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pesquisas científicas
2009-07-07

Com alterações no Qualis, sistema oficial de avaliação, periódicos nacionais têm de concorrer com estrangeiros

O espantoso aumento de 56% da produção científica brasileira em 2008 foi proporcionado, em grande parte, pelo aumento no número de revistas nacionais indexadas no Institute for Scientific Information (ISI) - o seleto banco de dados da empresa Thomson Reuters que reúne estatísticas sobre aquelas que são consideradas as melhores revistas científicas do mundo. Fato que foi celebrado como um reconhecimento da qualidade desses periódicos brasileiros no cenário internacional.

Porém, um crescente coro de cientistas tenta chamar a atenção para um fenômeno contrário que estaria ocorrendo no país. Segundo eles, várias revistas científicas brasileiras estão "ameaçadas de extinção" pelos novos critérios de avaliação adotados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para o sistema Qualis, que hierarquiza as publicações de acordo com sua importância nas respectivas áreas do conhecimento.

A crítica é endossada por pesquisadores das áreas de zoologia e botânica - além de outras disciplinas - cujas publicações foram "rebaixadas" na avaliação da Capes. Até 2008, o Qualis era dividido em duas categorias: nacional e internacional. Agora, há uma estrutura única, em que as revistas brasileiras "competem" com as estrangeiras dentro do mesmo ranking. O resultado é que muitas publicações nacionais, antes classificadas entre as melhores de sua área, passaram a ocupar os estratos mais baixos do Qualis.

"O efeito prático, em última instância, é que estão destruindo as revistas nacionais", diz o herpetólogo Hussam Zaher, professor titular e responsável pelas publicações científicas do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP). Ele lembra que o Qualis é um dos principais critérios usados pela Capes para avaliar os cursos de pós-graduação.

"Em flagrante contraponto à sua própria política de incentivo às publicações brasileiras, o sistema Qualis da Capes promove um processo gradual de desagregação do nosso conjunto de revistas de qualidade das áreas de Zoologia e Botânica, que deverá restringir em curto prazo os meios de comunicação da comunidade científica nacional", diz uma carta enviada à Capes pela Sociedade Brasileira de Zoologia (SBZ). O texto é assinado por 130 pesquisadores. "Temo uma debandada geral de autores para publicações fora do país", diz o biólogo Walter Boeger, professor da Universidade Federal do Paraná e editor da revista brasileira Zoologia. Lideranças na área de Química também publicaram editoriais e enviaram cartas à Capes com críticas semelhantes.

Entre os "ameaçados" também estão os taxonomistas - que se dedicam à descrição de novas espécies -, já que a maioria de seus trabalhos são publicados em revistas nacionais. "São pesquisas que não têm grande apelo internacional, mas que são fundamentais para o conhecimento e o aproveitamento da nossa biodiversidade", diz o biólogo Carlos Joly, editor-chefe da revista Biota Neotropica.

Joly ressalta que por trás de um trabalho internacional há quase sempre um histórico de publicações em revistas nacionais. "Ao ignorar esse processo, a Capes está dizendo que toda essa etapa de construção do conhecimento não tem importância científica. Só o produto final", critica o cientista.

Fator de discórdia
A principal crítica dos pesquisadores sobre o novo Qualis diz respeito ao uso do Fator de Impacto (FI) como critério único do ranking. O FI é uma "nota" calculada pela Thomson Reuters que indica a frequência com que os trabalhos em determinada revista são citados na literatura científica. Quanto maior a nota, maior a importância do trabalho e da revista. O problema é que o FI não mede a qualidade de um trabalho - apenas a sua repercussão.

"Há artigos muito bons em revistas com baixo fator de impacto que são muito citados, assim como há artigos em revistas de alto impacto que não são citados jamais", diz a pesquisadora Vanderlan Bolzani, da Unesp de Araraquara, e presidente da Sociedade Brasileira de Química. "O fato de você publicar em revistas nacionais não significa que seu trabalho não tenha mérito, não tenha qualidade."

Apesar das reclamações, Capes não volta atrás
"Estão reclamando deles mesmos", disse ao Estado o presidente da Capes, Jorge Guimarães, ao comentar as críticas feitas ao Qualis por setores da comunidade científica. Ele ressaltou que os novos critérios foram discutidos extensivamente com representantes da academia. "Foi uma decisão dos pares, não da diretoria (da Capes)." Guimarães afirmou não concordar com algumas mudanças como a limitação de revistas que podem ser classificadas num determinado estrato. Porém, a decisão já foi tomada. "Não vamos mexer nos critérios, porque não precisa", disse.

Segundo o presidente da Capes, muitas das críticas nascem da autoavaliação dos pesquisadores, que gostariam que suas revistas estivessem no topo da lista. Ele enfatizou que o Qualis é apenas um dos critérios usados na avaliação dos cursos de pós-graduação, e que as especificidades de cada área, como no caso da taxonomia, serão levadas em conta. "O estrato B1 já é excelente. Dois artigos no B1 equivalem a um artigo na Science (uma das revistas mais importantes do mundo)", comparou.

"É claro que todo mundo gostaria que sua revista fosse Qualis A. Mas, se todas estiverem no nível mais alto, como é que vamos diferenciar entre os cursos de pós-graduação?", questiona Adalberto Luis Val, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e ex-coordenador de Ciências Biológicas 1 na Capes. "É melhor ter um trabalho bom numa revista de alto impacto do que cem artigos pequenos que ninguém lê."

(Por Herton Escobar, O Estado de S. Paulo / Jornal da Ciência, 06/07/2009)


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