municípios com tarifa mais baixa tem investido muito mais do que os que praticam uma tarifa mais alta”.
Como exemplo a cidade de Florianópolis (SC), que em 2003, estava entre as 10 melhores no ranking caiu para a posição 34, em 2007, enquanto a tarifa média praticada na cidade, no mesmo período subiu de R$ 1,59 para R$ 2,39. Os investimentos não acompanharam o crescimento e a demanda da cidade pelos serviços e, inclusive sofreram retração tanto em termos nominais, ou seja, em reais investidos por ano no sistema, quanto em relação ao caixa gerado pela operação do sistema tendo passado de 82% em 2003 para 21% em 2007, apesar do aumento da tarifa, explicou Pinho.
A cidade do Rio de Janeiro, com operação estadual, que ocupava a primeira posição no ranking, em 2003, entre as melhores, com 57% de esgoto tratado por água consumida, foi perdendo posição ao longo dos cinco anos de observação e ocupa em 2007 a 36ª posição, tratando 60% da água consumida pela população de cerca de 6 milhões de habitantes.
As dez últimas cidades no ranking refletem a mesma situação observada em Florianópolis (SC), com a falta de investimento ou a queda progressiva ano a ano, no período observado. Estão entre as piores:
- Macapá (AP), com população de 344 mil habitantes;
- Canoas (RS), que abastece com água 93% da população de cerca de 326 mil habitantes e atende apenas 13% com coleta de esgoto;
- São João do Meriti (RJ), com 0% de cobertura de esgoto e uma população de 464 mil pessoas;
- Jaboatão do Guararapes (PE) com apenas 14% de atendimento de esgoto a uma população de 665 mil pessoas;
- Belém (PA) com mais de 1 milhão de habitantes e 6% de atendimento com serviço de esgoto;
- Cariacica (ES), com população de 356 mil habitantes e atendimento a 14% com esgoto;
- Porto Velho (RO) com 0% de esgoto tratado para uma população de 369 mil habitantes;
- Nova Iguaçu (RJ) sem serviço de esgoto, assim como Duque de Caxias e São Gonçalo, também no Estado do Rio de Janeiro que ocupam a última posição.
“O modelo de gestão - estadual, municipal ou privado -, por si só não é garantia de eficiência e qualidade na prestação dos serviços nem de posição no ranking, pois as dez últimas cidades ranqueadas em 2007 são operadas por concessionárias estaduais de saneamento”, ressalta o especialista. Do total das cidades observadas, 56 concentram operações estaduais, 18 municipais e cinco privadas.
Conformidade ambiental
Em Conformidade Ambiental (volume de esgoto tratado por água consumida), as melhores colocadas no ranking, de acordo com as informações disponibilizadas pelo SNIS 2007, são as cidades de Jundiaí, Salvador e Niterói e as piores são Guarulhos, Bauru, Porto Velho e Ananindeua, além das cidades da Baixada Fluminense, que já despontam entre as últimas do ranking.
Nos casos em que os operadores não prestaram contas ao SNIS, as cidades foram rebaixadas para último no ranking, nos indicadores não fornecidos. Isso aconteceu em cidades como Nova Iguaçu, Duque de Caxias e São Gonçalo, no Rio de Janeiro, com operação estadual, que não disponibilizou, em vários exercícios, suas informações ao Ministério das Cidades.
Em casos de empates, as cidades foram ranqueadas na mesma colocação. No atendimento de água, as cidades de Maringá (PR), Bauru (SP), Campina Grande (PB), Santos (SP), Niterói (RJ), Cuiabá (MT), Ribeirão Preto (SP), Sorocaba (SP), Uberlândia (MG) Santo André (SP), Campo Grande (MS), Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA) e Rio de Janeiro (RJ), alcançaram a universalização do serviço, em 2006, atingindo cobertura de 100% dos moradores. As cidades que informaram atendimento a 99% da população, casos de Pelotas (RS), Piracicaba (SP), Contagem (MG), Osasco (SP), Natal (RN), Curitiba (PR) e Brasília (DF) ocuparam a 16° posição neste indicador.
Desperdício de água tratada
O desperdício de água tratada observado nessas cidades é ultrajante e acima de 50% em capitais como Porto Velho, Macapá, Teresina, São Luis, Maceió, Manaus e Rio de Janeiro, revela o SNIS 2007. As perdas médias nas cidades contempladas pelo estudo são de 43%. “Nenhuma das capitais apresentam perdas em níveis compatíveis às cidades de primeiro mundo ou em até 20%”, observa Raul Pinho. “Perda é questão de qualidade de gestão e de operação, significa menos dinheiro no caixa das empresas, menos possibilidade de investimentos e pior prestação de serviço à população”, afirma Raul Pinho.
Para o especialista, a redução de perdas e a eficiência na prestação dos serviços causarão impactos imediatos na saúde financeira dos operadores. “Em um País que precisa de R$ 10 bilhões por ano para que toda a sociedade tenha acesso a saneamento básico há que se priorizar a eficiência das operadoras e conseqüentemente os investimentos”.
O Instituto Trata Brasil revela preocupação e prioriza a realização desses estudos sobretudo porque os avanços dos serviços de coleta e de tratamento de esgoto tem que acompanhar o ritmo de crescimento das cidades. “O principal é o engajamento dos gestores das cidades pois, se o operador que no fim é um prestador de serviço não atender é sempre possível mudar. Já, se o Prefeito não priorizar o serviço, na maioria dos casos, o operador sozinho, principalmente quando a prestação é municipal, não tem como resolver”.
Raul Pinho chama atenção ao papel do operador que é o de prestar um serviço público para o município e essa prestação tem que ser estabelecida com metas, com planos de investimentos, com proposta de uma política tarifária definida em contrato. “O cumprimento do contrato deve ser fiscalizado por uma agência reguladora ou entidade independente conforme definido pela Lei do Saneamento 11445. Com cumprimento da Lei e rigor na fiscalização, as próximas gerações deverão contar com os serviços de forma adequada, caso contrário, o problema irá se perpetuar”.
Esgoto no Brasil
- 79 cidades brasileiras observadas no estudo
- 70 milhões de habitantes
- 150 litros de água por dia é o consumo médio do brasileiro
- 80% da água consumida se transformam em esgoto
- 8,4 bilhões de litros de esgoto é o total gerado todos os dias por essa população
- 5,4 bilhões de litros de esgoto é o total de esgoto gerado por essa população que não recebe nenhum tratamento
- Em média, apenas 36% do esgoto gerado nessas cidades recebe algum tipo de tratamento
(Instituto Trata Brasil, 02/07/2009)