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trabalho escravo
2009-07-06

Sindicato Nacional de Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) promove eventos nos estados - com fotos, vídeo e mesas de debate - para sensibilizar pessoas que "não sabem ou não acreditam" na existência de trabalho escravo no país

Numa grande fazenda do Pará, auditores fiscais do trabalho se deparam com pessoas vivendo em barracos de sapé cravados em terreno íngreme, submetidos a condições completamente aviltantes.  Antes de beber a água turva do brejo para saciar a sede, os trabalhadores passam a mão na superfície no intuito de tirar pelo menos parte do lodo acumulado.  São muito os problemas com relação ao salário e ao isolamento da propriedade.

Diante do flagrante de trabalho escravo, o empregador, um experimentado fazendeiro que morava longe dali, é convocado pelo grupo móvel do governo federal para assumir as responsabilidades pelo ocorrido.  No contato pessoal com os integrantes da fiscalização, ele tem a coragem de dizer que o problema daquela situação não estava no gravíssimo desrespeito aos direitos humanos fundamentais, mas apenas na pronúncia reiterada da palavra "escravo" durante a operação.

Em outra fiscalização numa usina de cana-de-açúcar, um dos sócios do empreendimento, acompanhado da esposa e do advogado, é recebido pelos auditores depois do flagrante de trabalho escravo.  Quando o tema da conversa resvala no alojamento, a esposa do usineiro se revolta com as exigências e "argumenta" que todos eles moram na favela e, por isso, já estavam acostumados a não ter lugar para dormir.

Selecionados pelo auditor Dercides Pires da Silva, que já coordenou operações do grupo móvel e atua hoje junto à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Goiás (SRTE/GO), esses dois "trechos" revelam bem por que a repressão ao trabalho escravo contemporâneo no país é tão relevante. "Trabalho escravo dá muito resultado econômico", sublinhou Rosa Maria Campos Jorge, presidente do Sindicato Nacional de Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), em referência aos custos de mão-de-obra não contabilizados pelos empregadores escravagistas.  Uma das convidadas do lançamento da campanha nacional da categoria contra a escravidão na capital goiana, realizado na noite da última segunda-feira (29/06), Rosa salientou ainda que o esforço é necessário porque muita gente "não sabe ou não acredita" que esse tipo de exploração criminosa ainda possa existir no Brasil do século XXI.  "Muitas vezes", adiciona Rosa, "a carteira de trabalho [que os trabalhadores recebem depois das libertações] é o primeiro documento da vida da pessoa".

Assim como em Goiás - primeiro colocado em 2008 entre os estados no número de libertações (867, em função de fiscalizações no setor sucroalcooleiro) -, a iniciativa sindical mereceu eventos similares no Ceará e na Paraíba.  A campanha, lançada no 26º Encontro Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Enafit) de 2008, será divulgada em todos os estados da Federação. "As parcerias têm se fortalecido nos estados.  Isso é essencial, pois os auditores não são capazes de dar conta disso sozinhos", completou a presidente do Sinait.  A disseminação do senso de compromisso do conjunto da sociedade para erradicar a prática do trabalho escravo está no cerne da campanha da entidade, que convoca o efeito multiplicador de cada um para que "os direitos humanos não sejam desrespeitados" e para que essa "situação vergonhosa" simbolizada pela escravidão não seja perpetuada.

Sob o lema "Quem procura trabalho não pode encontrar escravidão", a apresentação da campanha em conjunto com o Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho no Estado de Goiás (Sindafit/GO) reuniu exposições de fotos, a exibição do documentário "Frente de Trabalho" e uma série de discursos que respaldaram a relevância do tema.  Marina Eudes da Silva, do Sindafit/GO, reforçou, em seu discurso, a necessidade de que o cerco à escravidão ganhe apoio cada vez maior da opinião pública para que possa avançar ainda mais.

Durante o evento, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Goiás (Fetaeg) homenageou os agentes públicos (auditores, procuradores, motoristas e policiais) que atuam na fiscalização rural com uma placa e com certificados individuais.  O presidente da Fetaeg, Elias D´Ângelo Borges, lamentou que ainda tenhamos que conviver com a escravidão e salientou que os trabalhadores têm um papel importante no monitoramento das condições de trabalho e no encaminhamento de denúncias.

Também presente ao evento, Dom Tomás Balduíno, membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), recomendou normas mais severas para conter o problema.  Entre críticas mordazes ao Protocolo Nacional pela melhoria das condições de trabalho na cana-de-açúcar negociado entre governo, patrões e empregados, o religioso defendeu em especial a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, mais conhecida como PEC do Trabalho Escravo, que prevê a expropriação das terras de quem explorar mão-de-obra escrava e aguarda votação em segundo turno no Plenário da Câmara dos Deputados.  O "aperto", recomenda, passa pelo confisco de terras, isto é, pela retomada da matéria bloqueada pela bancada ruralista em 2004.

Números e pessoal Desde 1995, quando o grupo móvel de fiscalização foi criado, mais de 34 mil trabalhadores foram libertados de condições análogas à escravidão.  Nos últimos anos (especialmente a partir de 2003), houve uma quantidade expressiva de libertações.  Rosa Maria Jorge, do Sinait, realçou que esses números mostram, por um lado, o trabalho eficaz de fiscalização e, por outro, a constatação de que as denúncias estão, pouco a pouco, revelando os submundos do país em termos de violação dos direitos humanos.

A rotina de libertações de trabalho escravo ainda coloca a questão da continuidade dos ciclos relacionados ao crime.  Rosa enfatiza que é preciso que todos os órgãos públicos envolvidos - Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Justiça do Trabalho, Justiça Federal, Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), entre outros - possam avançar juntos em prol de um resultado mais amplo e permanente.  A derrubada de autos de infração (emitidos pelos auditores nas fiscalizações) na esfera judicial seria, dentro desse contexto, apenas um dos sintomas preocupantes da falta de sintonia entre os diferentes setores citados acima.

Outro entrave que se avizinha é a falta de estrutura de pessoal.  Atualmente, menos de 3,1 mil auditores fiscais do trabalho estão em atividade.  Além do combate à escravidão, eles têm outras funções como fiscalizar infrações de trabalho infantil, cobrar a assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), checar o pagamento dos direitos trabalhistas, averiguar ambientes no que tange às normas de saúde e a segurança, bem como combater a informalidade no mercado de trabalho.

O Sinait estima que cerca de 800 auditores devem se aposentar até o meio de 2010.  Houve concursos recentes, mas poucas vagas foram preenchidas.  De acordo com um estudo de dez anos atrás da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o número ideal de auditores para países em desenvolvimento é de um para cada 20 mil trabalhadores da População Economicamente Ativa (PEA).  Para o Brasil, o ideal seria cerca de sete mil auditores, com cinco mil nas ruas e outros dois mil na retaguarda (na inteligência e na organização do trabalho).  Para que isso aconteça, o Congresso Nacional precisa primeiro aprovar um projeto de lei que oficialize a criação de novas vagas.  Só assim, a promoção de um concurso maior de fiscais trabalhistas será possível.

(Por Maurício Hashizume, Repórter Brasil / Amazonia.org.br, 03/07/2009)


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