"Isto é um problema que todos os investidores lidam: quando se deve retirar o financiamento". Foi com esta colocação, e certo tom de apologia, que o representante da equipe de investimento em sustentabilidade do International Finance Corporation (IFC), Brunno Maradei, começou seu discurso quando questionado sobre a demora da organização em retirar o apoio ao grupo Bertin. Para Maradei, foi este dilema a principal causa da reação tardia do grupo.
O questionamento foi levantando em debate no Seminário Febraban de Finanças Sustentáveis, realizado no dia 30 em São Paulo. Maradei levantou a questão ética como forma de se redimir diante da pressão ambientalista formada sobre o IFC durante as denuncias de ligação do grupo Bertin, gigante do setor agropecuário, à cadeia de produção ilegal na floresta amazônica.
Segundo o membro do IFC, não é claro até onde é possível influenciar companhias como a Bertin. "Até que ponto devemos usar o poder do investidor para mudar o comportamento das companhias", questionou. Para ele, foi exatamente este o ponto que fez o grupo financeiro titubear diante da decisão. "Tínhamos este dilema, por isso demorarmos, mas foi um aprendizado. Até o último dia ainda estávamos vendo como ajudar a Bertin a ser sustentável", explicou.
BNDES
Já Márcio Macedo da Costa, chefe do departamento de Estudos Ambientais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), outro participante do debate e representante da entidade financeira que também financiava e agia como sócio da Bertin, teve uma postura bastante diferente. Durante os questionamentos sobre a postura do banco a respeito da pecuária na Amazônia, Costa exaltou o trabalho da instituição no controle dos financiamentos.
O representante afirmou que a instituição possui uma metodologia muito rígida para controlar quem são os beneficiários de seus empréstimos, e que há penalidades para aqueles que não cumprem normas ambientais. "Ao contrário do que a crítica diz, os contratos do BNDES com frigoríficos tem sim clausulas sócio-ambientais", afirmou Costa, e ampliou sua crítica à sociedade civil organizada. "Vocês sabiam que 30% do gado amazônico é produzido por empreendedores que se quer tem o SIF (Sistema de Inspeção Federal), por que vocês não vão fazer a rastreabilidade deles?", indagou Costa.
Em contrapartida, o representante da organização Amigos da Terra - Amazônia Brasileira Roland Widmer questionou após o debate as justificativas do BNDES. "O que é importante é a diferença que estas supostas clausulas sócio-ambientais fazem na realidade, na prática. Exemplo disso é a própria pecuária, aonde a gente não vê em que sentido estas clausulas teriam feito qualquer diferença", explicou o ambientalista.
Widmer acredita também na realização da rastreabilidade dos produtores sem SIF, e coloca o BNDES como possível parceiro no combate a esta irregularidade. "Foi um dado bem lembrado. Contamos com o BNDES como parceiro na responsabilização dos pecuaristas e fornecedores", e conclui "Esperamos que o BNDES não somente desenvolva novos guias setoriais, mas aumente o acompanhamento, em termos de sustentabilidade, dos empréstimos e das companhias aonde ele é sócio".
Contexto
A transformação do frigorífico Bertin no maior exportador pecuário do Brasil e segundo do mundo começou em 2007, com um controverso empréstimo do IFC, braço privado do Banco Mundial. Na época ONGs alertavam antes mesmo do financiamento ser concretizado de que caso o dinheiro fosse liberado desrespeitaria diversas regulamentações internas do banco no que dizia respeito a relatórios ambientais. A Independent Evaluation Group (IEG), órgão do próprio banco mundial que tem como trabalho avaliar os efeitos secundários dos trabalhos da instituição, havia anunciado que haveria um "grave risco ao meio ambiente" nesta operação.
No final de maio deste ano um escândalo envolvendo a indústria, casos de corrupção, desmatamento ilegal e o não pagamento de multas, reavivou as críticas do setor ambientalista sobre a concessão de capital do banco. A despeito disso, o IFC demorou mais de 13 dias depois de provadas as irregularidades, para rescindir o contrato que tinha com o frigorífico e pedir restituição de uma parcela pendente do empréstimo, no valor de US$ 30 milhões.
Com esta decisão, as pressões se voltaram para o BNDES, outro financiador de diversos frigoríficos na Amazônia. Só no caso da Bertin, foram mais de R$ 2,5 bilhões e mais a aquisição de expressiva participação da empresa como sócio. Graças à esta relação, o banco não pôde seguir o exemplo do IFC e pedir a devolução do dinheiro, mas sim responder, mesmo de forma indireta, pelas ações predatórias do frigorífico em uma ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF).
(Por Flávio Bonanome, Amazonia.org.br, 02/07/2009)