Davi Kopenawa, voz dos índios yanomamis, luta para que não aconteça no Brasil o que ocorre no Peru. Sua comunidade vive ameaçada
Terraço do restaurante da Casa da América, em Madri, no começo de julho. Davi Kopenawa tira uma sacola de plástico e extrai uma espécie de bola preta que coloca debaixo de seu lábio superior. É a hora de mascar tabaco. "Não queremos dar nossa terra aos brancos, porque os brancos já têm muita terra", diz. "Somos nós que a protegemos, as pessoas da cidade derrubam árvores. O homem branco ama o dinheiro, o avião, o carro. Nós pensamos diferente". Kopenawa se encosta na cadeira. Tem o rosto pintado de vermelho, coroa de penas, colar. Veste camisa, calças jeans e tênis. Calcula que nasceu em torno de 1956.
Davi Kopenawa está lutando para que não haja revoltas no Brasil como as que sacudiram o Peru. Há duas semanas, ele visitou Madri pouco antes que chegassem as primeiras notícias dos levantes em Bagua, que resultaram na morte de 24 policiais e entre nove e cem índios, segundo as diversas fontes. Ele se encontra em viagem pela Europa defendendo a causa de seu povo, os yanomamis. Após o estourar do conflito no Peru, ele utiliza o e-mail para opinar sobre esse fato: "O que estão fazendo com os índios ali é um crime. Nós sofremos o mesmo problema com brancos que vão em busca de nossos recursos naturais".
O projeto de lei 1610/96 sobre mineração em terras indígenas, ainda em fase de discussão no Congresso brasileiro, pode abrir a porta à mineração de grande escala em território yanomami. Pode supor que as estradas dividam as terras de seus ancestrais. "No Peru, o governo mandou o exército matar os índios. No Brasil, são os invasores que matam os índios, mas também as autoridades também têm culpa, por deixá-los entrar". Ele se refere aos garimpeiros. Os buscadores de ouro. Diz que há em torno de três mil operando ilegalmente no chamado Parque Yanomami, na Amazônia.
Há mais de 25 anos, Kopenawa é a voz dos yanomamis, seu embaixador. Durante o encontro de Madri, havia insistido no fato de que ele não é um líder, mas sim um yanomami a mais. Exerce como "chamán", ou seja, como guia espiritual-médico-psicólogo em sua comunidade Watoriki (a montanha do vento), composta por umas 150 pessoas. "Para o homem branco, é difícil ser feliz", defende. "Ele tem uma raiz muito grande na cidade, não pode mudar isso. Está enlouquecido com a terra, sempre quer tirar mais e mais para que a cidade cresça. Só pensa no solo: petróleo, ouro, minerais, estradas, carros, trens".
Os yanomamis lutam há nos para preservar seu modo de vida. Caçam com arco e flecha, pescam com um cipó que deixa os peixes tontos, cultivam na selva. São nômades: a cada dois ou três anos, quando a terra se esgota, se transladam. Em 1991, conseguiram que o presidente Fernando Collor de Mello criasse o Parque Yanomami, uma superfície do tamanho de duas Suíças (9,6 milhões de hectares) para que essa comunidade de 16 mil habitantes pudesse viver em paz. Foi-lhes concedido o direito de utilizar a área. Mas os direitos sobre os minerais pertencem ao Estado. Os garimpeiros que trabalham ilegalmente em seus territórios contaminam com mercúrio os rios e lhes transmitem doenças mortais.
Kopenawa caça capivaras e javalis com arco e flecha. Está casado, tem seis filhos e dois netos. Vive três meses na selva e três meses em Boa Vista, no norte do Brasil. Quando está na cidade, habita os escritórios da Hutukara, a ONG que ele fundou em 2004 para defender os direitos de seu povo. Não gosta muito de sair de casa. "Nunca saio à noite. Há pessoas más na rua", explica. Se sai de dia, só vai a lugares em que possa chegar a pé. A coisa muda quando está em sua aldeia. "Ali o céu é sempre limpo, bonito, cheio de estrelas. O que eu mais gosto é de olhar a selva".
A primeira vez que viu um branco tinha cinco anos. "Senti medo, pensava que era mau porque tinha o cabelo comprido, era barbudo e usava sapatos, como eu agora!", lembra, e ri. Fala um português que soa nasal e profundo. Não conheceu seu pai. Sua mãe morreu de sarampo quando ele tinha dez anos. Aos 12, contraiu tuberculose e se converteu no primeiro yanomami que pisava em Manaus, capital amazônica. Passou um ano em um hospital. Foi ali onde aprendeu a falar português.
Dois anos mais tarde, funcionários da Funai – Fundação Nacional do Índio – escolheram-no para que fosse o intérprete de visitas às comunidades indígenas. No dia em que viu um coordenador da Funai expulsando um branco da selva por caçar felinos em território yanomami, viu a luz: expulsar os invasores era possível. A chegada de milhares de buscadores de ouro a meados dos anos 80 foi o que lhe levou a decidir lançar sua luta pela terra: 20% dos yanomamis desapareceram naqueles anos 80 por consequência de doenças que o homem branco levou. Assim iniciou a sua trajetória, que o levou a representar os povos indígenas da Amazônia diante da ONU e a ficar lado a lado com líderes como Al Gore, o príncipe Charles, ou estrelas da música como Sting. "Os famosos não resolvem nada", diz com tom firme e decidido. "Escutam, apoiam, mas não se consegue mais do que isso na ONU".
Kopenawa tira de sua bolsa listrada um estojo preto e o abre. Olha fixamente a medalha prateada que tem no seu interior: é a menção honrosa do Prêmio Bartolomé de las Casas que lhe foi concedido pela Secretaria de Estado de Cooperação Internacional e pela Casa da América, motivo que lhe trouxe pela primeira vez a Madri. Não pode afastar o olhar do metal.
Por que olha tanto para a medalha? "É importante recebê-la porque faz com que as pessoas conheçam a minha luta. Mas Omame [o criador] não permite que se extraiam metais da terra. A terra é um lugar sagrado e protegido."
Minerais. O projeto de lei do governo brasileiro pode abrir a porta à exploração mineira. "A mineração vai levar às nossas terras pessoas que matam os índios, que levam bebidas alcoólicas e doenças da cidade. Vai trazer estradas, contaminação". Kopenawa está consciente de que, hoje em dia, seu povo precisa do telefone e da Internet para a luta. Mas também não quer que todos os jovens yanomamis aprendam a usá-los. "Basta que uns poucos aprendam, 20 ou 30 pessoas. Temos que ir aos poucos. Senão, muitos irão querer ficar na cidade e não voltar mais".
Defende que a terra não tem preço, nem pode ser comprada nem vendida. "O homem branco nunca está tranquilo", analisa. "Sempre está preocupado buscando dinheiro para pagar a casa". E o homem yanomami? "O homem yanomami pensa em ficar tranquilo, sem preocupação, e em não passar fome."
(Por Joseba Elola, com tradução de Moisés Sbardelotto, El País / IHUnisinos, 22/06/2009)