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mangabeira unger regularização fundiária desenvolvimento da amazônia
2009-07-08

Após dois anos de pouca ação e muita confusão, o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, resolveu voltar à Universidade de Harvard, nos EUA, onde ensina Direito. Unger atribuiu sua saída à não renovação da licença pela universidade, mas deixa o governo por não conseguir realizar nenhuma das estratégias que imaginou, para o Brasil ou para si próprio. Em conversa na sexta-feira 26, o então ministro informou a Lula que iria trocar o PRB pelo PMDB para concorrer a um cargo eletivo. O presidente foi direto ao ponto: disse que ele teria de deixar o ministério, cuja vaga pertence ao PRB do vice, José Alencar. Aliás, foi por causa de Alencar que o carioca com sotaque americano tinha ido parar ali. Mangabeira já saiu do Planalto demitido.

Estranho no ninho desde o começo, o neto de Otávio Mangabeira fez poucas amizades na Esplanada. Reclamava da falta de interlocutores “no campo das ideias”, já que os políticos em geral o “aborreciam” com pedidos, dizem seus colaboradores. Aparentemente, a frase dita sobre Lula de que este fazia “o governo mais corrupto da história” havia sido superada, e despachava semanalmente com o presidente. Conversava também com Dilma Rousseff, Reinhold Stephanes, Nelson Jobim, e só.

Como a mulher e os quatro filhos permaneceram nos EUA, Unger passava fins de semana solitários na capital. Nos últimos tempos, inventava viagens de trabalho para se ocupar. Numa delas, desentendeu-se com o colega de ministério Gilberto Gil, que havia se oferecido para acompanhá-lo à Bahia. Lá, não gostou da programação agendada pelo cantor e titular da Cultura e bradou que queria “discutir”, não festejar. Mas a principal controvérsia vai continuar sem explicação: sua ligação com o banqueiro Daniel Dantas. Recentemente, o site Congresso em Foco revelou que quatro das mudanças sugeridas por sua secretaria ao relator da MP da Amazônia beneficiavam os interesses de Dantas na região.

Confira, abaixo, a íntegra de entrevista de Unger concedida aos repórteres Sergio Lirio e Luiz Antonio Cintra em 5 de junho. Na conversa, o ministro de curta duração deixa transparecer sua amargura.

CartaCapital - Quais as suas principais funções no cargo?
Roberto Mangabeira Unger -
Quando o presidente Lula me convidou, ele entendia a minha missão como a de formular com projeto conceitual a respeito do futuro do Brasil, visando o horizonte do bicentenário. Concluí muito rapidamente que se eu apenas fizesse isso seria muito grande o risco de o trabalho ficar no papel. Portanto, orientei meu trabalho radicalmente para a construção de um conjunto de propostas e de ações que encarnassem um novo caminho de desenvolvimento para o País.

Entendo que o objetivo é a construção da nossa estratégia de desenvolvimento. Tradicionalmente o Brasil cresce a partir dos setores internacionalizados e favorecidos em sua economia. Esses setores geram um excedente econômico e parte dele é usada para financiar programas sociais. O presidente governa e a nação quer mais do que isso. Quer construir um modelo de desenvolvimento baseado na ampliação de oportunidades econômicas e educativas, um modelo que transforme a democratização de oportunidades para aprender, para trabalhar, para produzir, e que com isso encare o social na maneira de organizar o econômico. Aí vem o primeiro grande problema.

Qual?
Mangabeira -
Para conseguir isso teríamos que fazer o que raramente fizemos em nossa história, que seria inovar em nossas instituições. Primeiro nas instituições econômicas e depois nas políticas. Não basta regular a economia e o mercado, não basta atenuar as desigualdades geradas no mercado recorrendo a políticas sociais. É necessário democratizar a economia de mercado, o que significa reconstruir as instituições que a definem. Não se torna uma economia de mercado mais includente sem reconstruí-la institucionalmente. Todo mundo agora anseia por um crescimento econômico includente, mas não sabe como conseguir esse objetivo. E para conseguir é preciso organizar de maneira diferente da que está organizada a economia de mercado hoje nos países ricos.

Como o senhor vê essa organização?
Mangabeira -
O país mais parecido com o Brasil no mundo é os Estados Unidos. Começa pelo básico, dois países de tamanho igual, fundados na mesma base de povoamento europeu e escravidão africana, multiétnicos e religiosos, cada um mais desigual em seu tipo. Paradoxalmente, nesses dois países a maior parte das pessoas comuns continua a pensar que tudo é possível, são sociedades cheias de aventureiros, pessoas expostas ao risco e pessoas que estão a buscar. E talvez seja essa semelhança mais profunda entre os dois países, mas entre os contrastes, o que me preocupa especialmente em relação a minha tarefa, é o seguinte: um dos efeitos centrais da cultura pública nos EUA é uma idolatria institucional, um fetichismo institucional.

A tendência dos americanos é divulgar que descobriram, no momento da fundação da República, a fórmula definitiva de uma sociedade livre que precisa ser apenas ajustada, de tempos em tempos, sobre a pressão das crises. De acordo com esta ideia, o resto da humanidade ou assimila essa fórmula ou vegeta na pobreza e no despotismo. Nós sofremos um defeito igualmente grave, porém inverso, que é o da cópia institucional; as nossas instituições não são nossas, são como roupa emprestada. Nós importamos as nossas instituições econômicas e políticas, e elas, numa sociedade muito desigual como a nossa, não alcançam o objetivo de incluir e de capacitar as pessoas comuns. Nós teríamos que reinventar.

