“Agora vão embora os peixes”, disse o indígena awajún, Luis Umpunchi, entre cerca de 20 pessoas reunidas ao redor de um oleoduto com vazamento, na comunidade de Jayais, na região peruana de Amazonas. Todos observam preocupados o vazamento. Alguns tocavam o líquido negro, que se misturava com o lodo formado pela chuva. “Esse petróleo chega ao Rio Marañon, em cujas margens estão nossos cultivos”, acrescentou Antonio Chu Pumpunchig, que colhia bananas quando soube do vazamento de uma das tubulações do Oleoduto Norte-Peruano, operado pela estatal Petroperú e com várias estações de bombeamento região de Amazonas.
A Estação Número 6, precisamente, foi tomada no começo deste mês por indígenas da Província de Bagua, como parte dos protestos contra leis que ameaçam seus territórios, e foi um dos epicentros de violentos choques nos quais morreram 24 policiais e pelo menos dez civis, embora os nativos afirmem que as mortes são muito mais. As populações mais afetadas pelo vazamento estão nas bacias dos rios Cenepa e Nieva. Mas os nativos que vivem perto de cidades como Bagua, capital da Província, também temem que seus rios possam ser contaminados, com aconteceu ao povo achuar, assentado no Rio Corrientes, na vizinha região de Loreto, extremo noroeste do país, onde opera a empresa argentina Pluspetrol. Trabalhadores da Petroperú, que chegaram a Jayais para limpar o vazamento, se negaram a informar a causa do rompimento da tubulação, estendida sobre um riacho.
As famílias amazônicas vivem da pesca, da caça na floresta, do cultivo de milho, banana e cacau nas margens dos rios, e do plantio de mandioca na montanha, além da venda de produtos agrícolas. Nas estradas, os comerciantes compram deles centenas de bananas por apenas três soles (um dólar), para depois revender nos mercados a 12 soles (US$ 4). “Não é que estejamos reclamando por sermos selvagens, mas porque vivemos destes recursos. A terra é nossa mãe e a floresta nossa despensa para alimentar nossas famílias”, insistiu Umpunchi. O mais provável é que parte do petróleo derramado chegue ao Rio Chiriaco e depois acabe no Marañon”, explicou.
Mais de 70% da Amazônia peruana foi dividida em concessões para investimentos em hidrocarbonos, entre 2003 e 2008, afirma um informe divulgado em março pela organização não governamental Direito, Ambiente e Recursos Naturais (DAR), a partir de dados oficiais. Para promover o investimento privado na selva, o governo de Alan García aprovou uma dezena de decretos legislativos no contexto da implementação do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, que provocaram inusitados protestos indígenas, em 2008 e neste ano. Diante da tragédia deste mês, o governo retrocedeu parcialmente e o Congresso revogou duas das leis questionadas.
Extração na mira
Os povos awajún e qampí, que habitam a região de Amazonas, se sentem ameaçados pelas atividades mineradora e petrolífera, assentadas nas cabeceiras de suas bacias, em áreas protegidas e quase sempre muito vulneráveis, o que causa disputas por recursos como água e terra entre empresas e moradores. “Esta é minha casa, aqui viveram meus avós e é o que quero deixar de herança para meus filhos”, disse ao Terramérica Julia Esamat, de 53 anos, uma awajún da aldeia de Wawas, no distrito de Chiriaco. “Fomos em frente sozinhos, sem o Estado. Agora, não podem vir as autoridades e tirar o que é nosso”, afirmou.
Existem cerca de 60 concessões petroleiras, 15 delas aprovadas de maneira irregular, superpondo-se a 12 áreas protegidas em dez regiões do país. Entre elas aparece a área de reserva Santiago Comaina, na região de Amazonas, segundo o informe do DAR. Para o lote 116 de Santiago Comaina, há uma permissão de exploração da empresa francesa Maurel & Prom. Para ter acesso ao local, a empresa assinou um acordo com os presidentes das federações nativas da província de Condorcanqui. Porém, por não terem consultado suas comunidades, esses líderes foram destituídos por suas bases, informou o jornal La República, em maio de 2008.
Além disso, na região de Amazonas, foram autorizados projetos de exploração de ouro e urânio na Cordilheira do Condor, no limite com o Equador. Segundo organizações nativas da Bacia do Cenepa, essas concessões foram transferidas irregularmente para a empresa Dorato Peru, subsidiária da canadense Dorato Resources. Em um comunicado de imprensa, de novembro de 2008, a Dorato Resources afirmou que havia adquirido todas as ações da mineradora peruana Afrodita. Essa transação teria ocorrido entre a Afrodita e compradores de fachada, segundo o advogado Marco Huaco, da organização não governamental Racimos de Ungurahui.
De acordo com Huaco, o projeto viola o artigo 71 da Constituição, porque, para autorizar investimento estrangeiro na fronteira, o Poder Executivo deve emitir um decreto supremo que o declare de “necessidade pública”, o que não fez. Além disso, teria infringido o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho, de 1989, que exige a consulta prévia às comunidades locais sobre atividades econômicas que afetem seus meios de vida. A Organização de Desenvolvimento das Comunidades Fronteiriças do Cenepa (Odecofroc), uma das quatro entidades indígenas da região do Amazonas, apresentou, em abril, três denúncias sobre o caso junto à Direção de Concessões de Mineração.
As autoridades responderam que desconheciam a participação da empresa canadense, que as concessões foram outorgadas a pessoas físicas e jurídicas de nacionalidade peruana, e que iriam investigar as denúncias, disse Huaco, assessor da organização. A Odecofroc também levou o caso da Cordilheira do Condor até o relator especial das Nações Unidas sobre os Direitos e as Liberdades dos Povos Indígenas, James Anaya, que esteve em Bagua, no dia 18 deste mês.
O documento entregue a Anaya, ao qual o Terramérica teve acesso, diz que o projeto afeta 9.636 indígenas do Cenepa, porque se localiza na cabeceira dos principais rios tributários do Marañon e atravessa o protegido Parque Nacional Ichigkat Muja, reconhecido pelo governo por sua altíssima “vulnerabilidade ecológica e humana”. Em vários expedientes de titulação de direitos a favor de solicitantes mineradores, o Instituto Nacional de Recursos Naturais reconheceu a impossibilidade de realizar atividade de mineração no território awajún, afirma o documento entregue a Anaya. “Realizar mineração nessa área significaria a extinção parcial desse povo amazônico”, declarou Huaco ao Terramérica. Os líderes indígenas levarão o caso ao Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, das Nações Unidas, ao assessor especial para a Prevenção do Genocídio, também da ONU, e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
(Por Milagros Salazar, Terramérica / CarbonoBrasil, 29/06/2009)
Este artigo é parte de uma série produzida pela IPS (Inter Press Service) e pela IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais) para a Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável (http://www.complusalliance.org">www.complusalliance.org).