Rápida expansão das características climáticas tropicais, colheitas ameaçadas por chuvas irregulares e mudanças na Zona de Convergência Intertropical são algumas das conseqüências que já podem ser observadas ao redor do planeta
Uma série de pesquisas divulgadas nos últimos dias deixa claro que a concentração de gases do efeito estufa na atmosfera já está afetando o clima e a vida no planeta e manda um alerta para a reunião do G8: a hora de agir é agora. A ONG Oxfam publicou nesta semana o relatório “O que aconteceu com as estações?” ("What Happened to the Seasons?"), no qual alerta que a fome causada pelo impacto do aquecimento global sobre a produção de alimentos será a grande tragédia do próximo século.
Já pesquisadores da Universidade James Cook, da Austrália, revelaram que as mudanças climáticas estariam causando a rápida expansão da zona tropical do mundo, que teria aumentado cerca de 500 quilômetros nos últimos 25 anos. Em um outro estudo, pesquisadores norte-americanos chegaram à conclusão que a faixa de chuvas próximas ao Equador, chamada Zona de Convergência Intertropical, estaria rumando para o norte, provavelmente por causa do aquecimento global.
Fome
O estudo da Oxfam foi realizado através de pesquisas com agricultores ao redor do mundo, que informaram que as mudanças nos padrões das estações já estariam afetando sua habilidade de planejar o plantio e a colheita. Entre os maiores prejudicados estão os produtores de arroz, a base da alimentação mundial. A previsão é de uma queda de 10% na produção a cada 1° C de aquecimento. Em países como as Filipinas, a cultura pode sofrer um revés de até 70% em 2020.
Enquanto isso, pelo mesmo aquecimento, a China deve conseguir expandir sua área cultivável. Além das zonas temperadas chinesas, a agricultura na Europa e nos EUA também devem se beneficiar com o clima mais quente e com a maior quantidade de chuvas. Porém, o número de pessoas que terão que pagar mais caro pela sua alimentação em regiões como África, Ásia e América Latina aumentará sem precedentes, afirmou a Oxfam.
Trópicos
Cientistas australianos da Universidade James Cook acompanharam medidas realizadas por satélites, balões atmosféricos, modelos climáticos e estudos de temperatura. A partir destes dados, eles observaram que características tropicais já podem ser vistas além da tradicional definição de trópicos, ou seja, a faixa entre o Trópico de Câncer e o de Capricórnio.
Segundo o professor Steve Turton, isso significa também que a zona árida subtropical está sendo empurrada para as áreas temperadas, com conseqüências que podem ser avassaladoras. “Regiões altamente povoadas como o sul da Austrália, Europa Mediterrânea, sul dos EUA e sul da América Latina irão sofrer com secas severas. Se realmente a parte árida subtropical se mover para essas áreas, as conseqüências serão terríveis para os recursos hídricos, ecossistemas e agricultura. Isso traria devastadores efeitos sociais para essas populações”, alertou Turton.
Para a vice-reitora da Universidade James Cook, Sandra Harding, as evidências deixam claro que as mudanças climáticas já afetam os animais e as chuvas na Austrália. Segundo ela, teriam sido alterados os padrões de ventos, que agora estariam segurando as chuvas sobre o oceano e causando a pior seca do século no país. “Existe também evidências de que várias espécies de animais e plantas australianas estão migrando para o sul, perseguindo suas condições climáticas preferidas”, disse Harding.
Chuvas
A Fundação Nacional de Ciência em conjunto com a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional e a Universidade de Washington realizaram uma pesquisa que mostra que a chamada Zona de Convergência Intertropical, responsável pelo abastecimento de água de quase um bilhão de pessoas, estaria migrando rumo ao norte a uma velocidade de 1,4 quilômetros por ano. Depois de analisar os registros de chuva em lagos e lagoas em quatro ilhas do Pacifico próximas ao Equador, os autores chegaram à conclusão que, com o passar dos anos, as condições climáticas nesses locais se alteraram gradualmente. Os resultados foram publicados na edição de julho do periódico Nature Geoscience.
O relatório afirma que o aumento da concentração dos gases do efeito estufa na atmosfera levará a mudanças na faixa de chuvas nos trópicos. “Nós estamos falando do maior complexo de chuvas do planeta, do qual muitas pessoas dependem como fonte de água fresca, já que vivem em locais onde não há água no subsolo”, afirmou o professor de oceanografia da Universidade de Washington Julian Sachs, principal autor do estudo. “Além disso, muitas outras pessoas que vivem nos trópicos poderão sofrer as conseqüências do deslocamento da Zona de Convergência Intertropical, que é um dos fatores que ‘moldam’ a circulação atmosférica do mundo”, informa Sachs.
Hora de agir
Apesar de todos os estudos afirmarem que as conseqüências podem ser ainda piores, eles também são unânimes em avisar que ainda há tempo para ao menos minimizar os problemas. A Oxfam deixou claro que sua intenção de divulgar o relatório às vésperas da reunião do G8 é de fazer com que as nações mais ricas do mundo percebam que está na hora de chegar a um acordo e agir o mais rápido possível. A ONG afirma que ainda há maneiras para aumentar o suprimento de alimentos do mundo. “Cerca de apenas 60% do potencial da agricultura está sendo utilizado. Ainda há terra para todos, mesmo se a população chegar a 9,2 bilhões como é previsto para 2050. Tecnologias no campo também podem ajudar o crescimento da produção mundial”, esclarece o relatório
Já Harding, da Universidade James Cook, disse que é hora do mundo começar a pensar seriamente em soluções para as mudanças climáticas. “Condições tropicais estão se expandindo e o impacto disso será imenso, porque os trópicos são uma grande, complexa e importante zona do planeta”, concluiu.
(Por Fabiano Ávila, CarbonoBrasil, 07/07/2009)