O senhor tem exemplos dessa situação?
Mangabeira -
Na primeira metade do século XIX, além do grande conflito sobre a escravidão, os americanos tiveram dois outros conflitos formadores. Um sobre agricultura e outro sobre as finanças. Na agricultura rejeitaram o caminho da concentração agrária e constituíram uma forma de agricultura que, no nosso vocabulário contemporâneo, nós chamaríamos de coordenação estratégica descentralizada entre os governos e os fazendeiros familiares e de concorrência cooperativa entre os fazendeiros. Uma agricultura familiar, mas altamente eficiente pelos padrões históricos. Nas finanças tiveram um grande conflito sobre os bancos nacionais, que culminou na decisão de dissolvê-los. Por mais de 100 anos, os bancos nacionais foram proibidos nos EUA e os americanos conseguiram a forma de um sistema de crédito que jamais havia existido no mundo. Quando fizeram isso em agricultura e finanças não estavam regulando o mercado, estavam reorganizando o mercado a serviço da inclusão. É exatamente isso que nós teríamos que fazer em escala muito maior. Não repetir o conteúdo desses exemplos, mas adotando um método.

Qual seria esse método?
Mangabeira -
Faço uma observação sobre a política brasileira, nós temos muito partidos, mas a rigor só temos uma ideia política, e é uma ideia a qual eu me oponho, que eu chamaria a Suécia tropical. Praticamente a única ideia na política brasileira é que todas as grandes alternativas debatidas no curso do século XX foram desacreditadas e derrotadas e, de acordo com essa ideia, sobra só um modelo único, que é o modelo econômico e político dos países ricos do Atlântico Norte. A nossa tarefa seria adaptar esse modelo a nossas circunstâncias e, sobretudo, humanizá-lo por meio de políticas sociais. Daí que a política brasileira veio a ser humanização do inevitável e todo mundo na política brasileira é social liberal ou social democrático. O social é o açúcar e o açúcar é o tema dessa idéia da Suécia tropical.

O meu entendimento é que o povo brasileiro não quer açúcar, o povo brasileiro quer oportunidade, quer botar pra quebrar, criar uma forma de vida que instrumentalize a energia criativa e empreendedora. O atributo mais saliente do Brasil é sua vitalidade e o arcabouço institucional que adotamos, por meio das cópias, ao invés de instrumentalizar essa vitalidade, a suprime. Esse é o problema central do País e agora colocado de forma muito precisa, muito focada, por esse desejo nacional de reconstruir o modelo de desenvolvimento na base das oportunidades. É isso que a nação quer, mas para ter isso ela precisa aprender a fazer aquilo que quase nunca fez, que é, ao invés de copiar, inovar, inovar na maneira de organizar a vida econômica e política, não copiar os países que nos acostumamos a tomar como referencial, europeus e norte-americanos. Esse é o ponto de partida da minha concepção da minha tarefa.

Mas para inovar, eu preciso me compreender nesse contexto planetário. Nos parece que o Brasil nunca definiu metas para ocupar uma posição no mundo.
Mangabeira -
Exatamente, e agora há um sentimento da ascensão do Brasil no mundo, mas falta o conteúdo disto. Eu, como um democrata e experimentalista, não sinto nenhum fascínio pela ideia do Brasil grande, do poder por si. A questão é o que vamos representar aos olhos da humanidade, qual é o nosso caminho, a nossa mensagem, o nosso diferencial. Agora, eu faço outra observação; eu entendo que esse é o alvo, a reconstrução do modelo de desenvolvimento baseada em inovações institucionais. E eu vejo uma base social concreta para isso no País hoje, não é uma mera elucubração doutrinária, é uma tarefa para a qual existe base social, porém ainda não existe instrumento político. A base social mais importante é o surgimento de uma segunda classe média. O protagonista social mais importante na história do Brasil sempre foi a classe média tradicional, e tudo que aconteceu de mais importante no País ocorreu naquele momento em que a classe média tradicional se desgarrou da plutocracia orientação colonial e passou a protagonizar uma outra idéia de futuro nacional em nome de todos. Essa classe média tradicional está muito fragilizada, econômica e espiritualmente.

A nova classe média

Como a classe média no Brasil pode ser definida?
Mangabeira -
Sem sombra de dúvida, os que construíram o País, os servidores de estados, os funcionários, os professores, os profissionais. Sem dúvida que existiu a classe-média e teve um papel decisivo na história, os que fizeram o movimento abolicionista, os que fizeram o movimento republicano, os que fizeram praticamente tudo no Brasil, o desenvolvimentismo dos anos 50. Surge ao lado dela, uma segunda classe-média, mestiça, que vem debaixo, de milhões de pessoas que lutam para abrir pequenos negócios, que estudam à noite nas universidades particulares, que organizam bairros inteiros não conhecidos pelas elites, que se filiam a novas igrejas, novos cultos, que inauguram no País uma cultura de iniciativa. Essa segunda classe média já está no comando do imaginário popular, é o horizonte que a maioria quer ser, a inspiração da massa brasileira, muito mais pequeno-burguesa do que proletária, mas inteiramente indefinida na sua trajetória, se vai descambar para o conservadorismo político ou se vai assumir outras formas. Isso depende das duas grandes forças transformadoras do mundo, que são o pensamento e a política.

