O impacto da silvicultura sobre a diversidade do pampa ainda é muito localizado e os efeitos de uma rápida transformação da paisagem estão recém começando. Todavia, questiona-se se as extensas áreas de transformação contínua poderão causar mudanças no padrão de distribuição das espécies. O Rio Grande do Sul está entre os estados que mais usufruíram dos incentivos fiscais para o plantio e beneficiamento de “florestas” plantadas e está entre os estados de maior potencial para o cultivo “florestal”, com destaque reconhecido para o extremo sul do Estado.
O anuário estatístico (2008) da Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas aponta que a área cultivada com pínus e eucalipto no Brasil ultrapassou, em 2007, a marca dos cinco milhões de hectares, com uma participação gaúcha de mais 400 mil hectares, e deve continuar crescendo. Trabalhos mais recentes mostram que a área plantada já é bem maior, com a expectativa de que sejam alcançados, nos próximos 15 anos, mais de um milhão de hectares, apenas na região sul, aproximando-se da atual posição do estado de Minas Gerais que lidera com 22,5% do total de “florestas” plantadas no Brasil.
De outra parte, nunca se perdeu tanta biodiversidade em tempos históricos no mundo como nos últimos 50 anos, com taxas de extinção centenas de vezes acima do nível natural. O Brasil está entre os países que mais têm contribuído para esse índice e, consequentemente, vem sendo cobrado nos fóruns internacionais para adotar medidas efetivas de controle ao atual modelo de “desenvolvimento” que tem se revelado predatório à diversidade dos biomas brasileiros.
O bioma pampa ocupa uma área de aproximadamente 700 mil km², compartilhada pelo Brasil, Argentina e Uruguai, sendo que no território brasileiro se distribui pela Metade Sul do Rio Grande do Sul, abrangendo 176.496 km², o que corresponde a 64% do território gaúcho. O pampa gaúcho é o único bioma brasileiro cuja ocorrência é restrita a somente um estado e que ainda conserva um total de 41,13% da cobertura vegetal nativa (original) ─ 23,03% correspondem a formações campestres, 5,19% a formações florestais e 12,91% a formações de transição - mosaico campo-floresta. Isso quer dizer que mais de 50% do pampa já está alterado ou ocupado de alguma maneira, por alguma atividade ─ pecuária ou agrícola.
Então por que devemos passar a nos preocupar com o avanço de novos cultivos de “floresta” sobre o pampa? Porque a maioria das espécies da fauna e também da flora dos ambientes campestres não sobrevive ao sombreamento do espaço. Elas não estão preparadas, não se adaptam e muitas não toleram espaços sombreados e as que sobrevivem às mudanças procuram migrar para novas áreas ainda abertas.
De maneira que a conversão sem limites de campos em “florestas” pode levar a uma paisagem compartimentada e empobrecida, sem estrutura, com isolamento de habitats, desaparecimento de espécies e de baixa eficiência energética. Atualmente, cerca de 40 espécies de animais que habitam campos estão ameaçadas de extinção no pampa gaúcho, como o veado-campeiro, o lobo guará, o gato-palheiro e aves, como a noivinha-de-rabo-preto, a águia-cinzenta, o veste-amarela e a corruíra-do-campo.
No caso dessas espécies, o cultivo “florestal” não foi o principal fator responsável pela redução de suas populações e sim os usos combinados que historicamente se fazem presentes. No entanto, o avanço sem controle de atividades potencialmente transformadoras da paisagem pode ser determinante na permanência dessas ou de outras espécies no pampa gaúcho.
E o que fazer? Devemos pensar melhor, associar metodologias, elaborar e testar novas técnicas de análise do espaço. Precisamos planejar melhor e decidir com critério as formas de transformar o nosso espaço.
E se vamos investir em uma nova matriz econômica, que seja algo que permita romper o paradigma vigente, de antigos e ultrapassados métodos de produção. Deve ser algo transformador, que além de obediência à legislação, também considere as pressões dos usos já presentes, combinando os fatores que têm feito dessa região um espaço atraente aos investimentos e ao acesso de novos mercados. Uma nova matriz que vise à sustentabilidade, à manutenção da vida e dos serviços prestados pela natureza e que permita inter-relacionar cuidados ambientais, interesses econômicos e preocupações sociais.
(Por Marcelo Dutra da Silva*, Diário Popular / IHUnisinos, 09/07/2009)
* Marcelo Dutra da Silva é professor da Universidade Católica de Pelotas