Parauapebas, no sudeste do Pará, é ponto de partida para os 892 Km da Estrada de Ferro Carajás. Os moradores das redondezas apelidaram a cidade de ‘Peba’, mais familiar e simples. Estamos no coração dos investimentos da Vale: o ferro de Carajás, o níquel do Vermelho, o cobre do Projeto 118 e as minas de Sossego (Canaã), Cristalino, Serra Pelada e Serra Leste (Curionópolis), Salobo no município de Marabá e o projeto da Serra Sul. Um radialista da região descreve assim essas terras: “Rios de leite e ribanceiras de cuscuz”, aparentemente o novo Eldorado para centenas de milhares de migrantes. Mediamente 300 mil pessoas por ano desembarcam pelo trem da Vale no município de ‘Peba’: são maranhenses, piauienses, goianos, em busca de trabalho e sorte.
“A cidade está imbuchando”, é a expressão na boca de muitos. Já existem em Parauapebas 40mil famílias sem casa, alojadas em ocupações, morros, áreas de preservação permanente e em outros locais impróprios para residir. Prevê-se que em cinco anos a cidade chegue a ter um milhão e meio de habitantes, mas desde já falta saneamento básico e abastecimento de água. Marabá apresenta os mesmos problemas, multiplicados. E o minério, única fonte de renda da região, garante em Carajás os próximos 200 anos, mas nas outras minas um tempo bem menor (de 15 a 40 anos). O povo comenta: “Estamos carregando uma bomba relógio debaixo de nossos pés”.
Também o trabalho não é propriamente o Eldorado, para quem o consegue: a Vale oferece 26 mil vagas de trabalho, das quais somente 4 mil são empregos diretos: terceirizar é a solução para evitar à Companhia o peso dos processos trabalhistas (hoje mais de 7000 só no Município de Parauapebas!).
As condições de trabalho são infra-humanas: as pessoas acordam antes das cinco de madrugada (o deslocamento é demorado e, sobretudo no inverno, muito difícil) e voltam aos alojamentos somente à noite; alguns trabalham em turnos, tendo que dormir durante a tarde em quartos de 3×4 metros, com outras três pessoas, debaixo de forro baixo e telhado de eternit. No mês de Junho um grupo de trabalhadores exasperados ateou fogo a um desses alojamentos, protestando contra condições insuportáveis. Além disso, nesse tempo de crise a Vale demitiu na região 6 mil pessoas e a Prefeitura outras 2 mil. O gigante começa a mostrar seus pés de barro.
O encontro dos afetados por mineração no sudoeste do Pará (3-5 de julho) juntou vários grupos e movimentos desse extremo da Estrada de Ferro de Carajás; o sentimento comum era preocupação, medo, urgência da articulação e mobilização. Vários chegaram a definir as práticas da Vale como “terrorismo” em relação às populações locais: os novos projetos de mineração na região estão construindo estradas, desviando outras, isolando povoados e famílias, cobiçando a terra dos pequenos agricultores.
Em muitos casos as famílias são conquistadas com indenizações baratas, convencidas a vender suas terras e encontradas, meses depois, a varrer ruas no centro de Parauapebas. Há desproporção entre os meios da Companhia e a resistência do povo: em qualquer encontro público a Vale leva dois ou três advogados e manifesta explicita ou implicitamente seu controle geográfico, econômico, político, mediático e sua fortíssima influência sobre o próprio sistema jurídico.
Em Cristalino, por exemplo, o processo de desterritorialização mexe com famílias que moraram na região por mais de vinte anos: há raízes cortadas violentamente, sem falar da dificuldade de encontrar novas terras para reassentar coletivamente as famílias deslocadas. Em Sossego, as explosões para abrir novas crateras no chão afetam os moradores da área: rachaduras nas casas, cheiro de química no ar, poluição da fauna aquática, estresse dos animais, sem falar das inundações devidas ao acúmulo de rejeito que formam montanhas.
Em Salobo, uma nova vila de trabalhadores acolherá mais de 3 mil homens ao lado de um povoado pobre de assentados (vila Sanção): já se prevê o crescimento imediato de prostituição infantil, violência, álcool e drogas. A Vale investiu qualidade e dinheiro na construção da vila para seus funcionários de alto escalão, mas nenhum centavo foi destinado à melhoria das condições do povoado próximo. Ao contrário: para a implementação do projeto Salobo foi necessário derrubar trezentos castanheiras na área da FLONA, aproveitadas para coleta de castanha pelo povo indígena Xikrin, que vive primariamente de extrativismo vegetal.
Em Curionópolis, a Vale mudou a posição de um marco geodético (marco SL1) para poder englobar em seus projetos de exploração minerária mais uma área (1.800 x 10.000 metros) de direito dos garimpeiros. Muitos outros exemplos levam o povo à saudade do tempo em que ninguém cobiçava suas terras: até 50 anos atrás, na região só moravam indígenas, extrativistas e posseiros. Foi o golpe militar que proporcionou investimentos fortes nas terras do sudeste paraense, abrindo o caminho aos madeireiros, latifundiário e ao monopólio da mineração.
A sucessiva recuperação das terras através parcelas de reforma agrária na região parece ser somente funcional ao sistema: os pequenos agricultores abrem caminho, desmatam e limpam as terras, logo o grande capital volta a recuperá-las juntando aos poucos os cacos de seu grande mosaico de conquista. Desde os anos 60 o mapeamento minerário da região evidenciou onde vale a pena investir: é só questão de tempo, e todas as terras mais preciosas voltarão nas mãos do sistema do saque.
É urgente, portanto, recuperar o controle sobre o território, reforçar as alianças entre movimentos, estudar estratégias de conjunto, levantar o nível do conflito e divulgá-lo para cima do silêncio da mídia convencional. A campanha Justiça nos Trilhos junta-se à articulação local em função de um novo projeto de desenvolvimento na região, que garanta vida e respeito das pessoas, do meio-ambiente e do futuro de nossas terras.
(Por Padre Dário, Justiça nos Trilhos / EcoDebate, 08/07/2009)