O senhor poderia comparar essa nova classe média com a tradicional?
Mangabeira -
Ela tem uma origem diferente, não acredita em política ou em partidos. Em grande parte do País, como no Nordeste, uma das aspirações típicas da classe media tradicional foi o emprego público. Já essa emergente não tem nada a ver com o emprego público, a estratégia social básica dela é a secessão, ela se separa de uma sociedade dominada por patronos e clientes e procura construir caminhos pautados por normas diferentes das normas que dominam a sociedade brasileira.

Por opção ou por falta de opção?
Mangabeira -
Ela não tem voz ou vez, ou vazão na vida pública do País. Encontrando uma muralha em volta dela, adota uma estratégia de secessão, cria micro-mundos, bairros dela, igrejas dela, formas de vida dela, que são como que um antídoto à sociedade inconfiável e opressora que ela vê em volta. Mas ela não deve ser interpretada como um quisto. Pelo contrário, do ponto de vista da massa popular, cada vez mais ela é a vanguarda, é ela que forma opinião, não essa classe média tradicional que sempre foi historicamente o centro de gravidade da política brasileira. Isso tudo a titulo de esboçar como eu vejo o objetivo mais importante e sua base social; nós estamos escrevendo as iniciativas concretas, imaginando à longo prazo e de forma mais abstrata o que é necessário.

Projetos de libertação nacional

Quais são os projetos?
Mangabeira -
Eu vejo quatro grandes projetos de libertação nacional. O primeiro é democratizar a economia de mercado, construir uma economia de mercado que instrumentalize esse fervor empreendedor que existe no Brasil e que está encarnado no setor mais importante da nossa economia, que são as pequenas e médias empresas. É ali que está a grande maioria dos empregos e ali que se gera a maior parte do produto. Um exemplo: a política industrial tradicional do Brasil, vista sem anestesia, consiste em tomar o dinheiro do trabalhador brasileiro e por nas mãos do BNDES, entregá-lo a uma dúzia de grandes empresas bem relacionadas com o Estado brasileiro, sob o pretexto de prepará-las a serem campeãs mundiais. O discurso é francês, mas a prática é coreana e este projeto inteiramente está na mão contrária do que seria necessária.

Nós teríamos que ter uma forma de organização de mercado que se organizasse em torno de dois grandes eixos que seriam apenas o ponto de partida de uma reinvenção democratizante da economia de mercado. No eixo vertical da relação entre os governos e as empresas, uma forma de coordenação estratégica que fosse descentralizada, participativa, pluralista e experimental, que tivesse como alvo prioritário as pequenas e médias empresas e como seu método principal a disseminação das práticas exitosas. E no eixo horizontal, na relação entre os produtores ou entre as empresas, a concorrência cooperativa, que eu entendo como o conjunto das práticas por meio das quais é possível competir e cooperar ao mesmo tempo, ganhando, por meio da cooperação, economia fiscal e, a partir daí, uma trajetória cumulativa de inovações na forma institucional e jurídica da economia de mercado.

O segundo grande projeto é capacitar o povo brasileiro. E aí há duas prioridades, a primeira é substituir o ensino enciclopédico e informativo, que é o reino da decoreba, por um ensino analítico e capacitador. A segunda prioridade é reconciliar no nosso país muito grande, muito desigual e de regime federativo, a gestão local da escola por estados e municípios com padrões nacionais de investimento e de qualidade.

O terceiro grande projeto é a reorganização das nossas instituições políticas para aprofundar a democracia, diferente das democracias sonolentas do Atlântico Norte. Com isso, quero dizer que uma democracia com instituições que facilitem um alto nível de engajamento cívico, porém institucionalizado. A tendência nas democracias contemporâneas é oscilar entre uma institucionalidade fria, com baixa mobilização, e uma política calorosa extra ou anti-institucional. Isso não nos serve, precisamos de uma política quente, porém institucionalizada. São coisas práticas, como o financiamento público das campanhas, o acesso aos meios de comunicação em massa.

O quarto grande projeto tem a ver com a nossa relação com o mundo e a nossa posição na economia mundial. E o ponto nevrálgico é o seguinte: se nós resumirmos as lições de desenvolvimento comparado nas últimas décadas, as lições mais importantes são duas. A primeira é que quem vai para frente é quem se abre para os mercados e para o mundo. A segunda é que quem vai para frente, ao se abrir para os mercados e para o mundo, joga o roteiro fora. Por roteiro eu entendo o formulário institucional recomendado pelas autoridades econômicas, políticas e acadêmicas dos países ricos. A parte do mundo mais obediente, que foi a América Latina, foi a parte que sofreu o mais catastrófico declínio na sua participação no produto mundial.

Qual é o meio, então, para conter com o formulário? Nós adotamos no Brasil uma espécie de equivalente funcional ao padrão ouro, que é um pacote de ideias e de políticas econômicas que convive com baixo nível de poupança interna, aceitação da poupança estrangeira como substituto da interna e liberdade crescente de fluxos de capital. E a ideia básica é que a independência da confiança financeira internacional, ao invés de ser o problema, é a solução porque supostamente seria um resguardo contra o aventureirismo populista e nacionalista dos governos. Mas nenhum País fica rico com dinheiro dos outros e nós teríamos que rejeitar essa síndrome de políticas e criar um escudo para nossas energias. O quanto crucial desse escudo é forçar uma elevação da poupança interna, pública e privada, organizar outros canais que mobilizem a poupança de longo prazo, para o investimento de longo prazo, e aí atuar de acordo com o princípio de que o capital estrangeiro é tanto mais útil quanto menos se precisa dele. Criar as condições práticas para não ficar de joelhos.

