A crise financeira mundial e a oportunidade de transição para uma nova economia menos carbono intensiva são temas que vêm sendo intensamente discutidos no cenário internacional. A economia verde surge como estratégia inadiável em um cenário no qual as mudanças do clima ditam a necessidade de remodelação de mercados, negócios e tecnologias. Entretanto, a urgência de medidas efetivas segue contrastando com o lento ritmo das ações implementadas pelos países.
“Esse é um caminho de mudanças que está começando a ser trilhado, mas de forma muito gradual. Não há um grande plano, mas sim iniciativas pontuais, embora seja notório que a necessidade de crescimento sustentável está sendo, cada dia mais, incorporada pelos políticos e gestores públicos, por uma questão de sobrevivência econômica”, avalia o técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), José Gustavo Feres.
Ele destaca o impacto da crise financeira: o pacote de medidas anticrise representou 7% do Produto Interno Bruto (PIB) nos Estados Unidos e na China chegou a 13%. Os percentuais da União Européia também não são animadores. Dados relativos ao primeiro trimestre de 2009, comparados ao mesmo período do ano passado mostram quedas do PIB nos países europeus. A maior economia do bloco, a Alemanha, liderou a performance negativa, com queda de 2,1%. Na França, a segunda maior economia, a redução foi de 1,2% e na Itália, a terceira maior, foi de 2,4%.
Brasil na contramão?
“As medidas do governo brasileiro para evitar mais impactos da crise financeira não consideram a questão ambiental”, avalia o diretor de políticas públicas do Greenpeace, Sérgio Leitão. Ele destaca que o país está perdendo uma grande oportunidade de estimular a chamada economia verde e de fato promover o desenvolvimento sustentável. “O governo poderia, ao mesmo tempo, incentivar o emprego e também impulsionar uma economia moderna, que é aquela com baixo consumo de eletricidade, menos carbono intensiva”, aponta o ambientalista.
Na opinião de Leitão, o Brasil só visualiza o lado econômico da crise, sem identificar as possibilidades que podem gerar menos impacto. “As medidas adotadas para fortalecer a indústria automobilística, por exemplo, também poderiam incluir ações compensatórias do ponto de vista ambiental. A redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) poderia ter sido condicionada à maior rapidez no desenvolvimento e na produção de motores adaptados a diesel menos poluente”, critica.
Emprego verde: janela de oportunidades
É nesse contexto que algumas nações começam a sinalizar mudanças em seus planos de recuperação econômica, incluindo uma variável ambiental e apostando nos chamados empregos verdes. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama, destinou US$ 500 milhões do seu pacote de estímulo econômico para a criação de milhares desses empregos, estabelecendo, inclusive assessoria específica para incentivar o trabalho verde. O governo americano também anunciou, em 23 de junho de 2009, a injeção de 8 bilhões de dólares para que as montadoras Ford, Nissan e Tesla invistam em tecnologias capazes de tornar os novos carros mais eco-eficientes. O secretário de Energia Steven Chu declarou que os retornos dos investimentos serão convertidos em empregos e menor dependência de combustíveis fósseis.
Outra aposta nos empregos verdes vem do Reino Unido. O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, afirma que boa parte dos investimentos para a recuperação econômica do país previstos no orçamento para o próximo ano fiscal será destinada às iniciativas verdes e promete a criação de 400 mil novos postos de trabalho na área. O Primeiro Ministro também defende uma proposta para que as nações desenvolvidas e em desenvolvimento cheguem a um acordo sobre novos mecanismos para financiar o combate às mudanças climáticas. Ele pede que os países ricos trabalhem juntos em uma cifra global de cerca de 100 bilhões de dólares por ano até 2020 para ajudar países em desenvolvimento a reduzir suas emissões, combater o desmatamento e adaptar às mudanças climáticas.
Em artigo, Ed Miliband, ministro de Energia e Mudanças Climáticas do Reino Unido afirma que o crescente consenso internacional sobre a necessidade de uma guinada para a economia de baixo carbono aponta para esperança, e não desespero.“Ao cooperarmos internacionalmente, podemos, a um só tempo, evitar mudanças climáticas perigosas e ver nossas economias em recuperação de modo sustentável. Uma das questões fundamentais para nosso sucesso continua sendo como acelerar radicalmente a disseminação de tecnologias mais limpas – boas para gerar emprego, para a economia e para o planeta”, destaca Miliband.
Cenário de otimismo
Contrastando com a estimativa de que 50 milhões de trabalhadores em todo mundo podem perder seus postos de trabalho devido à crise econômica, o estudo Empregos Verdes: Trabalho Decente em um mundo sustentável e com baixas emissões de carbono, divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2008, tem um tom de otimismo.
