Apesar de o Brasil ter abolido no século 19 o trabalho escravo, a prática ainda é comum em várias regiões do país. Segundo dados do Ministério do Trabalho, até junho já foram “resgatados” 1.120 trabalhadores em 122 propriedades e foram pagos R$ 2 milhões em indenizações. Só em Pernambuco, 329 pessoas que viviam em condições de escravidão nos canaviais foram libertadas. De 1995 até agora, mais de 30 mil trabalhadores foram recuperados em ações de agentes do grupo móvel de fiscalização do governo federal.
Para o presidente da Subcomissão Permanente de Combate ao Trabalho Escravo do Senado Federal, senador José Nery (PSOL-PA), é inconcebível que, no século 21, ainda exista no Brasil a escravidão no campo, mesmo com todo o trabalho de repressão por parte dos agentes do Ministério do Trabalho.
– Pará, Mato Grosso e Tocantins lideram o ranking de ocorrências no uso de mão de obra escrava. É uma situação grave e que precisa ser combatida. Outro estado que tem sido vítima dessa prática é o Ceará. De 2006 a 2008, 1.200 pessoas foram resgatadas. Elas estavam em fazendas e madeireiras vivendo em condições subumanas – afirma o senador.
Segundo o parlamentar, os trabalhadores são retirados do campo e levados para Amazônia e fazendas em São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso, por “gatos” (profissionais que têm com missão arregimentar essas pessoas com a promessa de uma vida melhor em outra região).
– Quando chegam ao novo emprego, são surpreendidos com a informação de que estão devendo desde o transporte até a alimentação e moradia. Desta maneira, acabam trabalhando de graça e vivendo em condições precárias – diz.
PEC é polêmica
A saída para acabar ou combater com maior eficácia o trabalho escravo no país seria a aprovação no Congresso da Proposta de Emenda Constitucional 438/2001, a PEC do trabalho escravo, que tramita na Câmara Federal. Ela foi aprovada em primeira votação, mas está parada desde 2004 por falta de acordo com a bancada ruralista. Segundo o senador José Nery, é fundamental a aprovação da proposta ainda este ano. Para isso, ele vem mantendo contato com as lideranças do Congresso, para chegar a um acordo com o qual que possa colocar na pauta de votações a PEC.
– Temos conversado com representantes da bancada ruralista e sentimos que há interesse parte deles em aprová-la, embora exista alguma resistência por parte da ala mais conservadora deste grupo– explica o senador paraense, lembrando que a PEC estabelece, entre outras medidas, a desapropriação de imóveis – rurais ou urbanos – e todas as benfeitorias, onde for verificado a existência de trabalho escravo. No caso de fazendas elas seriam transformadas em assentamentos, enquanto na área urbana em habitações populares.
Por mais otimista que esteja o parlamentar, o caminho ainda é longo e envolve muita negociação, o que pode acabar dificultando a votação ainda este ano. Para a representante da bancada ruralista no Senado, Kátia Abreu (DEM-TO), antes de entrar na pauta de votação, é preciso definir vários da Proposta de Emenda Constitucional.
– Somos radicalmente contrários a qualquer trabalho escravo e aprovamos as operações feitas pelo grupo móvel do governo no combate. No entanto, existem pontos da PEC que precisam ficar claros, como o termo “análoga” (o artigo 149 do Código Penal considera crime manter trabalhadores em situação análoga à de escravo), dá margem a várias interpretações. Isto não podemos aceitar. Sem esta definição, dificilmente haverá votação da PEC – garante.
(Por Antônio Puga, Jornal do Brasil, 05/07/2009)