Esse último item que o senhor mencionou, na conjuntura de crise atual seria uma oportunidade...
Mangabeira -
Uma grande oportunidade. Uma outra maneira de colocar essa ideia que estou pregando é que nós façamos uma divisão da chamada ortodoxia econômica reafirmando metade dela e repudiando a outra metade. A metade que deve ser repudiada é esse equivalente funcional ao padrão ouro que aceita a poupança estrangeira como substituto da poupança interna. A parte que deve ser reafirmada é o compromisso com o realismo fiscal, não viver além dos nossos meios, porque isso nos dá liberdade, enquanto que a irresponsabilidade fiscal é o caminho para o enfraquecimento do estado e da autonomia nacional. O realismo fiscal afirmar mesmo a custo de nos privar de alguns dos instrumentos tradicionais.

Interpretação da Era Lula

Mangabeira - Meu maior aliado é o presidente Lula, ele tem me apoiado com muito entusiasmo, embora eu tenha muitos amigos entre os ministros e os componentes do governo. Mas há um problema. Pelo seu perfil psicológico e sua formação, toda a sua maneira de operar no mundo, o presidente atua organizando alianças e acomoda pontos de vista, junta coisas. E evita controvérsias e conflitos. Eu trago essas propostas para ele, que demonstra entusiasmo na ideia, mas quando chega o momento da implementação, ele hesita em embarcar, em colocar a mão, em investir o capital político enquanto não sente que há uma parte ampla de apoio no Congresso. Ele não quer dar um salto no escuro. Por outro lado o Congresso e o País hesitam em levar a sério essas propostas enquanto não sentem que o presidente as encampa. E aí se dá um ciclo vicioso muito simples, o presidente esperar o país, o país esperar o presidente e eu ficar falando sozinho.

A forma básica que eu tenho para tentar quebrar esse ciclo é tentar criar um movimento de expectativa, de reivindicação, de debate que pressione. É isso que eu posso fazer porque a minha pasta não tem recursos orçamentários ou poderes normativos, o meu único poder é propor. E aí no meio eu creio que pode haver uma diferença de concepção da ação política que eu talvez tenha com o presidente e que eu tenho discutido com franqueza com ele. Eu procuro organizar convergências mais amplas possíveis, trabalho com todos os partidos, os governadores tem sido meus parceiros mais importantes nas minhas ações e com isso eu procuro adiar as batalhas, ou tê-las nos termos mais favoráveis, porém eu não procuro evitar as batalhas, entendo que ninguém muda o mundo sem briga e que em política há o momento de unir e o momento de dividir. Essa é minha concepção.

Qual a sua interpretação da era Lula?
Mangabeira -
Eu acho que o presidente encarna muito o povo brasileiro, a vitalidade, a intuição, a generosidade, mas também o ceticismo sobre doutrinas, a indisposição para os conflitos. Essa é a parte dominante da cultura brasileira e eu acho que houve grandes avanços dessa maneira de pensar e agir, mas acho também que isso tem limites. E que há tarefas nacionais indispensáveis para o nosso futuro que não podem ser cumpridas dentro dos limites dessa visão das coisas. E eu entendo que parte da minha responsabilidade é me rebelar contra isso, embora os meios que disponho sejam muito frágeis. As pessoas simpatizam com a idéia de um planejamento de longo prazo, mas quem não acredita nessa idéia sou eu. E desde o primeiro dia disse isso a todos. E acho que quando as pessoas aludem a essa idéia há uma grande confusão. Eu conservo esse processo como um conjunto de compromissos, é uma outra prática que eu tenho em vista.

O primeiro compromisso é organizar uma dialética entre um ideário que demarca um caminho, uma seqüência de passos, combinado com uma definição tão concreta quanto possível, dos primeiros passos – como entrar naquele caminho. O único longo prazo em que acredito é o que começa à curto prazo. Tem que saber o que fazer amanhã, então o pensamento programático via política transformadora não é arquitetura, é música, não tem a ver com planilha, tem a ver com uma seqüência. Sempre o mais importante é ter uma visão da trajetória, mas ao mesmo tempo a definição dos primeiros passos que servem como as primeiras prestações daquele caminho.

O segundo compromisso é a reorganização de nosso federalismo. Nós copiamos os EUA junto com o presidencialismo, o federalismo clássico, que é um federalismo de repartição rígida de competências, suprime o potencial experimentalista do regime federativo. Eu estou descobrindo em minhas ações que as soluções de nossos problemas passam pela construção de um federalismo cooperativo, que associe os três níveis da Federação em ações conjuntas.

O terceiro compromisso é tentar partir daquilo que já deu certo, ao invés de partir de dogmas. Por exemplo, nesse projeto nordeste, eu constato que há duas grandes forças consultivas no nordeste de hoje. Uma é um empreendedorismo emergente, encarnado em pequenas e médias empresas, no semi-árido, e a tarefa é dar instrumentos a esse empreendedorismo. E a segunda força é uma inventividade tecnológica popular, como se no nordeste houvesse milhares de Benjamin Franklin’s, autodidatas. Então o começo da revolução é dar braços e asas a essas forças.