De acordo com o documento, nos últimos anos foram contabilizados 2,3 milhões de novos empregos gerados apenas no setor de energia renovável. Se forem confirmados investimentos previstos de 630 bilhões de dólares até 2030, podem surgir pelo menos 20 milhões de novos empregos neste setor. Na China, está a grande parte das 600 mil pessoas que estão empregadas na produção de energia térmica solar e na instalação de produtos como aquecedores solares de água; na África do Sul, 25 mil pessoas desempregadas trabalham agora em atividades de conservação como parte da iniciativa Working for Water (Trabalhando pela água). Entre as possibilidades que se abrem na Nigéria, a indústria de biocombustíveis baseada no cultivo da mandioca e da cana-de-açúcar poderia sustentar e empregar 200 mil pessoas, enquanto na Índia o relatório aponta que até 2015 poderiam ser criados 900 mil empregos na gaseificação de biomassa, dos quais 300 mil vinculados à fabricação de fornos.
Ao mesmo tempo, a OIT chama atenção para o fato de que os governos devem criar condições para que se promova uma “transição justa” em direção a uma economia verde. Neste contexto, devem ser levada em conta a responsabilidade de quem deve adaptar-se às mudanças climáticas, facilitando o acesso a oportunidades de emprego e de atividades econômicas alternativas para empresas e trabalhadores. “É essencial um diálogo social entre governos, trabalhadores e empregadores, não somente para aliviar as tensões e propiciar a formulação de políticas ambientais, econômicas e sociais melhor informadas e mais coerentes, mas também para envolver os interlocutores no desenvolvimento destas políticas”, avalia o coordenador de Programas de Trabalho Decente e Empregos Verdes da OIT, Paulo Sérgio Muçouçah.
Ele menciona ainda que nos países onde houver apoio político consistente –incluindo objetivos, sanções e incentivos, como leis e normas de eficiência energética, além de recursos para pesquisa e desenvolvimento – serão criados mais empregos. De igual forma, a redistribuição de subsídios, os benefícios das ecotaxas e/ou a venda pública dos créditos de carbono tendem a gerar enormes fluxos de recursos da ordem de centenas de bilhões de dólares. “Esses recursos mobilizados na Europa e nos Estados Unidos seriam suficientes para apoiar economias mais verdes e para a criação de empregos verdes tanto no sul quando no norte industrializado”, argumenta.
Uma boa notícia é que a geração de empregos verdes entrou na pauta de recomendações definida no início de junho de 2009 pela OIT – em meio à 92ª Conferência Internacional do Trabalho. Em uma cúpula sobre a crise mundial e o emprego, a organização destacou a urgência de incentivar a criação de políticas de estímulo ao crescimento e também o fortalecimento de redes de proteção social ao trabalhador afetado pela crise financeira. Estiveram reunidos em Genebra mais de 4 mil representantes de governos, trabalhadores e empresários em busca de respostas para o impacto da crise financeira sobre a empregabilidade.
Compromisso brasileiro
“O presidente Lula esteve em Genebra e se comprometeu, ao assinar termo de cooperação com a OIT, a implementar o Plano Nacional de Trabalho Decente, o qual traz uma série de iniciativas visando os empregos verdes. Podemos afirmar que este é o primeiro compromisso oficial do governo para incentivar esse tipo de trabalho no país”, explica Paulo Sérgio.
Ele também destaca que o plano apresenta como prioridades gerar mais e melhores empregos com igualdade e oportunidade de tratamento, por meio de investimentos públicos e privados, além de estímulos fiscais e financeiros direcionados a setores estratégicos. Nesse contexto se destaca a promoção do desenvolvimento sustentável, principalmente incentivando empresas e empreendimentos preocupados com a melhoria e/ou conservação da qualidade ambiental. Igualmente importantes são os estímulos para micro e pequenas empresas, cooperativas e organizações de economia solidária e agricultura familiar.
De acordo com Paulo Sérgio, o Plano Nacional de Trabalho Decente será implementado por um comitê executivo interministerial composto por 17 pastas (entre as quais a da Fazenda) e com metas a serem alcançadas em dois momentos: 2011 e 2015.
Brasil já possui mais de 1 milhão de empregos verdes
Mesmo sem ter contado até agora com incentivo do governo o Brasil registra, segundo a OIT, mais de 1 milhão de postos de trabalho considerados verdes e é citado pela organização como um dos líderes mundiais no número de vagas de trabalho na produção de energia derivada de biomassa, juntamente com Estados Unidos, Japão, Alemanha e China. "Todas as projeções para os países, individualmente, indicam um forte potencial para geração de empregos nos próximos anos e décadas. A instalação e manutenção de painéis solares e sistemas termais solares, particularmente, oferecem uma tremenda oportunidade de empregos”, diz o Paulo Sérgio Muçouçah.
