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amazônia vida selvagem
2009-07-07

Utilizando a bioacústica, pesquisadores estão descobrindo novas espécies no bioma amazônico.  Assunto será debatido na 61ª Reunião Anual da SBPC.

Através dos ouvidos, pesquisadores na Amazônia estão fazendo descobertas sobre a real biodiversidade da floresta amazônica que passaram despercebidas aos olhos de outros cientistas que se dedicaram a estudá-la.  Utilizando a bioacústica, uma ferramenta tida como uma das mais úteis para reconhecer e identificar na natureza a diversidade de aves e outros animais que emitem sons, eles estão constatando que a variedade de espécies do bioma amazônico é muito maior do que se imaginava.

“Onde nós achávamos, pela observação visual, que tinha uma espécie só, quando estimulamos nossa atenção pelo som descobrimos que tinham diversas que foram cegamente ignoradas, porque em uma primeira impressão pareciam todas iguais”, afirma o ornitólogo e curador da coleção de aves do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Mario Cohn-Haft.  Ele abordará esse assunto em uma conferência durante a 61ª Reunião Anual da SBPC – evento que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) promoverá de 12 a 17 de julho em Manaus (AM).

De acordo com o pesquisador, que estuda os padrões de distribuição de aves amazônicas, as pesquisas sobre a biodiversidade da Amazônia foram iniciadas utilizando a visão, o sentido humano mais desenvolvido, para identificar as espécies pelos seus aspectos morfológicos – as formas e cores.  A partir da década de 50, com o surgimento de potentes gravadores de som portáteis e de análise visual dele – denominada análise acústica, em que o som é convertido em um gráfico, o sonograma –, se tornou possível também utilizar o estudo do som para catalogar a diversidade e variabilidade das espécies na Amazônia.

“Os sons estão possibilitando identificar a diversidade biológica da floresta amazônica, que muitas vezes é ofuscada pelos aspectos visuais.  Os animais produzem sons únicos e singulares.  E o estudo desse repertório sonoro permite identificar as espécies e descrever a variação geográfica delas por meio da mudança do som que elas fazem de um lugar para outro”, explica Cohn-Haft.

Diferenças genética
O uirapuru de algumas partes da Amazônia, por exemplo, não canta igual aos outros integrantes de sua espécie que podem ser encontrados em outros lugares da região.  O que caracteriza uma variação de som de indivíduos da mesma espécie que, segundo o pesquisador, tem duas possíveis explicações.

A primeira é que nesses diferentes pontos da região amazônica o pesquisador, em trabalho de campo, pode ter amostrado apenas uma parte do repertório de sons dos pássaros que, na verdade, podem fazer os mesmos sons em qualquer lugar, induzindo o observador a concluir erroneamente que isso representa uma variação geográfica da espécie.  “É como se ao ouvirmos pessoas dizendo “bom-dia” em lugar e “boa-noite” em outro, concluíssemos que elas falam idiomas diferentes.  Mas se passássemos mais tempo, pelo menos um dia e uma noite, nesses dois lugares, descobriríamos que elas falam as duas frases em ambas as partes”, explica o pesquisador.

A segunda hipótese é que o som emitido por uma população desta ave em um determinado ponto da Amazônia é, de fato, diferente do produzido por indivíduos da mesma espécie localizados em outros locais da região amazônica.  O que está dando origem à outra grande descoberta.  “Estamos descobrindo que, quando há uma diferença de som de um local para outro de uma população da mesma espécie, também há uma diferença genética.  O animal é outro”, revela Cohn-Haft.

Na avaliação do especialista, o estudo do som está se tornando uma ferramenta útil e barata para reconhecer diferenças genéticas em populações de animais.  E, em função dessa projeção, está sendo aplicado no estudo de identificação de diversas novas espécies de animais.  “A bioacústica tem um potencial muito grande e já é muito explorada em outras partes do mundo.  Hoje em dia tem gente trabalhando com sons de quelônios – tartarugas – em florestas, além de anuros – sapos – e até insetos.  E nós estamos trabalhando pesado com isso em aves”, conta.

Música da floresta
Segundo Cohn-Haft, o som exerce um papel crucial de comunicação para os animais.  Eles o utilizam para enviar mensagens a outro indivíduo, normalmente da mesma espécie.  Mas ao contrário do que imagina um observador humano desatento que, ao se embrenhar em uma mata ouve uma proliferação de barulhos produzidos por diversos animais e acredita que são aleatórios, os sons da floresta têm uma ordem e estrutura próprias. “Os animais têm cuidado para escolher o momento, a freqüência, o timbre - se agudo ou grave - e a repetitividade do som, para não perder o esforço e desperdiçar a energia para se comunicar.  Porque o objetivo é que o som seja ouvido por alguém”, diz.

O pesquisador compara os sons da floresta a uma orquestra, em que os animais, tal como os músicos instrumentistas, executam partes e fazem vozes específicas que se completam, formando uma sinfonia.  “Não é cacofonia, uma barulheira só.  Tem uma ordem.  E o resultado a gente só percebe que é muito bonito”, avalia o especialista, ressaltando que não foi por acaso que grandes compositores criaram obras baseadas nos sons dos animais, como o maestro brasileiro Carlos Gomes, que compôs “O canto do uirapuru”.

Nicho sonoro
O tipo de ambiente, conta o pesquisador, também afeta o som produzido pelos animais.  Em ambientes de floresta densa, o timbre de voz deles tende a ser mais grave para o som se propagar melhor no meio da vegetação.  Já em ambientes de mata aberta ou nas próprias copas das árvores, a propagação do som não sofre a interferência da vegetação, e os barulhos produzidos pelos animais podem ser de ondas curtas - mais agudo.  Com base nisso, as alterações ambientais promovidas pelo homem, como o desmatamento, podem afetar em curto prazo o sucesso de comunicação sonora dos animais e, em longo prazo, a sobrevivência de organismos já adaptados ao ambiente que sofreu mudanças.

Da mesma forma que existe um conceito de nicho ecológico, em que uma floresta é dividida em partes onde cada espécie desempenha uma determinada função em seu habitat, nela também há nichos sonoros.  Essas características de timbre, horário, repetitividade dos sons e a escolha do momento em que o pássaro canta são maneiras de evitar que sua voz suma em meio a outros barulhos e dividir o ambiente acústico, garantindo que seu som seja ouvido. Mas o que exatamente cada animal quer comunicar com seus vários sons é outro assunto, que também já está sendo objeto de pesquisa.  “Que eles querem ser ouvidos quando vocalizam e que usam diferentes sons em diversos contextos, isso nós já sabemos.  Mas o que estão dizendo um para o outro, só estamos começando a entender”, antecipa Cohn-Haft.

(EcoAgência / Amazonia.org.br, 06/07/2009)


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