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2009-07-02

Apesar de morar desde que nasceu na Vila Mangalot, na zona oeste da capital paulista, Vera Lúcia Martins, de 57 anos, não sabe dizer se o bairro teve origem em um quilombo. A vila, localizada no bairro de Pirituba, é uma das três possíveis comunidades quilombolas existentes no perímetro urbano da cidade. A possibilidade começou a ser estudada em maio, por meio de convênio firmado entre a prefeitura da cidade e o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp). “A equipe técnica está ouvindo pessoas do bairro, colhendo depoimentos e também buscando dados em cartórios sobre dominialidade [propriedade, gestão] dessa área, que pode ter abrigado um quilombo”, informou o diretor executivo do Itesp, Gustavo Ungaro. O instituto já reconheceu 24 áreas quilombolas no estado, das quais seis foram tituladas.

As lembranças mais antigas de Vera Lúcia sobre o início da Vila Mangalot remetem a sua infância e nada dizem sobre escravidão. Ela quase não se recorda das poucas histórias contadas por sua avó, Maria Luiza. Originária de Piracicaba, no interior de São Paulo, Maria Luiza foi a primeira da família a se estabelecer na região. Já falecida, ela foi uma das beneficiadas pela Lei do Ventre Livre, que declarava livres os filhos de escravos nascidos depois de 28 de setembro de 1871.

Os relatos sobre o possível quilombo, uma parte importante da investigação, parecem estar se tornando mais escassos. Moradores da vila ouvidos pela Agência Brasil informaram que a comunidade perdeu, recentemente, várias pessoas mais idosas, como dona Brasília, dona Teresa e dona Conceição, detentoras de parte da memória do bairro.

Para Simone Martins, de 38 anos, filha de Vera Lúcia, a formação de seus bisavós e trisavós dificultou a passagem do conhecimento de uma geração para outra. “Quando eles vieram para trabalhar com as famílias, não se via, não se ouvia e não falava, Trabalhava-se somente", lembrou. “Eles viviam em uma posição em que nem questionavam. A [necessidade de] sobrevivência era maior do que o questionamento.” Simone diz que foi sua geração, por ela definidade como a terceira após o fim da escravidão, que começou a questionar tanto a posição social dos negros quanto as próprias origens.

No caso do quilombo que teria dado origem à atual Vila Mangalot, a hipótese mais provável é que escravos em fuga ou recém-libertados de fazendas do oeste paulista tenham migrado para a região em busca de emprego. Segundo a historiadora da Universidade de São Paulo(USP) Maria Helena Machado, esses negros se fixavam “nas periferias, já que eram muito pouco tolerados pelas autoridades”. Na área existia, entre outras fazendas, a propriedade que Domitila de Castro, a marquesa de Santos, herdou do marido, Rafael Tobias Barreto. As terras haviam sido compradas por Barreto dos descendentes do coronel Anastácio de Freitas Troncoso. De acordo com Maria Helena, existem indícios de que, tanto na fazenda da marquesa quanto em outras propriedades da região, havia trabalho escravo.

Esses fatos conhecidos são apenas o ponto de partida para recuperar os vestígios da possível existência de um quilombo no lugar. “Esse bairro em que moramos era subdivisão de fazenda. A história mesmo nunca foi esclarecida para nós”, ressaltou Simone Martins. De acordo com Maria Helena, caso fique comprovado que na região da Vila Mangalot ex-escravos fundaram uma colônia de “modo de vida comunitário”, de maneira diferenciada da “comunidade abrangente”, os moradores da área poderão reivindicar a remanescência de quilombo.

No entanto, o diretor executivo do Itesp destacou que “a concordância das famílias é fundamental. Se as famílias não tiverem o reconhecimento de que são descendentes de escravos, de que são remanescentes de quilombos, não há processo de reconhecimento, muito menos de titulação”.

Se, após os estudos, o Itesp reconhecer a região como remanescente de quilombo, as famílias descendentes dos ex-escravos poderão receber o título de propriedade comunitário da área. O título pode ser expedido pelo próprio Itesp, ou pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), caso haja necessidade de desapropriações. Gustavo Ungaro explicou que área quilombola em área urbana “não é a regra” – normalmente esses locais estão no meio rural. Mas, em alguns casos, a expansão urbana acaba englobando regiões que antes eram imóveis rurais.

(Por Daniel Mello, com edição de Nádia Franco, Agência Brasil, 01/07/2009)


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