Os nove governadores dos Estados da Amazônia Legal entraram oficialmente na briga pela aprovação do "desmatamento evitado" como mecanismo de combate ao aquecimento global. Em carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os líderes pedem uma "revisão urgente" da posição brasileira com relação às políticas de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) nas negociações do acordo climático que substituirá o Protocolo de Kyoto.
"Existe uma crescente convergência internacional para a inclusão das florestas no mercado de carbono regulado por Kyoto", diz a carta, assinada na sexta-feira em Palmas (TO), durante o 5º Fórum de Governadores da Amazônia Legal. "Para surpresa de todos, dentro e fora do País, o governo do Brasil vem fazendo oposição à inclusão das florestas neste promissor mercado. Esta posição deve ser revista com urgência." Pelas regras atuais do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto, somente projetos de florestamento e reflorestamento são válidos para obtenção de créditos de carbono.
O modelo REDD, se adotado, criaria a opção de uma compensação adicional, pelo desmatamento evitado - ou seja, pelo carbono que deixou de ser emitido graças à preservação da floresta. "Não há mais argumentos técnicos que justifiquem a exclusão do REDD", disse ao jornal O Estado de S. Paulo Virgílio Viana, diretor da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), no Estado do Amazonas, que apoiou a formulação da carta.
Veja a carta na íntegra:
À Sua Excelência o Senhor
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República
Em mãos
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Os Governadores da Amazônia, signatários deste documento, reunidos em Palmas, Tocantins, em 26 de junho de 2009, vem, mui respeitosamente, fazer as seguintes considerações e propostas, abaixo relacionadas.
Considerações
1. O Brasil tem aproveitado muito pouco as oportunidades do mercado global de carbono. Em 2008, este mercado movimentou cerca de US$ 120 bilhões[i]. Parte (18%)[ii] deste mercado é por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), regulado pelo Protocolo de Quioto, do qual o Brasil participa com cerca de 3%[iii], enquanto a China tem uma participação de 84%[iv] (dados de 2008).
2. A maior parte dos projetos do MDL é relacionada com a redução de emissões de projetos energéticos. Com isso a China e a Índia, cujas matrizes energéticas são predominantemente provenientes de carvão mineral, têm vantagem com relação a países como o Brasil. O mesmo projeto energético na China recebe cerca de 10 vezes mais créditos de carbono que um projeto no Brasil.
3. O Protocolo de Quioto fechou as portas para a participação das florestas na nova economia do carbono. Florestas nativas como as da Amazônia foram excluídas. Por outro lado, o reflorestamento ficou com regras tão desfavoráveis, que atualmente representa uma fração irrisória do mercado e a previsão, para 2012, é uma participação inferior a 0,5%[v]. Copenhague poderia ser o marco de uma mudança histórica, colocando a conservação das florestas, o reflorestamento e o combate à pobreza como prioridades internacionais no combate às mudanças climáticas. O Brasil poderia liderar esta mudança em Copenhague.
4. O mercado de carbono deve alcançar cerca de US$ 2,1 trilhões[vi] por ano em 2020 e 14,9 trilhões em 2050[vii]. Estas transações poderiam privilegiar projetos em países pobres e em desenvolvimento. Isto dependerá das novas regras do mercado internacional de carbono, que serão definidas, em Copenhague, em dezembro de 2009, durante a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas. Esta é uma oportunidade de ouro que o Brasil não pode perder.
5. Países como o Brasil poderiam ser parte da solução do problema das mudanças climáticas, que foram causadas principalmente pelos países ricos/industrializados. Além disso, poderíamos ajudar outros países da África, Ásia e América Latina a participar do mercado de carbono, mediante a transferência de tecnologias ecologicamente apropriadas. Ambas as iniciativas fortaleceriam a liderança internacional do Brasil na construção de um novo padrão internacional de desenvolvimento.
6. O mercado de carbono é a melhor oportunidade para o financiamento do combate ao desmatamento e a promoção do desenvolvimento sustentável na Amazônia. As emissões de carbono pelas queimadas na Amazônia representaram cerca de 70%[viii] do total das emissões anuais brasileiras: 1,2 bilhões de toneladas de CO2e por ano[ix] (2006). Se isto fosse reduzido à zero, equivaleria a um potencial de mais de 20 bilhões de dólares por ano no mercado internacional, com base em preços de US$ 16,78[x] por tonelada de CO2e (preço médio do mercado regulado por Quioto ). Estimativas indicam que o mercado global de carbono deve chegar a um preço, em 2020, de US$ 61[xi] por tonelada de CO2e.
