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saúde e segurança no trabalho indústria automobilística general motors
2009-07-08

O tema da conversa que a IHUnisinos teve com Alfredo Gonçalves, da Federação Gaúcha de Metalúrgicos, foi a saúde do trabalhador de chão de fábrica aqui do Rio Grande do Sul. Alfredo contou como a saúde está sendo degradada pelas empresas do estado e como a crise financeira mundial agravou a situação. Na visita que fizemos à Federação, ele nos recebeu juntamente com o presidente da entidade, Jairo Carneiro. Gonçalves nos concedeu a entrevista a seguir. Um dos exemplos dos problemas causados à saúde do trabalhador gaúcho vem da General Motors. Segundo Alfredo, que é diretor do departamento de saúde do trabalhador da FGM, o processo produtivo da empresa “já deixou trabalhadores na faixa de 20 a 25 anos com graves problemas. Alguns chegam a ter dez parafusos na coluna”.

Os dados apresentados por ele ficam ainda mais evidentes no depoimento de João Carlos Fragoso. Aos 42 anos, o ex-empregado da GM já perdeu 50% da força dos braços devido à função que desempenhava na montadora localizada em Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre. O relato de João Carlos foi editado num formato em que os leitores e leitoras possam acompanhar a conversa da maneira como ela aconteceu.

Confira a entrevista.

IHUnisinos – Como está a saúde dos trabalhadores atingidos pela crise aqui no Rio Grande do Sul?
Alfredo Gonçalves –
A questão da saúde do trabalhador gaúcho não está muito boa, devido aos novos métodos implementados nas empresas. Hoje, não temos mais a figura do chefe dentro de uma fábrica. Há líderes e, dentro desse formato, um trabalhador cuida o outro, as empresas estipulam prêmios por produtividade e assiduidade. Ou seja, não faltando, o trabalhador ganha mais uma cesta básica, por exemplo. Há empresas que, no verão, têm jornada de trabalho aos sábados e dão prêmios como tevê e dvd para estimular que os trabalhadores não faltem.

O que isso acaba gerando?
Gonçalves –
Acaba gerando uma disputa entre os próprios trabalhadores. Quando um deles falta ao trabalho, é cobrado pelo próprio colega. Se um faltou no dia anterior, o grupo perde o prêmio – que é dado por produção individual e coletiva. Isso acaba jogando um trabalhador contra o outro. Com isso, os trabalhadores acabam trabalhando, muitas vezes, doentes, porque, se faltam, serão cobrados pelos colegas. Hoje, a empresa não quer um trabalhador só no seu turno, mas sim um que pense 24 horas nela. Assim, ela o coopta, junto com sua família. As empresas também organizam programas que levam os familiares para dentro das fábricas. Mostram o ambiente de trabalho, programam atividades que envolvem a família e logo depois, quando o trabalhador é pressionado dentro da fábrica, ele fica acuado. Isso porque ele será pressionado pela família a não deixar esse ambiente “maravilhoso”. Isso é manipulação.

E como o processo produtivo está gerando problemas de saúde aos trabalhadores?
Gonçalves –
O processo produtivo hoje está gerando diversos adoecimentos. Os mais frequentes são o esforço repetitivo e, mais recentemente, o adoecimento mental. As pessoas, às vezes, não aguentam o ritmo e começam a tomar medicamentos pesados, não conseguindo dormir devido à cobrança. Alguns tomam remédios anti-inflamatórios por conta, aí não adianta e passam para os comprimidos antidepressivos para ajudar a dormir e amenizar os problemas.

Qual a realidade do chão de fábrica agora com a crise financeira?
Gonçalves –
A crise piorou, pois houve muitas demissões que atingiram trabalhadores adoecidos no local de trabalho. As empresas têm o controle da produção, sabe quais os trabalhadores que estão rendendo dentro do esperado e quais não estão. Com isso, elas acabaram demitindo muitos com problemas de saúde. Hoje, quem está dentro da fábrica está preocupado, quer saber se a crise irá continuar ou se ela já passou e não volta mais ao setor onde ele trabalha. O trabalhador tem a preocupação de que a crise pode voltar ali a qualquer momento e de que ele seja o próximo a perder o emprego.

Na quinta-feira, dia 25 de junho, terá assembleia e nunca fechamos a negociação salarial abaixo do INPC, o que ocorrerá neste ano. No entanto, conseguimos manter todas as cláusulas sociais. O aumento este ano será de 0,5%, diferente do ano passado, que foi de quase 3%. O trabalhador está ciente disso. O que ele quer mesmo é manter o seu posto de trabalho. É por isso que muitas vezes trabalha doente, não procura o sindicato, não vai ao médico e, quando menos espera, é demitido porque já não rende tanto quanto antes. Outra realidade é a existência de câmeras dentro das fábricas. Então, os chefes, às vezes, controlam os trabalhadores de longe.