O quarto compromisso dessa prática é substituir um processo decisório fechado por um processo decisório aberto e aí foi a fonte de algumas das confusões em que eu me meti nas minhas ações, como no episódio da regularização fundiária na Amazônia. A traição do executivo brasileiro foi decidir tudo secretamente, temendo que qualquer revelação de desavença sirva como uma brecha que permita à oposição enfraquecer o governo. Eu penso que isso não serve ao país e que nós temos que substituir esse projeto fechado por um aberto, que engaje as outras estâncias do estado e da sociedade na construção das soluções. Mas para isso há um preço a pagar, que é aceitar o conflito, as desavenças, perder o medo das idéias.

E o quinto compromisso é teimar na idéia de construir um projeto que seja de Estado, e não apenas do governo que está momentaneamente no poder. Ministros não devem ser assessores do presidente e eu, em particular na minha tarefa, vejo como objetivo maior tentar construir uma força transformadora, capaz de sobreviver ao governo Lula e para isso tem que trabalhar com outros partidos.

MP da Amazônia

Nós tivemos a votação da MP da regularização fundiária da Amazônia no Senado. O senhor recomendará vetos parciais? O senhor tem críticas?
Mangabeira -
Não acho que seria correto dizer à revista como pretendo aconselhar ao presidente. É um assunto da economia interna dos governos. Eu vou chegar lá, mas...Eu descrevi como eu vejo o objetivo e essa imensa distância disso tudo do cotidiano da política brasileira. O problema é construir elos intermediários entre isso que eu julgo necessário e aquilo que é acessível, com os instrumentos de ação e de pensamento disponíveis. Esse é o conteúdo do meu trabalho. Eu procurei avançar, por ações, em dois planos principais.

Primeiro, no plano das políticas setoriais; política agrícola, política industrial, política de educação, política de gestão pública, política de relação de trabalho e capital, política de defesa.

O segundo plano das ações é o de abordar as grandes regiões não resolvidas do País, que são Amazônia, Centro-Oeste e o Nordeste e entendê-las como um terreno privilegiado para repensar o País todo. Eu não abordo essas regiões como regiões atrasadas que necessitem de políticas compensatórias, eu abordo como vanguardas potenciais na reconstrução do modelo de desenvolvimento do País. Mas, no meu ponto de vista, estas ações setoriais e regionais não são um amontoado de iniciativas desconexas, elas são um conjunto de iniciativas convergentes ao mesmo rumo da reconstrução do modelo de desenvolvimento e aplicando a mesma prática, com aqueles compromissos definidores que descrevi há pouco.

É basicamente isso que estou fazendo e é muito difícil saber de antemão aonde é que vou encontrar o espaço para avançar. A minha técnica básica é a de ladrão no corredor de hotel: eu bato em todas as portas para ver quais ficam destrancadas e tenho muitas surpresas porque às vezes eu acho mais fácil avançar aqui, e não é, e outras que eu achava impossível, eu avanço, então é preciso proceder com uma forma experimental.

Em recente entrevista à CartaCapital, Rubens Ricupero disse que o único espaço em que o Brasil poderá ter uma importância na discussão mundial é na questão ambiental. O senhor concorda?
Mangabeira -
Isso é apenas um aspecto. Em relação ao projeto Amazônia, seria bom dar um exemplo. Eu começaria dizendo que há condição de o Brasil ter um projeto revolucionário, sob dois aspectos: não há, em todo o mundo, outros exemplos de manejo sustentável de uma grande área florestal nos trópicos, não há nenhum exemplo. Nós não podemos copiar um outro paradigma, mesmo querendo, nós somos obrigados a andar na dianteira. Em segundo lugar, é um projeto revolucionário porque nós insistimos na tese de um desenvolvimento que seja sustentável e includente ao mesmo tempo, não pode ser para as árvores se não for para as pessoas. Isso não é como ocorre nos países ricos. O ambientalismo que tende a prevalecer hoje nos países ricos, e que influi na opinião de elite do Brasil, é o ambientalismo que concebe a causa da preservação da natureza como uma forma de política pós-estrutural, pós ideológica: a ideia básica é que a história foi uma grande desilusão, refugiemos-nos nos jardins da natureza, ela nos consolará dos desenganos da história. Nós não vemos assim, para nós a questão da sustentabilidade deve ser uma provocação para retomar as grandes controvérsias a respeito das alternativas sociais e econômicas e não um pretexto para abandonar aquelas controvérsias. Esse é o espírito em que se desenvolve o projeto da Amazônia.

A coordenação do Plano Amazônia

Mangabeira - Quando comecei a me apaixonar pela Amazônia e depois o presidente me deu essa tarefa de coordenar o Plano Amazônia, a minha primeira surpresa foi descobrir que a prioridade na Amazônia é a propriedade da terra, é o problema fundiário. É um caos fundiário, menos de 4% das terras em mãos de particulares tem a sua situação jurídica esclarecida, então, se não resolvermos isso pode esquecer o resto, nada mais vai funcionar. Se há um mundo do tamanho da Europa em que ninguém sabe quem tem o quê, a pilhagem será mais atraente do que preservação ou a produção. Por isso eu elegi esse tema como prioridade e foquei tudo nisso.

A MP enviada, que foi o resultado desse esforço, é uma acomodação das ideias de muitas pessoas e dos interesses de muitos grupos e não poderia ser diferente, é uma obra coletiva, não é uma tese programática minha. Mas é um grande avanço, apesar de não ter saído exatamente como eu queria em muitos aspectos. E eu fico chocado em ouvir as coisas inteiramente irresponsáveis que dizem, como, por exemplo, que legitima a grilagem. Ninguém disse isso jamais nos EUA e na Austrália, que as pessoas que ocuparam esses países são grileiros. É uma coisa maluca, quer dizer, 500 mil famílias urbanas e 400 mil famílias rurais, é a população da Amazônia, é quem está construindo a Amazônia, sendo impelida pela ausência do Estado e pela falta de segurança jurídica para uma perspectiva de curto prazo e predatória. Mas chamá-los de grileiros é um absurdo.

