Em 10 de junho, o Instituto para o Meio Ambiente e Segurança Humana da Universidade das Nações Unidas publicou um relatório, realizado pela ONG Care e pelo Centro para a Rede Internacional de Informação em Ciências da Terra (CIESIN) da Universidade de Columbia, que destacava o crescimento do fluxo migratório devido à mudança climática. Até 2050, essas migrações deverão dizer respeito a 200 milhões de pessoas.
Docente e pesquisador no Instituto do Desenvolvimento Sustentável e das Relações Internacionais (Sciences Po Paris), e autor de uma tese recente (”Mudanças ambientais e fluxos migratórios”), François Gemenne destaca a necessidade de definir um estatuto jurídico para os refugiados ambientais e de reforçar a proteção das pessoas deslocadas dentro de seus países. Entrevista concedida a Laetitia van Eeckhout, no Le Monde.
Le Monde - O que define um migrante ambiental?
François Gemenne - Usa-se o termo “refugiados” ambientais para designar as pessoas forçadas a deixar o território onde vivem em razão de uma perturbação em seu meio ambiente, trate-se de uma catástrofe natural (tsunami, terremoto), de uma degradação progressiva do meio ambiente (desertificação, elevação do nível dos mares) ou de um esgotamento dos recursos naturais, especialmente de água potável.
Em quê as migrações ambientais se distinguem daquelas já conhecidas até então?
Gemenne - Em um contexto de stress ambiental, a pressão para partir é acentuada. Os impactos da mudança climática, mesmo que se trate muitas vezes de fenômenos progressivos, dificilmente oferecem a possibilidade de ficar, ou de voltar. Mesmo os deslocamentos provocados pelas catástrofes naturais nem sempre oferecem a possibilidade de um retorno à região de origem, ao contrário do que se pensou durante muito tempo. Quase metade da população de Nova Orleans que migrou após a passagem do Katrina nunca mais voltou.
Que estatuto jurídico foi concedido aos refugiados ambientais?
Gemenne - Falar de “refugiado” é um uso indevido da palavra. Esse conceito foi definido de forma estrita pela Convenção de Genebra de 1951, que não faz nenhuma referência às vítimas das degradações ambientais. Hoje, os migrantes ambientais muitas vezes só obtêm uma proteção subsidiária, temporária. A Suécia é o único país a ter tomado a iniciativa de estender a Convenção de Genebra a sua legislação nacional, concedendo um verdadeiro direito de asilo às vítimas de catástrofes naturais.
Mas somente o acréscimo de um protocolo adicional à Convenção de Genebra, como alguns defendem, não permitiria solucionar a questão, pois esse protocolo não poderia incluir os “deslocados internos”. Ora, a partida forçada dá lugar, na maioria dos casos, a um deslocamento dentro do mesmo Estado. Então é preciso reforçar a proteção das pessoas deslocadas no interior de seus países. Isso levanta a questão do papel e do mandato do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), que permanecem mal definidos em caso de catástrofe natural. O Acnur não dispõe de um mandato para intervir nesse tipo de situação, e ainda que ele tenha recentemente abordado a questão da mudança climática, suas intervenções não são sistemáticas.
Então são os países do hemisfério Sul que sofrerão mais com o impacto da mudança climática?
Gemenne - Sim, ainda que os países industrializados sejam os principais responsáveis. Por razões de justiça e equidade, e porque os países do Sul em questão muitas vezes não têm os meios de aplicar os mecanismos de assistência aos deslocados, é preciso uma cooperação internacional. O caminho mais promissor está em um dos temas da negociação de Copenhague sobre o clima, que trata do desenvolvimento de estratégias de adaptação à mudança climática e se apoia na ideia da aplicação de fundos supridos pelo Norte e destinados a financiar essa adaptação. Essas estratégias podem assumir diferentes formas: diversificação das práticas agrícolas, transformação das formas de moradia, reforço das barragens.
Em quê a adaptação é uma das chaves para o problema?
Gemenne - Além da necessária e urgente redução de nossas emissões de gases causadores do efeito estufa, o desenvolvimento de estratégias de adaptação nos países de origem é o melhor meio de limitar a extensão dos fluxos migratórios. Mas elas não devem ser reservadas à região de origem: as migrações, sobretudo se elas são repentinas e maciças, levam a uma maior pressão sobre os recursos das regiões de destino, as quais geralmente são pobres e incapazes de enfrentar uma afluência de migrantes.
A própria migração também pode ser desenvolvida como uma verdadeira estratégia de adaptação. Hoje, as políticas de adaptação se limitam a prevenir e impedir os fluxos migratórios, mas há um risco em facilitar a migração. Pois diante de uma degradação de seu meio ambiente, se as populações mais favorecidas são as primeiras a partir, as populações mais vulneráveis geralmente não têm recursos que lhes permitam migrar. Em Bangladesh, por exemplo, os habitantes passam por catástrofes quatro ou cinco vezes ao ano, mas muitos deles não têm como partir para regiões mais seguras.
42 milhões de pessoas desarraigadas
No fim de 2008, segundo o relatório anual do Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas (Acnur) publicado na terça-feira (16/06), o mundo tinha 42 milhões de pessoas desarraigadas: 16 milhões de refugiados ou pedintes de asilo que fugiram de um conflito ou perseguições, e 26 milhões de pessoas deslocadas dentro de seus próprios países. Se o número de desarraigados diminuiu em 700 mil em relação ao ano de 2007, “os novos deslocamentos de 2009 já mais do que compensaram essa diminuição”, ressalta o Acnur, especialmente em razão dos conflitos no Sri Lanka, no Paquistão e na Somália.
Os países em desenvolvimento acolhem 80% dos refugiados no mundo, assim como a grande maioria das pessoas deslocadas. Uma situação que ressalta, para o Alto Comissariado, “o fardo desproporcional assumido por aqueles que têm menos capacidade de fazê-lo, assim como a necessidade de apoio internacional”.
(Por Laetitia van Eeckhout, com tradução de Lana Lim, Le Monde / EcoDebate, 22/06/2009)