7. Reduzir à zero o desmatamento é bom para a Amazônia e para o Brasil por várias razões. Manteria em funcionamento a mega “bomba d´água” que alimenta com chuvas boa parte do Brasil. Isto é bom para a produção agropecuária, a geração de energia elétrica e o abastecimento urbano de água. Manter a floresta em pé é também essencial para a vida das populações amazônicas. Por outro lado, se reduzíssemos a zero o desmatamento, nossa melhor ‘imagem ambiental’ favoreceria o comércio exterior e, com isso, nossas exportações de carne, soja, etanol etc., teriam melhor acesso aos mercados internacionais. Sairíamos da posição de 4º[xii] para a 17º lugar[xiii] no ranking internacional de emissões de gases efeito estufa. Deixaríamos a posição de “vilões” para a posição de “heróis” no combate às mudanças climáticas.
8. Existe uma crescente convergência internacional para a inclusão das florestas no mercado de carbono regulado por Quioto. Ao contrário do que muitos pensam, não existem problemas metodológicos insuperáveis para a inclusão do mecanismo de redução das emissões por desmatamento e degradação (chamado de REDD). A Amazônia já tem projetos em andamento que mostram a viabilidade metodológica e os benefícios socioambientais do REDD. A inclusão do REDD no mercado de carbono não impede que sejam feitas, também, doações governamentais dos países poluidores para os países pobres ou em desenvolvimento, como no caso do Fundo Amazônia. Para surpresa de todos, dentro e fora do país, o Governo do Brasil vem fazendo oposição à inclusão das florestas neste promissor mercado! Esta posição deve ser revista com urgência!
9. Existe também uma convergência dos grandes líderes internacionais e da população em geral sobre a gravidade do problema das mudanças climáticas e a urgência de soluções. As consequências da inação podem ser catastróficas para todos. A recente catástrofe de Santa Catarina e a atual cheia na Amazônia são apenas mostras do futuro que teremos pela frente... Temos não mais do que dez anos para fazer uma radical mudança na economia do mundo, na direção de uma “economia de baixo carbono”. O Brasil tem uma enorme oportunidade histórica para se beneficiar disso. Isto requer um esforço urgente para aumentar a eficácia das políticas públicas nesta área.
10. Se as regras do Protocolo de Quioto forem alteradas e o Brasil passar a ser mais eficaz no apoio à implementação de projetos de carbono, poderiam surgir oportunidades com grandes potenciais, dentre as quais:
1. Redução do desmatamento
2. Amazônia = 1,2 bilhões de toneladas de CO2e por ano (tCO2e / ano) [xiv]
3. Reflorestamento para recuperação de áreas degradadas
i. Brasil = 1,6 bilhões tCO2e / ano[xv]
4. Hidrelétricas
i. Belo Monte = 42 milhões tCO2e/ ano
ii. Jirau = 12 milhões de tCO2e / ano[xvi]
5. Gasoduto
i. Coari – Manaus = 1, 3 milhões tCO2 e/ano[xvii]
Propostas
1. Criação de uma Força Tarefa, composta por especialistas indicados pelos estados da Amazônia e com apoio do Governo Federal, coordenado pelo Fórum de Governadores da Amazônia, com o objetivo de propor, num prazo de 30 dias, recomendações para a Presidência da República quanto ao posicionamento a ser adotado pelo Governo do Brasil em Copenhague.
2. Criação de um Órgão Governamental, vinculado à Casa Civil da Presidência da República, para cuidar da formulação, implementação e gestão de um Sistema Nacional de Redução de Emissões, articulando e apoiando o papel dos governos federal, distrital, estaduais e municipais, assim como fomentando projetos de carbono não governamentais, envolvendo o setor privado, tanto empresarial, quanto familiar, comunitário e indígena.
3. Organização de uma Missão de Governadores da Amazônia, para Copenhague, liderada pelo Presidente Lula, para apresentar a visão da Amazônia Brasileira sobre as diretrizes prioritárias para o novo regramento internacional sobre mudanças climáticas, em dezembro de 2009.
Palmas, 26 de junho de 2009,
Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Governadora do Estado do Pará
Binho Marques
Governador do Estado do Acre
Blairo Maggi
Governador do Estado do Mato Grosso
Eduardo Braga
Governador do Estado do Amazonas
Ivo Narciso Cassol
Governador do Estado de Rondônia
José Anchieta Junior
Governador do Estado do Roraima
Marcelo Miranda
Governador do Estado de Tocantins
Roseana Sarney
Governador do Estado do Maranhão
Waldez Góes
Governador do Estado do Amapá
(Amazonia.org.br, 01/07/2009)