A grilagem é feita por máfias que se aproveitam nessa neblina da confusão fundiária para operar. Mas tudo isso seria um encaminhamento da regularização fundiária, seria apenas o início de uma dinâmica. Um outro problema, que vem logo em seguida, na Amazônia da floresta – porque há duas Amazônias, a do cerrado e da floresta – é o soerguimento do extrativismo, madeireiro e não madeireiro. Há tudo por fazer, nós teríamos que ter uma revolução do extrativismo. A Amazônia não pode ser salva pela polícia. A Amazônia só pode ser salva por alternativas - na Amazônia da floresta, alternativas extrativistas. Falta tudo. Começa com os instrumentos tecnológicos.

Vou dar um exemplo: nós falamos como se a tecnologia florestal para as nossas florestas tropicais existisse, basicamente ela não existe, quase toda a tecnologia florestal disponível no mundo evoluiu para tratar das florestas temperadas, que são muito mais homogêneas do que as tropicais. Organizar e remunerar os serviços ambientais avançados, construir paradigmas de produção e de gestão para que tenhamos alternativa à concessão a grandes empresas. Organizar os vínculos industriais entre o complexo industrial urbano e o complexo florestal verde. Hoje a Zona Franca de Manaus produz motocicletas e celulares, não tem nada a ver com a floresta. Precisaríamos ter indústrias capazes de transformar os produtos madeireiros e não madeireiros da floresta.

A situação básica é que as atividades extrativistas conduzidas pelas populações tradicionais são ineficientes, até mesmo porque são de natureza e de escala artesanal. As atividades que resultam em devastação no bioma amazônico são eficientes e a única força que segura as atividades boas e ineficientes contra as atividades eficientes e ruins é a polícia, porque não se organizaram as alternativas. E quando as pessoas falam em extrativismo, a imagem que tem na cabeça é o seringueiro que está tirando borracha da árvore, vai morar num casebre maior, vai ficar mais gordo, vai ter mais comida.

O que o Projeto Amazônia precisa para funcionar?
Mangabeira -
Trata-se um projeto verdadeiramente revolucionário. A tentativa de importar ao Brasil o discurso ambientalista dos países ricos é um grave assalto aos interesses do País porque nós temos uma imensa responsabilidade e oportunidade e não é para ficar no jogo daqueles rótulos ideológicos importados da Europa e EUA, que não tem nada a ver com a solução desses problemas. A solução do problema fundiário, o soerguimento do extrativismo, a recuperação de áreas degradadas no cerrado e assim por diante. Isso dá uma ideia de como eu conservo o cerne do Plano Amazônia.

Os partidos brasileiros

Mangabeira - Eu tenho a seguinte tese. Na história do Brasil há basicamente dois partidos, que é o da onda e o da mensagem. Um diz que há uma onda no mundo organizada pelas potências dominantes e o que nós temos que fazer é surfar na onda. FHC, Campos Salles esse pessoal todo, pensava em botar o país na onda, que significa que nós assumimos o nosso lugar subalterno e definido na onda maior e não podemos resistir à onda temos que aproveitar. Esse é o partido dominante no Brasil, sempre foi.

Aí vem o partido dissidente de Rui Barbosa e companhia que vem até hoje, que é o partido da mensagem, nós não queremos ser subalternos à EUA e Inglaterra, queremos ser como eles e para isso é preciso fazer uma revolução. Mas aí há um problema. Na história do Brasil, o partido da mensagem não tem mensagem porque a mensagem do partido da mensagem é a cópia, então o partido da mensagem, ao resistir à onda, nunca propôs uma reconstrução institucional original do Brasil que permitisse instrumentalizar essa vitalidade, propôs copiar e isso deu no que deu.

Nós precisamos de uma vez por todas superar essa dialética do partido da onda e do partido da mensagem por uma trajetória de inovações institucionais. Ao fazer isso enfrentamos um problema mais contemporâneo, mais atual, que é um grande perigo que o País está correndo e que eu vou descrever da forma mais polêmica. O perigo é que é uma combinação viciosa do grande rentismo e do pequeno rentismo. O grande rentismo é que, pela política de juros, quem malogra como empreendedor prospera como rentista, como credor do estado. Até muito recentemente o juro real no Brasil era superior à taxa média de retorno dos negócios. Num país assim, toda a atividade produtiva é reacional porque para quem detém... O pequeno rentismo é que quem não consegue empregar-se ou qualificar-se pelo menos não morre de fome porque recebe o dinheiro dos programas assistenciais. Os políticos descobriram que a combinação do grande rentismo e do pequeno rentismo ganha eleição, só que mata o país porque não fornece os instrumentos necessários para aproveitar toda essa vitalidade do país.

Precisamos acabar com isso e não existe ainda o projeto político, caminho político, ou ideário para fazer isso. Então eu encaro toda a minha ação como uma rebeldia contra tudo isso, nessa outra direção, como uma tentativa de fornecer um substituto para a ideia da Suécia Tropical.