Mas isso não é ilegal?
Gonçalves –
É proibido, sim. Nós temos combatido muitos casos como esse, mas algumas vezes o problema não chega ao sindicato, porque o trabalhador tem medo de sofrer represália e não conta. Um exemplo disso aconteceu numa fábrica em Cachoeirinha, que já tinha há um ano um sistema de controle com câmeras. Só ficamos sabendo porque os trabalhadores estavam num estresse máximo, pois até para ir ao banheiro eles eram controlados. As câmeras eram colocadas na fábrica e o sinal ia direto lá para São Paulo, onde o dono da empresa fazia o controle. Quando ele via um trabalhador parado conversando com outro, ele ligava para a fábrica e cobrava. Com isso, o pessoal começou a ficar estressado, até que o problema estourou, chamaram o sindicato e resolveram parar até que se resolvesse a situação. Então, a empresa retirou as câmeras.

E qual é a porcentagem de trabalhadores sindicalizados hoje?
Gonçalves –
Hoje, está entre 15 a 17%. Nos anos 1980, eram bem mais trabalhadores, mas as lutas eram outras. As lutas de hoje são diferentes. Naquele tempo, havia emprego em abundância, era outra conjuntura. Além disso, estávamos numa ditadura e o pessoal se rebelou também por isso. Hoje, as lutas e os objetivos são outros.

A quebra da GM nos EUA atingiu os trabalhadores daqui?
Gonçalves –
Ela teve mais reflexo aos trabalhadores estadunidenses, mas também atingiu a base de Gravataí e empresas que trabalham para a GM daqui e de São José dos Campos, SP. Então, essa crise que se instalou lá também respingou em muitos trabalhadores da região metropolitana daqui. Um exemplo é a DHB, que precisou fazer redução de jornada de trabalho e de salário. A GM dos EUA pegou, num primeiro momento, 15 bilhões de dólares para solucionar seu problema. Não resolveu e pegou mais 24 bilhões e agora ia pegar mais uns 25 bilhões. Com isso, a ideia da GM estadunidense é criar duas empresas: a boa e a ruim. Na boa, entra a fábrica de Gravataí, que é viável. Na ruim, irão colocar aquela parte dos EUA que produz os carros de luxo. Eles sentiram também o baque da entrada do setor asiático, que transformou a visão das pessoas que queriam comprar carros grandes. Hoje, elas desejam carros mais econômicos. Essa questão abalou profundamente a GM. Aqui no Rio Grande do Sul, a DHB, a Delphi, a GKN se ressentiram, porque, com a crise nos EUA, o setor de produção de peças daqui foi afetado. Essas empresas demitiram, depois fizeram redução de salário e de jornada de trabalho. Tudo acompanhado pelo sindicato.

E, hoje, em relação à saúde do trabalhador, qual a situação que mais preocupa?
Gonçalves –
São os problemas oriundos do esforço repetitivo no processo produtivo. As empresas não se preocupam em dar treinamento, ou fazer revezamento. Estão apenas preocupadas com o lucro e não com aquele ser humano que está naquela máquina. Elas querem produção. No momento em que você estoura, a empresa simplesmente te substitui por outro e continua o processo. Isso acaba fazendo com que essas pessoas sejam encaminhadas para previdência social, tirando a responsabilidade das empresas. Em janeiro de 2010, entra em vigor o Fator Acidentário Previdenciário, o qual irá punir as empresas que “produzem” mais doentes. As empresas que tiverem os menores índices de adoecimentos serão beneficiadas.

Jairo Carneiro relatou, no IHU Ideias de que participou neste ano, que existe uma grande empresa no Rio Grande do Sul que já produziu mais de 300 pessoas incapacitadas para o trabalho. Você pode falar sobre a lógica de trabalho dessa empresa?
Gonçalves –
Essa empresa é a GM. O processo produtivo dela já deixou trabalhadores na faixa de 20 a 25 anos com graves problemas. Alguns chegam a ter dez parafusos na coluna. O que um trabalhador de 25 anos com parafusos na coluna irá conseguir quando tiver com 40 anos de idade? Emprego, certamente não. Então, nós estamos denunciando isso há tempo para a previdência e outros órgãos. Como a demanda é muito maior do que a estrutura disponível, é impossível fazer um bom acompanhamento. Se a GM um dia for embora, irá deixar uma legião de trabalhadores lesionados.

E como o sindicato, neste sentido, pode atuar?
Gonçalves –
Uma das cláusulas do acordo produtivo diz que para alterar os processos produtivos é preciso discutir com o sindicato. Se a empresa irá colocar uma máquina nova, ou aumentar a produtividade, precisa discutir isso antes. Essa é uma das diretrizes do nosso acordo coletivo.

Qual é o discurso das empresas para conversar com os sindicatos?
Gonçalves –
A pauta da saúde está sempre de lado, nunca é aberta, mas sempre é colocada por nós na mesa. Gostaríamos de discutir com os empresários, porque melhorar o ambiente de trabalho também é de interesse deles, pois assim o trabalhador rende mais.

(IHUnisinos, 26/06/2009)


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