A OIT estima que 500 mil indivíduos trabalhem diretamente com biomassa no Brasil – o que inclui o processamento de cana-de-açúcar para produzir etanol. Outros 500 mil empregos foram criados pelo setor de reciclagem. Segundo o técnico da entidade esses números estão sendo revisados e devem ser bem superiores, uma vez que cerca de 840 mil pessoas trabalham atualmente no corte, colheita e processamento da cana-de-açúcar.
Um porém: a mecanização da colheita
Por outro lado, os postos de trabalho na colheita de cana-de-açúcar estão seriamente comprometidos. Quem faz essa ressalva é o diretor-técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), Antônio de Pádua Rodrigues, ao colocar que cerca de 120 mil trabalhadores, somente no estado de São Paulo, devem perder seus empregos por conta da mecanização da colheita. “Se por um lado temos benefício ambiental, por outro temos o desemprego. No Brasil, podem ser 340 mil desempregados devido à colheita mecanizada”, alerta.
Para contribuir com a solução para esse problema, a Única, em parceria com a Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp) e empresas do setor, lançou em junho de 2009 um programa chamado Renovação, que capacita mão-de-obra para o trabalho em outros elos da cadeia de produção ou para atividades junto a novos setores. A meta é a requalificação de 7 mil cortadores de cana por ano.
“Esses trabalhadores serão futuros motoristas, soldadores e mecânicos e/ou também poderão atuar em outros setores, como hotelaria, apicultura, reflorestamento e construção civil”, explica Rodrigues. O projeto será gerido por um comitê executivo formado por integrantes das entidades e empresas participantes, o qual será responsável pelas definições estratégicas, monitoria e avaliação da iniciativa. No caso dos cursos para as comunidades será adotado um modelo de decisão descentralizado, a partir de propostas dos trabalhadores.
Reciclagem espera por trabalho formal
De acordo com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alta Reciclabilidade (Abralatas), 95% das latas produzidas no país são recicladas, sendo cerca de 10 milhões somente em 2008, o que representa economia de energia de 95% em relação ao que se consome na fabricação a partir do minério. Isso corresponde ao consumo energético de uma cidade do porte de Campinas.
Veja como é o processo de reciclagem de latas - http://www.scribd.com/full/16977988?access_key=key-xhe9zvxio4pv568fabk
“A cadeia da reciclagem tem mais de 2 mil empresas e mais de 800 mil trabalhadores em todo o Brasil. Boa parte deles são catadores de latas e a expectativa do setor é que o país pode ampliar seus postos de trabalho se conseguirmos formalizar esse tipo de emprego”, explica o diretor-executivo da Abralatas, Renault Castro.
Ele defende ainda que o governo aprove a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que define responsabilidades entre as esferas municipal, estadual e federal e também junto ao setor privado. Além disso, destaca a importância da valorização do trabalho de coleta enquanto emprego verde.
“Nosso setor é autoregulamentado, não temos nenhum incentivo governamental. Os catadores brasileiros precisam ser valorizados, ter a dignidade de contar com carteira assinada. Além disso, queremos que seja feito um elo entre as políticas de reciclagem e a política de mudanças climáticas. Essa relação fica num nível etéreo e não chega ao catador”, defende Castro.
Energias renováveis esperam investimentos
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o Brasil é o maior mercado mundial de energias renováveis. Cerca de 46% de toda a energia consumida no país é proveniente de fontes limpas. Nesse sentido, o diretor da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), Carlos Farias Café, aponta que a energia solar tem inúmeras aplicações e pode ser utilizada para aquecimento de água – que corresponde a 6% de toda energia elétrica consumida no pais – promovendo uma economia de cerca de 18 mil Mega watts (MW).
“A energia solar processada por células fotovoltaicas, converte a luz do Sol em energia elétrica diretamente e já poderia ser amplamente utilizada no Brasil. Existem alguns estudos e caminhos de sucesso consolidados no mundo inteiro, mas aqui essas tecnologias são pouco consideradas. O atual governo apenas soluça a inserção da energia solar na matriz brasileira. Se tivéssemos um governo mais pro ativo na área de energia solar, seriamos com certeza lideres nesta tecnologia”, provoca.
O diretor da Abrava menciona ainda que próprio Plano Nacional de Energia coloca metas assustadoramente pequenas para energias renováveis no Brasil. “Em uma ultima apresentação do ministério, falava-se em priorizar carvão, termelétricas e usinas nucleares. Ou seja, andamos a firmes passos na contramão, mesmo que hoje nossa matriz seja relativamente limpa do ponto de vista de emissão de gases de efeito estufa”, critica.
(ANDI Mudanças Climáticas / Envolverde, 02/07/2009)