Regularização fundiária

Gostaríamos que o senhor falasse um pouco mais da regularização fundiária, da ação dos senadores e de como a MP saiu do Senado.
Mangabeira -
Eu não vou comentar a atuação deles, o que eu vou dizer é o seguinte: houve gente que não queria regularização em terras de trabalho assalariado, como se dissesse vamos decretar no inciso de uma lei, de uma medida provisória, a morte do capitalismo. Ninguém na Amazônia pensa assim, mas é fácil para um padre alemão ou italiano no interior do Rio Grande do Sul, ter conservada a ideia da família camponesa feliz no campo, é a pequena burguesia européia fossilizada no Sul do país querendo impor à Amazônia aquilo que não conseguiu impor ao próprio lugar onde está. Tudo isso é um escândalo, só deveria provocar indignação do País.

É expressão de um imenso ressentimento contra o mundo moderno travestido de ideia progressista, mas na verdade representando a revanche retrógrada de uma pequena burguesia derrotada na história moderna. E os absurdos que envolveram a discussão da regularização fundiária são muitos. Um segundo absurdo, dizer que favorece aos graúdos. Na verdade – e aí há uma grande confusão até sobre números – a regularização é para as posses até 15 módulos fiscais. Isso não é 1500 hectares como as pessoas estão dizendo porque o valor máximo do módulo fiscal é 100 hectares. Na Amazônia a média é 60 hectares, então você tem 900. Dos 900, pela regra do 80 e 20, só 180 podem ser aproveitados, então os números começam a descer radicalmente. É disso que estamos falando e quando a neblina da confusão fundiária levantar, os grandes usurpadores de terras ficarão expostos à luz do dia e essas mega-posses suscetíveis de retomada.

No caso específico das pessoas jurídicas, qual a sua avaliação? É um dos pontos polêmicos que não estava no original.
Mangabeira -
Esse é um outro exemplo de confusões factuais. A legislação anterior à regularização fundiária, contrariamente a tudo o que se está dizendo e que está escrito nos jornais, já permite a regularização para pessoas jurídicas e representantes. A medida provisória em vez de ampliar restringiu porque limitou isso às posses até 15 módulos fiscais e antes não estava limitado. Então as pessoas estão entendendo que essa faculdade de pessoas jurídicas participarem foi algo introduzido pela MP e não é não, é o corpo pré-existente do direito brasileiro, agora restringido. Nós não estamos falando de um assentamento do Incra, estamos falando de uma região do tamanho da Europa.

Se ela já estava prevista, ela já estava na MP original? Por que não saiu antes se era desejável?
Mangabeira -
Eu não vou comentar porque a Medida Provisória não é o reflexo das minhas ideias e eu não vou começar agora a emitir um boletim dizendo a Casa Civil fez isso, veio o Congresso e fez isso. Isso é uma coisa insensata para eu fazer. Há duas coisas a serem corrigidas. Primeiro, há um equívoco sobre qual a origem dessa regra. Não é a medida provisória, é o direito pré-existente.

Segundo, acho altamente contestável a ideia de que no resto do País pode haver trabalho assalariado, pessoa jurídica no campo, pode haver intermediário, só na Amazônia não pode. Então em São Paulo também não vai poder ter. Porque a Amazônia vai ficar manietada e o resto do País não? A terceira grande confusão que é dizer que de alguma forma a regularização favorece o desmatamento quando evidentemente só com a regularização que a pessoa pode ter acesso ao crédito, ajuda técnica, começar a desenvolver uma atitude de longo prazo, ser punida e assim por diante.

Quero primeiramente situar a trajetória. A regularização fundiária é o primeiro passo. Há uma série de outros grandes temas que vinham sendo trabalhados, mas pouco explicitados por uma razão tática, para não demover a pressão de resolver o problema fundiário.

Quais os outros problemas?
Mangabeira -
Há um problema premente e um sistêmico. O premente é tirar a população da Amazônia da ilegalidade maciça e retrospectiva em que ela foi jogada quando as leis mudaram. Até a década de 80, o Estado exigia desmatar como condição de acesso a terra. Depois começa a construir o regime das leis totalmente oposto e a população da Amazônia fica presa na porta rotativa entre dois regimes legais. Temos que tirá-la dessa condição, criando mecanismos práticos para organizar reservas compensatórias nos lugares vizinhos quando não for possível estabelecer as reservas nos lugares originalmente previstos. Mas há um problema sistêmico que também não é compreendido no país, que é a natureza do direito ambiental.

Eu lhe digo que o direito ambiental brasileiro basicamente não existe. Existe uma série de procedimentos, mas não existe direito, então, por exemplo, nos licenciamentos ambientais o direito exige estudo de impacto ambiental, mas não determina os critérios e os paradigmas que a autoridade deve seguir ao decidir, então é uma caixa preta, é um salto no escuro, é uma delegação de poderes discricionários e restritos a esse pequeno elenco de potentados administrativos. É preciso criar regras, criar paradigmas e o gancho natural para isso seria o regramento dos licenciamentos ambientais.

