A reivindicação e o reconhecimento de áreas quilombolas dentro do perímetro urbano das cidades têm um “potencial explosivo”. A avaliação é da historiadora da Universidade de São Paulo (USP), Maria Helena Machado. “Se na área rural a reivindicação de títulos de posse está levando a uma série de conflitos, imagine isso em cidades como São Paulo e Porto Alegre”, disse.
Os quilombos urbanos seriam áreas onde escravos fugidos ou recém-libertos estabeleceram um modo de vida comunitário e, que depois, foram incorporadas pelas cidades no processo de expansão urbana. “Nós partimos do princípio que a urbanização daquele território não se deu porque os quilombos foram para a cidade, mas porque a estrutura urbana incorporou o quilombo”, afirmou a coordenadora-geral do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Givânia Silva.
Para ela, é natural que existam conflitos no que diz respeito ao reconhecimento de áreas quilombolas, principalmente quando há a necessidade de desapropriação da terra ocupada por pessoas que não pertencem a comunidade. “Nenhuma terra será regularizada, por cima de título expropriado, sem conflito. Dificuldades vamos ter em todos os lugares”, ressaltou. Segundo Givânia, existem reivindicações de quilombos remanescentes em áreas de Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. Ela destacou que tanto a legislação aplicada aos quilombos na área urbana, como em imóveis rurais, é a mesma.
Para os movimentos sociais, também não há diferenças entre os quilombos remanescentes das cidades ou do campo, conforme explica o membro dos Agentes de Pastorais Negros do Brasil, Edgar Moura. No entanto, ele afirma que, nos casos urbanos, há uma complexidade maior na execução do processo de reconhecimento e titulação. “Há uma grande dificuldade porque aquela comunidade quilombola não está mais trabalhando com a terra. Porque a especulação imobiliária já tomou conta de uma área que deveria ser preservada para uma associação”, explicou.
Além das dificuldades para o reconhecimento das áreas remanescentes de quilombo nas cidades, existe o problema de como garantir o uso comum da propriedade para todos os que tiverem direito. De acordo com Edgar Moura, “não existe hoje uma proposta fechada”. “A hora em que eu reconheço uma comunidade quilombola, eu tenho que constituir uma associação e os direitos passam a ser da associação”, destacou. Segundo ele, cada associação deve entrar em um acordo e decidir como serão aproveitados os direitos inerentes ao reconhecimento como comunidade quilombola.
O problemas dos quilombos urbanos é maior porque, nas cidades, há uma maior possibilidade de pessoas sem ancestralidade escrava passarem a ocupar a região do antigo quilombo. “Vamos supor que uma comunidade tenha se formado em 1888, a partir de três casais que receberam uma gleba de terra do ex-senhor. Ao longo dos anos, novas pessoas foram integradas a essa comunidade que nunca emitiu um título, jamais partilhou a terra”, exemplificou a historiadora Maria Helena Machado. “Então, quando você vai desapropriar e dar a posse de terra, quem vai entrar? Quem está aqui e há quanto tempo?”.
(Por Daniel Mello, com edição de Lana Cristina, Agência Brasil, 01/07/2009)