Terceiro grande tema é o soerguimento do extrativismo madeireiro e não madeireiro na floresta. O quarto grande tema, na Amazônia do cerrado, a recuperação das áreas degradadas. Quinto grande tema, tirar a Amazônia do isolamento, começando o problema da possibilidade de movimentar-se dentro da Amazônia. A coisa mais importante em transporte seria um grande projeto de estradas vicinais, que são os caminhos locais que tem imenso impacto social e econômico para a população e a partir daí começar a construção de um paradigma multimodal de transporte que enfatize hidrovia e ferrovia. E o sexto grande tema é a educação e tecnologia. Os dois pontos nevrálgicos são na escola média que combine o ensino geral de orientação analítica com o ensino técnico que priorize capacitações práticas flexíveis e genéricas. E o segundo ponto nevrálgico, um esforço para atrair uma parte da elite cientifica brasileira para as instituições amazônicas e eu entendo que o caminho mais pratico para isso é aproveitar o fascínio que a Amazônia exerce no mundo e atrair parte da elite cientifica mundial para estadias periódicas nas instituições amazônicas.

Agora, o País teria que discutir tudo isso ao invés de ter esse confronto de ambientalista com desenvolvimentista que me deixa desesperado porque é um desvio do enfrentamento dos verdadeiros problemas e da percepção das verdadeiras oportunidades na Amazônia.

Com relação à reserva legal, qual a sua posição?
Mangabeira -
Outro problema é na informação sobre a lei. Estão dizendo que alguém está propondo reduzir as reservas até 50%. A lei existente há muito tempo permite com o zoneamento econômico ecológico reduzir a 50%. Essa é a lei, e há muitos anos. O código florestal brasileiro endeusado agora...

Para o segundo tema, que é a regularização ambiental, um dos requisitos é completar o zoneamento ecológico econômico. Sempre se falou e nunca se fez. As pessoas têm uma idéia errada. O zoneamento não é um exercício de cartografia, é uma expressão de um pensamento econômico e social. Se nós nunca completamos o zoneamento é porque não tivemos esse pensamento. Completando o zoneamento a lei do código florestal permite flexibilizar reserva até 50%. Isso não é uma proposta nova. Essa é a lei vigente.

O senhor acha que é possível  fazer um papel importante no mundo sem dominar tecnologia nuclear?
Mangabeira -
Sim, mas é um aspecto muito maior. Surge no contexto de defesa, surge no contexto das nossas relações com outros países. Eu estive discutindo isso em Moscou. A posição oficial é a seguinte, está expressa na estratégia nacional de defesa recém promulgada. O Brasil reafirma a renúncia às armas nucleares. O Brasil lembra que a premissa maior do tratado de não proliferação é o desarmamento nuclear progressivo das potências nucleares. Se isso não ocorrer é difícil ver como o regime de não proliferação possa sobreviver. Não sobreviverá em longo prazo e nós temos que insistir. E é auspicioso que o governo americano sinalizou a determinação de andar nisso. Agora, na mesma estratégia nacional de defesa, ao reafirmar a renúncia aos armamentos nucleares afirmamos também a determinação de caminhar na vanguarda da tecnologia e da ciência nuclear. Por duas ordens de razões, em primeiro lugar pelo amplo espectro de usos pacíficos de energia nuclear. Mas, em segundo lugar, porque queremos que essa renúncia aos armamentos nucleares seja sempre a expressão da vontade política da nação e não a conseqüência involuntária da incapacidade científica e tecnológica. Essa é a posição.

Voltando à Amazônia, o senhor tem tido contato com os governadores...
Mangabeira -
Esses são os meus maiores parceiros, eu estou com eles constantemente.

Ouvimos do embaixador Ricupero muitos elogios ao atual governador do Amazonas.
Mangabeira -
Os governadores estão extraordinariamente coesos. Eu já andei todos os estados brasileiros, já andei no interior e no interior do interior. Tenho agora, pela primeira vez, uma imagem tangível do país e uma das grandes surpresas para mim tem sido a enorme facilidade de trabalhar com os governadores, sem dizer respeito aos partidos.

Aconteceu nesses últimos meses com o nordeste o que antes havia acontecido na Amazônia, que resultou que os maiores aliados são os governadores. Dia 8 de maio tivemos a reunião em Natal, o Projeto Nordeste foi o principal tema, eles decidiram pedir agora uma reunião com o presidente Lula exclusivo só com o projeto nordeste e eu não constato nenhum reflexo da posição de governo e oposição. Teotônio Vilela (governador de Alagoas) está tão entusiasmado quanto Wellington Dias (governador do Piauí), e isso é fantástico porque começa a construir uma dinâmica que dá substancia à ideia de um projeto de estado.

Nessas andanças do senhor, em que momentos que o senhor teve boas surpresas? Com relação ao interior, à própria Amazônia.
Mangabeira -
O Brasil fervilha. A qualidade básica do Brasil é vida, vitalidade, esse é o ponto. O ruim do Brasil é que pela falta de imaginação e de audácia e de independência dos seus quadros se meteu numa camisa de força, copiando as suas instituições, o que suprime a vitalidade em vez de instrumentalizá-la. Quando eu ando o Brasil é como eu digo aqui nesse esboço de projeto. Há um turbilhão de atividades, numa imensa confusão, quase tudo na ilegalidade, sem acesso a nada, sem instrumentos, então isto é exatamente a demonstração daquilo que eu descubro ainda no Brasil. O que eu descubro ainda no Brasil é essencialmente vida, mas ao mesmo tempo descubro a ausência de um projeto, de um grupo de instituições e de pratica que dêem braços asas e olhos a essa vida. E para isso é preciso reconstruir o País, não basta ficar inaugurando obras, tem que ter uma estrutura que possa dar instrumentos a isso. Este deveria ser o grande tema da política brasileira.

(Por Luiz Antonio Cintra e Sergio Lirio, CartaCapital, 07/07/2009)


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